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Roteirista de ?EURoeLegalidade?EUR?, Leo Garcia fala sobre a construção do longa-metragem que resgata o movimento de resistência comandado por Leonel Brizola e a importância de difundir episódios que, como esse, marcaram a história do país

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Lançado nos cinemas nacionais na última semana, o longa-metragem “Legalidade”, ambientado no fatídico ano de 1961 – quando Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, organizou um movimento de resistência à tentativa dos militares de impedir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros – surge exatamente durante um momento em que, gradativamente, o país tem observado ressurgirem discussões acerca do que foi a ditadura militar brasileira. O fato pode até ser visto como coincidência, já que a produção para o longa teve início ainda em 2010, no entanto, segundo os próprios roteiristas que assinam a produção, Leo Garcia e Zeca Brito, a oportunidade de lançá-lo dentro deste contexto reforça um desejo compartilhado por ambos: resgatar um momento histórico do Rio Grande do Sul e ajudar a difundi-lo. “Eu acho que ele ser lançado em 2019 faz com que ganhe ainda mais força”, admite Garcia.

Misturando fatos reais e ficção, a trama narra um triângulo amoroso em meio aos 14 dias em que durou o movimento revolucionário de 1961, em que o então governador Leonel Brizola liderou um movimento sem precedentes na história do Brasil: a Legalidade. Lutando pela Constituição, o político mobilizou a população na resistência pela posse do presidente João Goulart, em meio ao iminente golpe militar. Na ficção, Fernando Alves Pinto vive um antropólogo que disputa com seu irmão jornalista (José Henrique Ligabue) as atenções de uma correspondente internacional, interpretada por Cleo, que pode mudar os rumos do país. Em Passo Fundo, o longa nacional está em cartaz no cinema Arcoplex do Bella Città Shopping Center desde a última quinta-feira (19).

Sexto longa de Zeca Brito, que divide o roteiro da produção com o porto-alegrense Leo Garcia, "Legalidade" foi rodado em locações históricas na Capital e interior do Rio Grande do Sul. Coincidentemente ou não, não é a primeira vez que Brito e Leo Garcia dividem a produção de um trabalho histórico. Eles já viveram uma parceria parecida, por exemplo, quando co-dirigiram o documentário "A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro", sobre a trajetória do jornalista gaúcho, que também esteve envolvido na Legalidade. Em entrevista ao O Nacional, o roterisita Leo Garcia comenta sobre o que motivou os dois a abraçarem esse tema, a escolha por misturar história e ficção e a importância de difundir, por meio da cultura de massa, episódios tão relevantes para a história do país.

 

O Nacional: Por que vocês decidiram trabalhar esse tema e com esse personagem especificamente?

Leo Garcia: A gente começou esse projeto há quase dez anos. Eu e o Zeca já temos uma parceria, fizemos outros projetos juntos, como o documentário sobre Tarso de Castro. Nessa época, foi o Zeca quem veio com a ideia. Ele tinha dito que o pai dele sempre falava para ele que a Legalidade merecia um filme, que era uma histórica fantástica, etecetera e tal. Eu não levei muito a sério na hora, o Zeca sempre tinha ideias de fazer muita coisa, mas eu acabei comprando um livro que tratava disso e fui lendo, porque eu não me lembrava muito bem desse episódio. Ele tinha sido tratado muito rápido no colégio, então eu não tinha essa lembrança sobre o que tinha sido a Legalidade. Quando estudei mais a fundo, vi que de fato havia uma história ali. Era um acontecimento muito importante na história do Brasil, que tinha acontecido em Porto Alegre, e poderia render um bom filme a partir desse episódio. Eu costumo dizer que os americanos fazem isso muito bem. Tudo, mesmo que seja pequeno na história, vira filme e série para eles. O Brasil não tem tanto essa prática. Então, a partir dali, a gente tinha um acontecimento real e, desde o princípio, a gente queria criar personagens fictícios que conduzissem essa história, não somente personagens reais – como, obviamente, o Leonel Brizola.

ON: O que motivou essa vontade de trazer a ficção para dentro de um filme que trata de um fato histórico?

L.G.: Poderia ter sido um documentário, mas o nosso objetivo era realmente ficcionalizar. Era contar essa história de uma maneira ficcional. São escolhas, né? Ao escrever um roteiro, tu faz escolhas. A gente poderia ter focado só nos personagens históricos. Seria outro filme. Mas a gente sempre quis que ele atingisse um público maior. Sabemos que, às vezes, ao falar somente sobre política, tu acaba restringindo o teu público, e a gente queria contar para mais pessoas essa história, esse levante popular, com ode à democracia, o respeito à Constituição e a crítica à ditadura militar. A gente queria personagens vivendo essa história. Isso nos deu uma liberdade criativa maior do que apenas seguir personagens reais, o que às vezes não é tão interessante.

ON: Como foram construídos os personagens fictícios?

L.G.: Eles são baseados em alguns personagens que fomos estudando e conhecendo ao longo do caminho. O próprio Tarso de Castro, que eu citei antes, serviu de inspiração [para o personagem fictício de “Legalidade”, também jornalista e boêmio, interpretado por José Henrique Ligabue]. Ele esteve na Legalidade e também esteve em Punta Del Leste, em um dos episódios que a gente retrata no filme, quando, uns 20 dias antes da Legalidade, o Brizola conheceu o Che Guevara. O Flávio Tavares também esteve, junto com outros jornalistas. Vários dos nossos personagens são inspirados em personagens reais. É uma mescla. Não é o Tarso no filme. Não é isso. Mas tem coisas dele ali. Como, por exemplo, quando ele fala que as notícias estão no bar. Isso acontece com outros personagens também. Na personagem da Cecília, interpretada pela Cleo, a gente quis trazer essa coisa do interesse norteamericano. A gente pesquisou muito durante a escritura do roteiro e durante a produção. Nisso, vimos que o Brizola era muito vigiado pelos Estados Unidos. Hoje em dia, você pode acessar o site da CIA e procurar pelo nome do Leonel Brizola. Você vai encontrar muita coisa. Os caras estavam realmente atrás dele. A gente quis mostrar isso porque, na época, o Brizola representava uma ideia que ia contra os interesses norteamericanos.

ON: Você e o Zeca Brito já haviam trabalhado juntos antes, como você mesmo disse, e alguns desses trabalhos estão de certa forma relacionados, considerando o contexto político das histórias. Principalmente “Legalidade” e “A vida extra-ordinária de Tarso de Castro”. Tarso e Brizola são personagens que têm uma ligação histórica... Por que vocês tiveram interesse em trazer a tona essas histórias?

L.G.: Na verdade, eu não sei dizer. O projeto do Tarso surgiu depois do “Legalidade”, mas por ser um documentário a gente conseguiu lançar antes, apesar de também ter demorado muitos anos. Não quer dizer que a gente só busca projetos que se passem nos anos 60 e 70, apenas cadeou. Quando a gente estava escrevendo inicialmente o roteiro de Legalidade, eu sonhava em lançar o filme em 2011, quando Legalidade completava 50 anos. Ingênuo da minha parte achar que conseguiria fazer um filme difícil como esse em dois anos (risos). Sinceramente, agora eu acho que ele ser lançado em 2019 faz com que ganhe ainda mais força. É bem emblemático nesses tempos tão difíceis, em que pessoas estão voltando a defender a ditadura militar, com um governo tão complicado e a censura voltando devagarinho, batendo à nossa porta. “Legalidade” traz isso. Obviamente, ele tem suas imperfeições como qualquer outro filme, mas está tocando as pessoas. Temos diversos relatos de sessões que terminam com salva de palmas, especialmente no Rio Grande do Sul. Isso já é muito importante para nós.

ON: Então a aceitação tem sido boa?

L.G.: Sim. Ele é um lançamento pequeno, está em exibição em 30 e poucas salas. Isso é pouco se comparar com os grandes filmes. Então ele vai fazer um público menor, mas ele está lotando suas salas e isso é importante. É um trabalho de formiguinha, mas estamos confiantes. Fizemos questão de tentar lançar no maior número de salas possíveis no interior gaúcho, por exemplo. Eu fiquei incomodando o pessoal da distribuição quando vi, na primeira semana, que Passo Fundo não receberia o filme. Agora estou muito feliz que deu certo e vai ser exibido aí. É importante conhecermos a história para não repetirmos nossos erros.

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