“Eu costumo dizer que faltam os tijolinhos iniciais no muro de uma pessoa adotiva. Para uma pessoa não adotiva, todos os tijolos estão lá. Mas na nossa construção, faltam alguns”, o relato, compartilhado por Renata, personagem que protagoniza um dos três zines da coleção Vida de Adotivo, escrita pelo jornalista Alexandre Lucchese, é uma percepção comum para grande parte daqueles que não conviveram com seus pais biológicos. Sem compreender o próprio passado, muitas vezes, filhos adotivos carregam angústias que os acompanham até a vida adulta. É para abordar este assunto – e refletir sobre como os indivíduos, ao terem maior consciência de seu passado, podem se tornar pessoas mais atuantes no presente – que Lucchese vem a Passo Fundo nesta quarta-feira (11), quando fará o lançamento de sua série de livros e, ainda, participará da palestra e bate-papo “Minha Vida de Adotivo: a adoção contada pelos filhos”. A atividade é promovida pelo Grupo de Apoio à Adoção (Adotchê) e acontece às 19h, na Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo. A entrada é gratuita e aberta à comunidade.
A contribuição de Alexandre para o bate-papo vai além das experiências que teve como jornalista e escritor, entrevistando pessoas que passaram pelo processo de adoção. O autor carrega experiências pessoais sobre o assunto. Embora soubesse desde a infância que fora adotado quando recém-nascido, Alexandre conta que decidiu buscar detalhes de sua origem somente quando já beirava os trinta anos de idade. Antes disso, a adoção era um tema que nunca havia explorado, por não enxergar importância no assunto. “Para mim, nunca foi uma coisa importante, mas quando eu estava com quase 30 anos, em um processo de psicanálise, eu entendi que aquilo tinha relevância na minha vida. Tive vontade de conhecer a minha família biológica, mas não sabia como isso se daria”, revela. Enquanto pesquisava o tema a fim de entender melhor a si mesmo e encarar alguns temores, porém, Alexandre percebeu que os relatos do ponto de vista de filhos adotivos eram escassos. Normalmente, os depoimentos veiculados estavam atrelados aos pais ou então às autoridades. “Eu comecei então a entrevistar adotivos e, em algum momento, eu pensei que se eu tivesse conseguido ler relatos de adotivos durante a minha adolescência ou idade adulta, as coisas teriam sido muito diferentes”.
Narrativas diversas
Como narra o jornalista, foram a partir dos depoimentos coletados durante as entrevistas que realizou ao longo dos últimos anos que os três livros de “Vida de Adotivo” surgiram. A série apresenta relatos bastante distintos de filhos adotivos, mas que se entrelaçam por um aspecto em comum: como a experiência da adoção influenciou a vida dos personagens. “Eu quis dar voz aos adotivos por meio dos livros. São todas histórias reais. Eu entrevistei quase 30 adotivos até agora e tenho vontade de lançar um livro maior, com relatos agrupados, mas achei que poderia começar lançando neste formato menor, com os relatos individuais, porque talvez, desde já, fizesse diferença para alguém”, explica.
Para os livros já lançados, Alexandre selecionou as histórias de Eduardo, Renata e Wesley. O primeiro, adotado em São Paulo ainda durante a infância, soube de sua condição aos cinco anos de idade, através da irmã mais velha, mas nunca pode conversar com os pais sobre o assunto. “Em família, eles fingiam que ele era filho biológico. Eles faleceram sem nunca falar sobre a adoção. Eduardo teve que conviver com esse segredo durante toda a vida”. A segunda história é a de Renata, adotada em 1972. “Foi meio vanguarda para Curitiba, de onde ela é. Ela foi adotada em uma época em que a adoção ilegal era muito comum. A família dela se tornou uma referência para quem queria adotar pelos tramites legais. Hoje, inclusive, ela trabalha com um grupo de apoio à adoção. O outro é um menino do interior de São Paulo, que foi adotado por dois homens e agora está morando na Alemanha. No livro, ele conta como foi essa experiência: ele, negro, com 12 anos, sendo adotado por um casal homoafetivo. É um relato muito contundente sobre preconceitos“, conta o autor.
Já no quarto livro, “Minha Vida de Adotivo”, Alexandre apresenta episódios pessoais, que vão desde o momento que ficou sabendo que era adotado até o encontro com a família biológica e como isso fez diferença em sua vida, melhorando até mesmo a relação que tinha com a família adotiva. “Neste, dou também alguns toques para quem está pensando sobre o tema. Parto da minha história para falar sobre adoção de modo geral”.
Cuidado artesanal
As vendas de “Vida de Adotivo” e “Minha Vida de Adotivo” são realizadas exclusivamente em eventos sobre adoção ou por meio das redes sociais do escritor. Em ambos os casos, parte do lucro é revertida pelo autor para instituições de apoio à adoção. Além disso, as edições são confeccionadas à mão por Alexandre, usando técnicas artesanais de serigrafia e costura, com acabamento profissional. “O processo artesanal me dá a opção de ir fazendo em tiragens mais baixas para, aos poucos, apresentar e discutir com especialistas a qualidade e validade das discussões levantadas. E foi um processo importante para mim. Como é um tema que mexe comigo pessoalmente, envolve muitas frustrações, muitas ansiedades, o lance de ser tudo à mão, um a um, fez com que eu me aproximasse do tema aos pouquinhos. Foi, de certa forma, um processo terapêutico”, descreve.
Palestra e bate-papo
Quando: Quarta-feira (11), às 19h
Onde: Sala 401 da Faculdade de Medicina da UPF (Rua Teixeira Soares, 187, em frente ao Hospital São Vicente de Paulo – HSVP)
Quanto: Entrada franca