Arte fora do pedestal

Instalação ?EURoeUm lugar no museu?EUR?, criada pelo artista Sandro Ka a partir de uma residência de quatro dias no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, questiona o que pode ou não ser considerado arte

Por
· 3 min de leitura
Artista Sandro Ka, que assina a exposição, ao lado da curadora Luciane CampanaArtista Sandro Ka, que assina a exposição, ao lado da curadora Luciane Campana
Artista Sandro Ka, que assina a exposição, ao lado da curadora Luciane Campana
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

É na combinação inusitada de objetos sem nenhuma ligação óbvia entre si, tirados do cotidiano de lares e lojas populares, que o artista porto-alegrense Sandro Ka encontra espaço para refletir acerca da arte e dos seus valores. Unidos de maneira pouco convencional, brinquedos e souvenirs, por exemplo, ganham espaço expositivo ao lado de ícones da história da arte, atribuindo-lhes novos significados e botando em cheque as convenções sociais que definem como pode ser interpretado o conceito “obra de arte”. Em Passo Fundo, o trabalho do artista pode ser visitado até o mês de fevereiro no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider (MAVRS), por meio de três exposições simultâneas, que integram o projeto “Um Lugar no Museu” e têm entrada gratuita. A proposta surgiu a partir de uma imersão artística – em outubro deste ano, Sandro habitou os espaços do museu durante quatro dias a fim de conhecer o acervo e seus modos de interação com a cidade, propor ações e rever a própria produção.

A iniciativa é inédita no MAVRS. Conforme explica a curadora da instalação, Luciane Campana, essa é a primeira vez que um artista é autorizado a ocupar o museu a fim de sentir-se parte do espaço e, a partir disso, construir algo único. “O convite para essa residência, com cara de ocupação e forma de exposição, surgiu a partir de conversas com a Luciane. Havia um desejo, por parte da curadoria, de que o ‘artista pudesse viver o museu, não simplesmente ir lá e montar uma exposição’, como acontece na maioria das vezes. Ainda de modo embrionário, havia o interesse de ativar o espaço do museu como um lugar vivo, aberto à experimentação”, explica Sandro.

Enquanto o museu desejava abraçar novas ideias, o artista, por outro lado, se interessava por expandir e experimentar noções de montagem e justaposição, por serem objetos de suas investigações. “Eu queria experimentar propor arranjos e composições a partir do espaço físico do museu e de sua coleção, inicialmente, além de mostrar obras da minha coleção que poucas vezes haviam sido expostas. A partir do momento que cheguei no espaço, levando algumas ideias de trabalhos e formas de exposição é que as três proposições artísticas ganharam forma. [Nelas], penso que minhas escolhas de materiais e objetos comuns, manipulados e reorganizados pela via da ironia e do humor, questionem lugares do que pode ou não ser arte, de quem decide quando é arte e também quem faz arte”.

 “Coleção”

Em “Um Lugar no Museu”, Sandro reúne três exposições com propostas distintas, mas que se unem pelo aspecto de coletividade que as perpassa. A primeira delas, "Coleção", expõe obras elaboradas entre 2007 e 2017, a partir da associação de objetos cotidianos como bibelôs e brinquedos, em inusitadas e enigmáticas situações. O porto-alegrense explica que suas escolhas perpassam por objetos que são familiares, que fazem parte da vida de qualquer pessoa com um contexto cultural em comum e que, de certo modo, carregam uma bagagem de significados agregados.

Em novas composições, Sandro argumenta que esses elementos passam a sugerir novas informações, que dependem tanto do artista que propõe quanto do espectador que vai interagir com o trabalho. “Se por um lado a familiaridade é uma chave de aproximação entre público e obra, o estranhamento, o embaralhamento de informações é uma cilada para percepção”, comenta. É a partir deste ponto, segundo ele, que surgem proposições de novas formas de relação entre aquilo que se conhece e aquilo que pode vir a ser, produzindo novos sentidos, leituras e formas de relação com o mundo e com as coisas.

 “A Grande Paisagem”

A segunda exposição, "Ainda Paisagem", é uma instalação elaborada a partir de peças de quebra-cabeças com estampas variadas, vindas imagens de pôsteres de cenários kitsch. Nesta, Sandro propõe combinações inesperadas, montando os quebra-cabeças de acordo com elementos em comum, ao invés de organizar as imagens da maneira original com que apareciam nos quadros. Uma espécie de exercício de metalinguagem que converge para a montagem inédita “A Grande Paisagem”, elaborada de forma colaborativa e que tem como fio-condutor o desejo de se criar uma obra única, a partir de pinturas, desenhos e fotografias com o tema da paisagem.

Por meio de peças emprestadas por cerca de quinze colaboradores da comunidade, Sandro amplia as reflexões ao questionamento: “quem faz arte?”. “Eu resolvi propor, de forma bastante insegura, a criação de uma grande composição, na forma de instalação, a partir do envolvimento com a comunidade. Para isso, fizemos um chamamento público convidando artistas, colecionadores e pessoas comuns, com quadros de paisagem em casa, que pudessem emprestá-los para participar de um trabalho artístico. Para minha felicidade, deu certo. Mais do que uma contribuição, o trabalho ampliou possibilidades e questionamentos para se pensar no lugar da arte na nossa vida, nas nossas casas, nos museus e nos nossos afetos. Também tensionou o lugar do artista enquanto propositor e do participante enquanto criador".

 

Visitação

A comunidade pode conferir as exposições até fevereiro de 2020, de terça a sexta-feira, das 9h às 17h30min, e aos sábados, das 13h30min às 17h30min.

 

 

Gostou? Compartilhe