Setor cultural é um dos mais afetados pela pandemia

Na quarta-feira, a Secretaria Municipal de Cultural divulgou o lançamento de três editais para contemplar 150 projetos com investimento de R$ 275 mil

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 Carlos Teston/Divulgação Carlos Teston/Divulgação
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Sem peças de teatro, shows musicais, exposições artísticas, rodas de poesia ou sessões de cinema. Com as atividades suspensas por tempo indeterminado, o setor cultural tem sido um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus. Conforme a pesquisa "Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil", os impactos econômicos e sociais atingem mais de 800 mil profissionais da área em todo o Brasil e levam aos espaços culturais o temor e a incerteza sobre o futuro das atividades. Sem eventos, não há cobrança de ingressos, principal fonte de renda dentro do setor. Assim, há 90 dias, trabalhadores da cultura vivem um clima de instabilidade enquanto aguardam respostas do Poder Público.

As dificuldades encontradas por quem vive da arte, no entanto, são históricas e precedem o início da pandemia. Apesar de os setores culturais e criativos movimentarem mais de R$ 170 bilhões por ano — o equivalente a 2,61% de toda a riqueza nacional, ainda segundo a pesquisa —, há muito tempo, quem trabalha no meio diz encontrar barreiras para que seu trabalho seja levado a sério. “As pessoas consomem cultura, mas não valorizam isso como um trabalho”, expõe o músico passo-fundense Ihago Jury.

Membro do coletivo cultural responsável pela Casa de Cultura Vaca Profana, Mariah Teixeira lembra que a falta de políticas públicas para o meio é outro problema que se arrasta no país e que tem se acentuado no atual governo. “A classe artística vem cumprindo o papel de fazer um duro enfrentamento frente ao desmonte galopante do setor que representa o governo Bolsonaro. Começando com a extinção do ministério, se estendendo ao episódio absurdo da entrevista da Regina Duarte, as interferências do governo, realocações de cargos... Tudo isso, somado à pandemia, gera muita instabilidade e falta de assistência aos artistas, profissionais da cultura, também aos espaços e equipamentos que permanecem fechados nesse período. Essa realidade é mais dura para quem tem seu trabalho essencialmente ligado ao contato direto com o espectador”, pondera.


Projeto Aldir Blanc

Sem poder trabalhar há três meses, enquanto parte dos trabalhadores do setor cultural tem sobrevivido através do auxílio emergencial de R$ 600 disponibilizado pelo governo federal aos trabalhadores informais, para outros, que não conseguiram o recurso, a principal esperança é o Projeto de Lei 1075/2020, denominado Lei Aldir Blanc. Aprovado por unanimidade no Senado Federal, o projeto ainda aguarda sanção do presidente da República. O texto prevê repasse emergencial de R$ 3 bilhões a trabalhadores que atuam na produção e distribuição do setor cultural. A lei também determina que 20% do valor anunciado seja direcionado para a manutenção de espaços e equipamentos culturais.

No que tange o âmbito municipal, a atriz e produtora no Grupo de Teatro Depois da Chuva, Ana Marques, acrescenta que, embora o Poder Público venha dialogando com o setor e tenha começado a pensar em ações emergenciais para a cultura, o processo tem sido lento. “Entramos em quarentena em março e somente agora estão saindo editais municipais de apoio à Cultura. Faço parte do Conselho Municipal de Políticas Culturais e, desde o início da quarentena, o Conselho e o Secretário de Cultura estão em contato, pensando alternativas. Mas, nesse meio tempo, não houve nenhum apoio financeiro para os artistas. Muitos dos artistas da cidade dependem exclusivamente da renda de shows, apresentações, oficinas e estavam até agora sem trabalho, sem renda e sem suporte”, relata.

Para a cantora Jaqueline Drum, que dirige a Casa Drum Música e Arte, o setor não é visto como prioridade. “Sinto que o comercio é muito mais importante para os nossos governantes do que as prestações de serviços, principalmente no meio cultural”. Ela observa que há falta de um diálogo mais amplo com artistas e dirigentes de espaços culturais. “Durante todo esse período, temos nos movimentado sozinhos, mesmo criando parcerias. É como se estivéssemos dando as mãos para passar por esse período juntos, mas não é suficiente. Não basta apenas divulgar nomes dos artistas. É preciso criar uma alternativa de trabalho consistente”.


Projetos têm migrado para o espaço virtual na tentativa de sobreviver

Espaços independentes do município, voltados à cultura, como a Casa de Cultura Vaca Profana e o Rito Espaço Coletivo, também têm sido duramente atingidos pelos impactos da pandemia. A paralisação das atividades suspende a principal fonte de arrecadação financeira de ambos os projetos. Ator no Grupo Ritornelo de Teatro e um dos organizadores do Rito, Miraldi Junior conta que o grupo tinha o hábito de acumular uma “gordura” para que, em meses com menos trabalhos, eles ainda pudessem se manter. Porém, sem poder trabalhar há três meses, essa reserva financeira já foi esgotada. “Agora, estamos sem saber como fazer para os custos do grupo e do espaço”, conta.

Ainda segundo Miraldi, o Ritornelo tem estudado a possibilidade de criar um canal no YouTube, voltado ao público infantil, e analisado formas de adaptar os espetáculos para que sejam transmitidos ao vivo nas redes sociais, a fim de motivar a contribuição financeira das pessoas para com o projeto e, assim, conseguir manter o rito. Um projeto pontual, neste sentido, foi realizado em maio, em parceria com o Teatro Depois da Chuva. “Nós [do Teatro Depois da Chuva] realizamos uma live do espetáculo ‘O silencioso mundo de Flor’, desenvolvido pelos atores e músicos Diego Granza e Giancarlo Camargo, com texto de Cecília Cavalieri França. Foi uma live solidária, que tinha o objetivo de arrecadar fundos para o Rito e a Vaca Profana. Mas não é tão fácil adaptarmos nossa arte do palco para o vídeo, são linguagens muito diferentes”, conta a coordenadora do grupo, Betinha Mânica.

As dificuldades financeiras se repetem na Casa de Cultura Vaca Profana, cujas despesas mensais giram em torno de R$ 2.300. Conforme explica um dos organizadores do projeto, Guilherme Benck, o coletivo que atua na casa faz isso de forma colaborativa e não remunerada. Por isso, desde que a pandemia surgiu no país e a Vaca decidiu paralisar os eventos como medida de segurança, o espaço está totalmente dependente da contribuição espontânea da população. Para incentivar a doação, a Casa tem organizado uma série de ações, entre elas uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Apoia se; o projeto Vaca em Casa, onde artistas de Passo Fundo e região se apresentam em formato de live; encontros virtuais da Poética – Leituras Boêmias; a criação do Clube de Cinema Cinéfilos Profanos; e a produção e transmissão de debates com temas pertinentes ao contexto social, político e cultural atual.

No caso da Vaca em Casa, os espectadores podem contribuir financeiramente através de depósito bancário. O valor arrecadado durante a live é dividido igualmente entre o artista participante e a Vaca. “Acreditamos que essa é uma forma do público ajudar a manter a Vaca ativa e contribuir com artistas que também foram impactados com o cancelamento ou adiamento dos shows”, explica. O problema, no entanto, é que o valor arrecadado ainda tem sido insuficiente para pagar todos os custos do espaço. Para o músico Milton Roque, vocalista da banda Los Marias – que também tentou recorrer às lives como forma de obter recursos financeiros para a banda –, ainda falta engajamento do público. Ele conta que, embora a proposta das apresentações virtuais fosse que as pessoas pudessem contribuir, tal qual pagariam para assistir um show, o método ainda não é amplamente abraçado. “As pessoas assistem, interagem, mas em relação ao financeiro não existe esse giro. No nosso caso, montamos uma lojinha também, temos à venda produtos como camisetas, compacto em vinil, bottons... Investimos nisso para conseguir monetizar e pagar as contas da banda”, conta.

A banda também encontrou apoio, assim como outros artistas locais, em projetos organizados de forma voluntária e apoiados por empresas locais. Um deles é o “Bodega em Casa”, idealizado pelos passo-fundenses Fábio Faccio, Diogo Zanatta e Francisco Almeida, com contribuição de Daniel Faccio. Quinzenalmente, a iniciativa promove transmissões ao vivo pelo Instagram, com artistas locais, no intuito de ajudar a cena cultural. “É a maneira de ajudarmos os amigos artistas a conseguirem uma verba. Não é muito, mas é uma movimentação que acaba ajudando todo mundo”, esclarece Fábio. Para incentivar a contribuição espontânea do público, durante a live, o projeto sorteia brindes apoiados pela Etc e Tal Bottons, pela Cerveja Cervage e outros apoiadores ocasionais. Toda a verba arrecadada é destinada diretamente ao artista.


Prefeitura anuncia ações emergenciais para a cultura

Em meio ao cenário de incertezas, uma boa notícia chegou até a cena cultural de Passo Fundo na última quarta-feira (7). Atendendo à demanda do setor, depois de dialogar com o Conselho Municipal de Cultura e com artistas locais, a Prefeitura de Passo Fundo, através da Secretaria de Cultura, lançou uma série de editais e ações para a área, que visam minimizar os impactos causados pela pandemia.

“Considerando a manifestação do Conselho Municipal de Política Cultural de Passo Fundo, junto a Secretaria de Cultura, que salienta a importância de um auxílio emergencial por parte do Município aos artistas passo-fundenses , o incentivo para a veiculação das atividades artísticas via internet contribuirá para a geração de renda e oportunizará o acesso da população às atividades artísticas e culturais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida na atual situação do Município”, afirmou o secretário da pasta, Henrique Fonseca.

 Os três editais, cujas inscrições iniciam no dia 29 de junho, contemplarão 150 projetos com um valor de investimento de R$ 275 mil. Confira:


Edital: 6° MÚSICA NA PRAÇA VIRTUAL

A apresentação poderá ser individual ou com a opção de mais um músico. As lives gravadas serão de até 60 minutos e exibidas nas redes sociais do artista. A gravação será no Teatro Municipal Múcio de Castro, com estrutura de luz, som e vídeo. No total, serão contemplados 50 músicos. Valor: R$ 500 por projeto selecionado.

Edital: 5º PRÊMIO ESPECIAL FUNCULTURA

A premiação será para 30 iniciativas voltadas para as 10 setoriais que compõem o Conselho Municipal de Política Cultural. Valor: R$ 5 mil, contemplando três projetos em cada uma das 10 setoriais.

Edital: VIVA PASSO FUNDO

As inscrições estarão abertas a partir de 29 de junho para iniciativas artísticas e culturais das mais diversas linguagens. Os proponentes poderão sugerir para análise da comissão de seleção iniciativas como shows, espetáculos, recitais, seminários, oficinas, contação de histórias, leituras e intervenções, desde que transmitidas ou gravadas. As lives podem ser gravadas ou ao vivo, com duração de 30 a 60 minutos, com as mais variadas manifestações culturais, exibidas nas redes sociais do próprio artista. Valor: 30 projetos de R$ 2 mil (coletivos, grupos teatrais, espaços culturais, estúdios) e 40 projetos de R$ 1 mil (projetos solo, duos, trios, corais , oficinas, workshops, esquetes, contação de histórias).

Ação: ESCOLHA O SEU ESPETÁCULO E VÁ AO TEATRO

Compre agora e assista depois. A Secretaria de Cultura é responsável pelos ingressos e os produtores culturais são responsáveis pela venda antecipada. Os espetáculos serão no Teatro Municipal Múcio de Castro depois da liberação dos protocolos mais restritivos, com o acompanhamento da secretaria. O valor dos ingressos é de R$ 20. A data e horário dos espetáculos serão divulgados nas redes sociais dos artistas e nas plataformas digitais da Prefeitura de Passo Fundo. Os artistas interessados podem inscrever o espetáculo através do e-mail [email protected].

Ação: CONTRATE UM ARTISTA AGORA

Campanha para a formação de grupos de incentivadores culturais. Contrata e pague agora qualquer iniciativa cultural que sirva de entretenimento para o seu encontro de amigos ou família. Quando tudo passar, você agenda data e horário. O valor referencial é de R$ 1 mil. Quanto mais incentivadores, mais barata fica a festa. Informe-se pelo telefone (54) 3312-1426.

Ação: CULINÁRIA CULTURAL

Comercialização mensal de um cardápio com entrega no sistema no sistema drive-thru, com a coordenação do Conselho Municipal de Políticas Culturais e da Secretaria de Cultura. A diferença entre o valor do ingresso e o custo fica como arrecadação individual do artista. Quanto mais ingressos vender, maior será o retorno financeiro. Ação para os meses de julho, agosto e setembro.

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