"Nunca perdi o entusiasmo de seguir tocando o acordeon"

De volta ao Brasil depois de duas décadas, com uma turnê que celebra seus 80 anos de idade, o embaixador do chamamé, Raúl Barboza, se apresenta em Passo Fundo neste sábado (1)

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“Minha mãe me dizia que, quando estava grávida de mim, não podia ouvir o chamamé porque eu me agitava tanto em seu ventre que ela sentia dores insuportáveis. Ela também escutava tango e outras músicas da época, mas nesse caso nada acontecia em seu ventre”, conta um bem-humorado Raúl Barboza, prestes a completar 81 anos, respondendo ao questionamento feito pela reportagem sobre a origem da sua afeição com o chamamé. O acordeonista argentino é considerado o embaixador deste estilo musical e, há sete décadas, coleciona elogios pela maestria com que toca o acordeon. Embora nunca tenha se afastado da música e siga levando o som do seu instrumento pelas terras europeias – e não tenha a intenção de parar tão cedo –, essa é a primeira vez em duas décadas que Raúl volta aos palcos brasileiros. Na noite deste sábado (1), no Teatro do Sesc, Passo Fundo é quem recebe a turnê que celebra os 80 anos do artista.

 

Tradicional da província de Corrientes, o chamamé é considerado um dos principais ritmos folclóricos da Argentina e carrega em suas raízes uma mistura de influências vindas da cultura guarani e europeia, tal qual o próprio Raúl, que nunca teve medo de criar seu próprio chamamé e levá-lo para o mundo. Nascido em Buenos Aires em 1938, o músico começou a tocar com apenas sete anos de idade, quando ganhou dos pais um acordeon de duas fileiras e oito baixos. Aos nove anos, já era conhecido como El Mago, pela habilidade que tinha com o instrumento. “Com essa idade, eu já tocava na rádio com meu pai. Eu tocava acordeon e, ele, violão. Sempre que meu pai dizia ‘temos que ir para a rádio’ eu saía correndo! Lembro que a gente tocava ao lado de muitos músicos profissionais, gente que já tinha estudado música, mas isso não era um problema. Eu me desenvolvia muito bem porque não era um menino que tinha vergonha”, relembra.

 

Convivendo com músicos como Mario del Tránsito Cocomarola e Ramón Estigarribia desde a infância, a paixão pelo chamamé, que Raúl diz ser algo presente em seu espírito e o motivo de sua alegria antes mesmo de nascer, só fez crescer ao longo dos anos. Em 1987, ansiando ver a recepção de sua música de outro lado do mundo, Raúl mudou-se para a França, onde segue até hoje. Lá, lançou o álbum “O chamamé” e se tornou uma referência da música argentina na Europa. Seu álbum lançado na França em 1993, venceu o Grand Prix Charles Cros e, em 2000, Raúl recebeu do Ministério da Cultura da França a distinção de “Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras”. Ainda, em 1985 e 2005, a Fundação Konex concedeu-lhe o Diploma de Mérito do Prêmio Konex de Música Popular como um dos cinco melhores "solistas acordeonistas folclóricos masculinos" da década na Argentina, e em 2015, desta vez na disciplina "instrumentista". Hoje, colecionando setenta anos de trajetória, o acordeonista já gravou mais de 50 álbuns e participou de nove filmes.

 

Tantos títulos são frutos de um trabalho intenso. Depois de dado o pontapé inicial para que se tornasse acordeonista, aos sete anos, Raúl conta que nunca mais parou, exceto em curtos intervalos de tempo, quando precisou afastar-se do instrumento por motivos como o serviço militar – que prestou entre os 18 e 20 anos de idade, de maneira voluntária, por precisar de uma espécie de salário – e um acidente doméstico, há alguns anos. Na ocasião, um desmaio fez com que Raúl batesse a cabeça no chão, causando a formação de um coágulo. “Eu só fui descobrir isso um mês depois que caí, quando comecei a ter dificuldade para caminhar. Quando fui ao meu médico, descobri que era necessário fazer uma operação de urgência”, conta. Embora tenha retornado para casa depois de 20 dias de internação, as sequelas do acidente perduraram. Raúl levou meses para retomar os movimentos da mão direita. “Ela não funcionava bem e, por isso, precisei adiar algumas propostas de turnê. Eu não conseguia tocar. Fiquei quase um ano parado porque, logo em seguida, minha senhora ficou doente e precisei cuidar dela. Agora, estou bem com minha mão e posso tocar como tocava antes, mas mesmo quando estava mal eu nunca perdi o entusiasmo de seguir tocando o acordeon. Eu também nunca tive a angústia de imaginar que tinha perdido a possibilidade de tocar. Não sei por quê, mas nunca perdi a ideia de continuar”.

 

Raúl Barboza, 80 años

Na apresentação que acontece neste sábado, no Teatro do Sesc Passo Fundo, Raúl traz ao município a turnê que celebra suas oito décadas de história. Acompanhado pelo guitarrista argentino Nardo Gonzáles e pelo acordeonista Alejandro Brittes, Raúl brindará ao público a magia musical da mesopotâmia argentina através da sua expressividade e técnica no instrumento, apresentando 90 minutos de um espetáculo que reúne obras autorais, bem como clássicos do chamamé tradicional argentino. A turnê está sendo realizada nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e é uma iniciativa do acordeonista Alejandro Brittes, com direção e realização da produtora Magali de Rossi e direção artística de Miguel Castilhos. Em Passo Fundo, a produção é de Diego Granza.

 

De origem simples, Raúl conta que nunca teve o hábito de comemorar seus aniversários. Os pais não tinham condições financeiras de comprar os itens necessários para uma festa e, por isso, as comemorações costumavam centrar-se apenas em convidar os parentes mais próximos para tomar um chocolate. “Durante a minha gestação, meus pais viviam em um bairro em Buenos Aires chamado La Boca. Era um bairro muito barato e eles moravam em uma casa onde você alugava somente os quartos e compartilhava o banheiro com outras pessoas. Era lá que minha mãe dizia que, quando vinham músicos acordeonistas e bandeonistas alugar quartos nesta casa compartilhada, se eles tocassem chamamé, ela tinha que sair para a rua porque eu me mexia muito dentro do ventre dela”, explica.

 

Como nunca teve o costume de festejar seus aniversários, Raúl admite que tampouco pensou em festejar os 80 anos. A ideia nasceu em Paris, com amigos, entre eles o empresário do argentino. “Ele me disse ‘estou pensando em fazer um concerto para os seus 80 anos’. Isso me pareceu meio estranho, que alguém se ocupasse disso, mas acabei concordando. Tivemos alguns imprevistos e, ao invés de fazer no meu aniversário, decidimos fazer isso depois. A ideia foi convidar todos os músicos que eu havia conhecido desde que cheguei na França, músicos de nível musical impressionante”, comenta, sorridente. “Depois dessa apresentação, alguém pensou que poderíamos fazer também uma turnê pelo Brasil, sobretudo pelo Rio Grande do Sul, que eu já conheço muito bem desde que tenho 30 anos, quando eu conheci Luiz Carlos Borges, no Festival de São Tomé, em Corrientes, na fronteira com São Borja. Passei muitos anos aqui, vivi em vários lugares, inclusive em Porto Alegre, então tenho um carinho muito grande. Eu achei que não conseguiria fazer essa turnê aqui, achei que não seria possível. Ainda mais reunindo músicos gaúchos, que são meus amigos... Nunca imaginei. Quando me disseram que era possível, fiquei muito contente”.

 

Serviço

Raúl Barboza, 80 años

Data: 1° de junho

Horário: 20h

Local: Teatro do Sesc Passo Fundo (Av. Brasil, 30)

Ingressos à venda no Sesc local: entre R$ 12 e R$ 30

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