A imagem granulada, remetendo à resolução obtida nos primórdios da fotografia e que dá cara ao novo single da banda Los Marias, intitulado “Monotonia”, parece fazer jus ao estilo do grupo passo-fundense. Formada por cinco jovens na casa dos 20 anos, a banda faz um som autoral que viaja entre as fontes do rock sessentista e a tecnologia dos dias modernos. “A gente tem essa onda de mesclar o jovem com o antigo, repaginar as coisas e fazer do nosso jeito”, comenta o guitarrista Ihago Jury, em uma descrição simples, mas bastante precisa.
Embora não seja uma novidade no trabalho desenvolvido pela Los Marias, a mescla entre influências recentes e de gerações passadas parece ser reforçada no novo lançamento. Em “Monotonia”, o primeiro single de um EP com quatro músicas e que será lançado em setembro pelo Selo180, o grupo discute as insatisfações de quem não se conforma com a carga social responsável por ditar como a vida deve ser encarada. “Eu tô cansado do trabalho, da monotonia, de gente vazia. Eu tô cansado das histórias de quem não tem nada a perder, mas não se arrisca. Eu tô cansado de tudo que eu já vi e do que ainda não vi”, narram as letras da canção que entrou nas plataformas de streaming na última semana.
Tais insatisfações parecem uma angústia compartilhada por quem pertence a essa mesma geração. E não é preciso olhar muito longe para perceber. Dentro do mesmo gênero musical, nas letras do novo álbum d’O Terno, por exemplo – banda que, talvez não coincidentemente, também já lançou um trabalho pelo Selo180 –, Tim Bernardes expõe longas discussões existencialistas com as quais é fácil se identificar. “Parece que tentam nos vender algo sempre igual e que acaba nos cansando, como se fossem várias receitas de bolos que não deram certo e que, mesmo assim, continuam nos passando”, comentava Ihago, na mesma linha, pouco depois de mostrar as novas músicas de Los Marias à reportagem de ON. Era a noite de uma segunda-feira, três dias antes de “Monotonia” ser oficialmente lançado.
E, se por um lado as letras do single compartilhavam um desabafo pouco animado dos membros da banda, naquela noite, enquanto contavam em entrevista alguns dos planos do grupo, o espírito deles flutuava bem longe daquele sentimento. Na sala de estar da casa compartilhada por dois dos integrantes, o guitarrista Ihago Jury, o baixista Sérgio Junior, o vocalista Milton Roque e o baterista Eliéser Lemes – Vinicius Ramos, responsável pelos teclados, não pôde comparecer – pareciam animados com o que projetam para os próximos meses.
O Nacional: Começando do jeito clássico, podem contar como a Los Marias teve início?
Ihago Jury: Eu e o Serginho tocávamos em uma orquestra, que hoje em dia nem existe mais. Foi há uns oito anos. Eu entrei na orquestra sem nem saber tocar guitarra, mas um amigo meu disse para o maestro que eu tocava e eu fui na onda. Eu e o Serginho sempre quisemos ter uma banda autoral. No tempo da orquestra, chegamos a montar uma banda, mas ela acabou. Nessa época, nós vimos um vídeo do Milton cantando. Ele era vocalista em outra banda, mas nós acabamos roubando ele, reestruturamos o grupo e acabou virando a Los Marias. O Milton já tinha algumas músicas autorais, tipo Polegar Solitário e Um Louco Igual a Mim. Isso foi mais ou menos em 2014, quando tinha o Chico Frandoloso [vocalista da General Bonimores] na bateria, mas o Chico estava muito velho para tocar com a gente (risos). Aí achamos o Eliéser. Depois retomamos contato com o Vini, que começou com a gente, mas já não fazia parte da banda, e ele entrou também. Assim fechou o time.
Milton Roque: Mas, claro, a Los Marias é muito mais que essas pessoas. Por trás, a gente tem o Selo180, que está com a gente desde o início e é por ele que a gente ainda está nessa. Conquistamos muita coisa pela guia do Garras [responsável pelo Selo180]. Até porque essa história de que a banda é só quem está tocando não é verdade. Tem muita gente que nos ajuda, que faz as artes, que vai nos shows e nos compra, que escuta no Spotify e compartilha...
ON: Como tem sido viver de música em uma cidade pequena como Passo Fundo?
Milton: Viver de arte é uma batalha em qualquer lugar, mas a gente não pode entrar direto naquela fala comum de que “hoje em dia é só sertanejo e funk”. Primeiro você tem que se autoconhecer. Você tem que decidir que vai ser músico e se dedicar para isso. Primeiro você resolve o seu problema contigo. É um lance de meio que assumir isso. Chegar para a tua família e falar “olha, eu sou músico, eu não vou fazer outra coisa”. Como qualquer outro trabalho. Depois, deposita fichas nisso e só aí fica esperando ter um retorno. Quando nem você acredita nisso, fica difícil convencer os outros e não se torna uma coisa sincera. Enfim, tem como viver. Hoje, eu pago todas as minhas contas com isso, os guris também. Claro, contas atrasam, mas é assim. A gente escolheu isso. Você abre mão de muitas coisas para viver outras.
Ihago: A gente ama fazer, mas é um trabalho como qualquer outro. Demanda tempo, demanda estudo, demanda bagagem. A gente tem que estudar coisas e ter referências. Enquanto uma pessoa senta em um escritório do meio-dia às seis, a gente tem ensaio, tem que trocar ideia com as pessoas.
Milton: O que torna o lance difícil, às vezes, é que mesmo em um bar rola preconceito. O contratante vem e te exige um trabalho, exige que tu esteja lá tal hora para passar o som, que tu toque tantas horas, mas ao mesmo tempo ele não te enxerga como um profissional. Parece que aqui ainda assim existe um preconceito e uma falta de confiança. Não é fácil, tem todo esse lance.
ON: Mas em termos de público, vocês parecem receber um carinho legal aqui.
Milton: Sim, em Passo Fundo e Santa Catarina a gente tem um público legal. Principalmente em Joaçaba, quando íamos sempre tinha muita gente, mesmo que tocássemos em um intervalo curto de tempo. Lá, as pessoas nos tratavam como se fôssemos uma banda explodidíssima, coisa de esperar na frente do hotel para trocar uma ideia, pedindo para tirar uma foto. Dava um gostinho (risos). Mas o carinho local é muito legal também. Tem galera que vem acompanhando a gente desde o início e, às vezes, não consegue ir a um show da Los Marias, mas vai em um acústico do Ihago para dar uma força. Rola uma linguagem legal.
ON: Vocês também já abriram para bandas grandes do cenário nacional.
Ihago: Sim! A gente já abriu o show do Skank, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Humberto Gessinger... Também tivemos a oportunidade de tocar no festival Rock Gaúcho e lá tinha Cachorro Grande, Nenhum de Nós, Armandinho, Duca Leindecker, Papas da Língua. Essas aberturas nos ajudam a ter uma troca grande. Isso tudo viabilizado, também, por conta do Selo180.
ON: Quantos trabalhos vocês já lançaram?
Milton: Foram cinco singles, contando com Monotonia.
ON: Como vocês pensaram esse novo EP, que vai ser lançado em setembro? São músicas novas ou vocês reaproveitaram alguns sons?
Ihago: Tirando os últimos dois lançamentos, “Erros e Acertos” e “Não Vá”, os nossos últimos singles tinham sido feitos em 2016. É um intervalo de tempo muito grande, né? Mas a nossa cabeça não para de funcionar. A gente está sempre fazendo músicas novas e compondo. Esses sons do EP são basicamente uma junção de sons antigos com composições novas. A primeira faixa, “Ela e Eu”, por exemplo, foi composta em 2016, quando fomos recolher os instrumentos depois de um show no Backstage. “Monotonia” foi composta um ou dois anos atrás. “5AM” foi na faculdade, também há alguns anos [no EP, há ainda a música “Cansei”]. São composições um pouco mais antigas, que estavam ali, e estávamos querendo lançar. Quem produziu foi o Chico Frandoloso, da General Bonimores, em parceria com a própria Los Marias, e gravamos tudo na Fábrica Sonora, aqui em Passo Fundo.
Milton: A gente não necessariamente pensou em criar um conceito para o EP, mas olhando o todo você consegue perceber algo nesse sentido. Assim como as músicas são distintas, tu consegue perceber uma conexão entre elas. As referências que a gente estava ouvindo no momento influenciam muito na hora de gravar e compor.
Ihago: E outro lance que fecha um pouco com a arte do nosso EP é que a gente gosta de coisas muito antigas, mas a gente é novo. Acaba mesclando isso, é meio inevitável. A gente não faz rock dos anos 60 e nem tenta fazer igual, mas a gente bebe dessas fontes e junta toda a tecnologia para sincronizar isso e transparecer para as pessoas que nos escutam. E, cada um de nós – por mais que bebamos sempre dos Beatles, Stones, Mutantes e tudo que é bom – te tem sua peculiaridade.
Milton: Esse EP, assim como cada lançamento nosso, é um passo novo. É uma cara nova. A banda sempre está em uma mudança constante porque nós mudamos como pessoas. Nós começamos a banda há cinco anos, é impossível sermos as mesmas pessoas que éramos quando começou. Então esse EP é um pouco de tudo. Toda nossa transição. Hoje, nós já não dizemos mais que somos uma banda de rock alternativo ou enfim. Nós somos uma banda de rock. Também não discutimos o rótulo de rock gaúcho. A gente respeita isso enquanto um movimento que aconteceu – porque realmente foi um movimento muito grande e que abriu muitas portas –, mas não é uma coisa com a qual a gente se preocupe. Nenhuma das bandas tem a sonoridade igual. Nós estamos abertos. Não somos só gaúchos. Não nos preocupamos com esse rótulo, só fazemos o nosso som.
ON: E sobre o que, especificamente, fala o single “Monotonia”?
Ihago: Quando eu escrevi ele, foi meio que um desabafo. Eu estava em uma fase não muito boa. Quando eu tinha uns 16 anos eu tinha uma ideia de que com 18 anos eu estaria fora de casa, com 20 ia ter o meu carro, uma vida boa. Coisas que a gente meio que fantasia. É uma carga social, mas quando você vira adulto você vê que as coisas não são bem como você imagina. Por mais que tenhamos esse imediatismo, que tudo seja muito fácil para a nossa geração, a gente meio que nunca chega a lugar nenhum. A gente está sempre correndo muito rápido e, mesmo assim, estamos sempre longe das coisas. Eu nunca me imaginei trabalhando em um escritório, trampando o dia todo. E há essa cobrança. Quando a letra fala “eu to cansado do trabalho, de gente vazia e da monotonia”, é essa coisa de ser sempre tudo igual, querem que sejamos todos do mesmo jeito. São coisas do período que eu estava vivendo e com as quais continuo meio inconformado. O que está sendo consumido e está na vitrine nem sempre é a melhor roupa. Todo mundo tem seus altos e baixos. Ninguém é feliz o tempo todo, por mais que nas redes sociais pareça assim.
ON: A arte que vocês estavam usando para divulgar o single, tanto nas redes sociais quanto nos lambe-lambes que colaram pela cidade, mostrava uma xícara de café. É para passar essa ideia de monotonia mesmo?
Milton: Sim, quem fez foi o Gustavo Serrano. Ele ouviu a música e criou baseado no que ele sentiu. Então é, realmente, para passar essa ideia de algo monótono.
ON: Neste sábado acontece o show de lançamento no Porão. Como vai ser a dinâmica?
Milton: No sábado, nós apresentaremos a gravação das quatro músicas do EP em primeira mão e, ao vivo, tocaremos o nosso single. Também tocaremos nossos singles antigos. Vai ser um show mais autoral.
ON: Depois disso, o que vem por aí?
Milton: Em setembro, lançamos nosso EP e também uma novidade em formato físico. Depois, temos mais alguns EPs sendo planejados. Estamos bem animados, mas não podemos falar muita coisa ainda.
Serviço
O que: Show de lançamento “Monotonia”
Quando: Sábado (10), 22h
Onde: Porão Bar e Tabacaria
Quanto: R$ 30, na hora