Entre afiados riffs de guitarra e um baixo que salta aos ouvidos, em “Hey Você!”, faixa que abre a nova fase da banda Picanha de Chernobill, as letras incentivam o público a “abrir a porta e dar o fora”. O conselho vem de quem entende do assunto. Embora tenha sido formada em Porto Alegre no ano de 2009, há seis anos a banda resolveu juntar as malas e ultrapassar as fronteiras do Rio Grande do Sul, estabelecendo raízes na capital paulista. Hoje, é justamente na rua para a qual convidam os ouvintes onde eles têm encontrado um importante palco para mostrar o trabalho autoral que desenvolvem, mesclando rock, blues, folk e música brasileira de raiz.
Basta navegar por poucos minutos nas redes sociais do trio para encontrar dezenas de comentários de quem teve o primeiro contato com o som da banda enquanto passava pela Avenida Paulista, onde eles tocam com frequência. “Gostava de ouvir vocês da janela de onde eu trabalhava, lá no centro de São Paulo. Não trabalho mais no centro, mas agora escuto todos os dias no fone de ouvido”, comentava uma das admiradoras, em um dos clipes da Picanha.
Nestes espaços públicos, mais do que ouvintes, a banda coleciona também inspirações para os álbuns, que frequentemente levantam debates de cunho social. Enquanto o terceiro álbum de estúdio, “O Conto, a Selva e o Fim”, apresenta a história de um trabalhador que deixa a esposa e a filha para tentar a vida na cidade grande, o contexto de batalha permeia novamente o quarto e novo disco, “Sobrevive”, que será lançado no dia 23 deste mês em formato físico pelo Selo180 e em formato digital pelo ONErpm.
No novo trabalho, o baixista Matheus Mendes, o guitarrista Chico Rigo e o baterista Leonardo Ratão entregam oito faixas que versam, principalmente – como indica o nome –, sobre questões relativas à sobrevivência. “O conceito do disco é de luta, mesmo. Resistência. Sobrevivência. Muitas das músicas falam sobre situações sociais comuns aos brasileiros”, apresenta Ratão, uma figura conhecida do público passo-fundense que acompanha o cenário autoral da região. Apesar de agora residir em São Paulo junto com o restante da banda, Ratão viveu por bons anos em Passo Fundo, onde foi responsável por fundar um projeto que acontece até hoje e, inclusive, carrega seu apelido: o Ensaio Aberto da Toca do Ratão, evento cujo principal objetivo é fornecer aos artistas locais um espaço onde possam mostrar seus trabalhos.
Não é difícil perceber que, quando falam em luta, os músicos falam não somente das vozes que vêm das ruas, mas também de suas próprias histórias. “A banda toda é gaúcha. O Chico é de Nova Prata, o Matheus de Porto Alegre e eu sou natural de David Canabarro”, começa Ratão, explicando sobre as mudanças que os levaram até São Paulo. “Em 2012, eles vieram para SP – eu não fazia parte da banda na época – fazer uma turnê no interior paulista. Depois disso, decidiram migrar de maneira definitiva, em 2013, por questão de oportunidades, para que a banda crescesse. São Paulo é centro do país, onde tudo acontece em todas as áreas, inclusive a artística e cultural. Tem sido bom estar aqui, mas não deixa de ser trabalhoso e custoso. Trabalhar com arte em um país como o nosso, onde ela não é valorizada pela grande massa, não é incentivada por governantes, é uma luta. Uma luta quase diária para poder mostrar o quanto tem relevância, o quanto isso é importante e deveria ser valorizado. Trabalhar com qualquer arte é teimosia”, resume.
“É um disco de rock and roll”
Embora evitem encaixar o estilo do grupo em um gênero específico – “é complicado definir porque nós passamos por vários gêneros, usamos até uma viola caipira”, explica o baterista –, “Sobrevive” é inegavelmente um disco de rock. “Ele tem uma estética voltada para power trio. Tem alguns elementos a mais, um pouquinho de percussão, mas como um todo é um disco que você pode tocar todas as músicas no nosso formato. Nós somos um trio, gravamos como um trio, e esse disco nos permite tocá-lo inteiro sem precisar chamar alguém para fazer um determinado instrumento ou alguma outra coisa que, por acaso, tenha sido gravada. Resumindo, é um disco de rock and roll, conciso”, detalha Ratão.
A exemplo de trabalhos anteriores, a produção foi viabilizada por meio de financiamento coletivo, que contou com a contribuição de 183 pessoas. Em troca, elas receberam recompensas equivalentes ao valor da doação. Neste clima de banda independente, não foi somente no aspecto diretamente financeiro que o apoio do público fez a diferença. Para que o novo trabalho pudesse ser lançado, ainda de acordo com o que relata Ratão, o grupo gaúcho contou com a ajuda de um amigo de longa data. “O disco foi gravado na Fazenda Rosário, situada na cidade de Itú, aqui em São Paulo. A fazenda é de um amigo nosso, o Fernando Cunha Lima, que já nos emprestou o espaço outras vezes. Para o ‘Sobrevive’, estivemos lá duas vezes. Uma, para gravar. Outra, para produzir. Inclusive, a produção é toda da própria Picanha. Nós mesmos moldamos as músicas como achamos melhor. Quem fez a mixagem foi o nosso baixista, o Matheus Mendes”.
Agora, prestes a divulgar o trabalho nas principais plataformas de streaming, eles contam estar ansiosos para voltar às terras gaúchas, de onde têm estado afastados há um bom tempo. “Queremos excursionar. O Brasil é gigante, às vezes dificulta um pouco, mas a nossa ideia é essa: pegar a estrada e tocar em todos os estados, conhecer o nosso país com a nossa banda e fazendo o nosso som. Por enquanto, no Sul, estamos somente com uma mini turnê marcada no Paraná e Santa Catarina. Não há nada certo para o Rio Grande do Sul, mas estamos em conversação. Se der certo, com certeza, faremos questão de tocar em Passo Fundo”, adianta.