A história da fotografia em Passo Fundo perdeu, nessa quinta-feira (4), uma das suas principais figuras. Conhecido como “o cirurgião plástico da fotografia” e um dos fotógrafos mais antigos da cidade até então ainda vivo, Olir Tamagnone faleceu aos 87 anos de idade, vítima da Covid-19. Em sua trajetória como fotógrafo, Tamagnone se destacava no mercado pelos retratos familiares que fazia em estúdio e a maestria com que exercia a técnica do retoque, participando da história e dos álbuns de muitas das famílias que fizeram parte da sociedade passo-fundense.
A habilidade de Olir Tamagnone com a arte fotográfica vinha de um histórico familiar: não apenas seu bisavô, avô e pai eram fotógrafos, como também a maior parte de seus irmãos. O pai, Virgílio Tamagnone, nascido e criado na Itália, instalou-se em Passo Fundo no ano de 1951 e começou a trabalhar, inicialmente, em um “atelier fotográfico” localizado na Avenida Brasil, 678. Olir deu seus primeiros passos profissionais como fotógrafo neste primeiro espaço, à época auxiliando o pai, aos 18 anos de idade. “Como já era de uma família de fotógrafos, vindos da Itália, ele tinha um aprendizado todo europeu. O Tamagnone tinha uma qualidade no fazer muito apurada. Inclusive, os primeiros equipamentos dele na trajetória como fotógrafo eram vindos da Itália. Equipamentos muito bons, tanto a máquina fotográfica, quanto a parte da iluminação”, resgata a fotógrafa Fabiana Beltrami, membro do Instituto Histórico de Passo Fundo e pesquisadora sobre a histórica da fotografia local.
Mas, mais do que bons equipamentos e um olhar apurado para questões de ângulo e iluminação, a fama de Tamagnone vinha da técnica de retoque utilizada em suas fotografias. Com a ajuda de um produto químico, um lápis de grafite e uma mesa de luz, ele fazia reparos nas fotografias muito similares aos que são feitos digitalmente nos dias de hoje através de ferramentas como o Photoshop. De forma manual, Tamagnone removia rugas, pintas, manchas de pele e qualquer imperfeição indesejada no negativo dos retratos feitos por ele, deixando a imagem semelhante à estética de uma pintura. “O retoque era feito para que pudéssemos realmente ver aquela pessoa retratada como ela gostaria que os outros a vissem”, explica Beltrami.
Apesar de também fotografar casamentos e graduações de instituições como a Universidade de Passo Fundo, era mesmo o trabalho em estúdio que o encantava. “Aquele trabalho de estúdio que o Tamagnone fazia, naquele período, eu acho que ninguém conseguia se igualar a ele”, relembra o fotógrafo Ronaldo Czamanski. Os trabalhos iam desde a elaboração de fotos retocadas para documentos, até fotos para pôsteres, tanto de adultos quanto de crianças. Em uma entrevista ao jornal O Nacional no ano de 1997, Olir Tamagnone revelara que o serviço de retoque levava até três dias para ficar pronto – tamanho o cuidado que ele tinha nos reparos que fazia. “Ele era o verdadeiro mago dos lápis, pincéis e da lupa. Estética perfeita”, descreve outro colega de profissão da época da fotografia analógica, César Benck.
“Ele era um artista”
Embora o próprio Tamagnone comparasse seu trabalho de retoque nas fotografias com uma cirurgia plástica – motivo pelo qual ele era chamado de “o cirurgião plástico da fotografia” –, seu amigo e também fotógrafo, Rui de Souza Mattos, afirma que a qualidade do trabalho era ainda superior. Rui conta que ele mesmo, embora também fosse fotógrafo, procurava o trabalho do amigo quando queria sair bem na foto. “Muita gente dizia que o retrato era até bonito demais para colocar em um documento. Ele dava uma retocada nas fotografias, deixava a gente sem aparecer sequer uma espinha do rosto. Era um trabalho tão bem feito que não era como se fosse uma cirurgia plástica. Era melhor, não dá para explicar. Na plástica, você vê que algo foi mudado. Na foto tu notava só que algo estava melhor”, elogia.
Mais do que simples conversas entre amigos, Olir Tamagnone e Rui Mattos dividiam também dicas profissionais. Isto porque, na época que se conheceram, Rui ainda era iniciante na fotografia e absorveu do amigo informações valiosas que o fizeram se entusiasmar com a ideia de seguir a carreira de fotógrafo. “Ele era uma pessoa fora de série. Era um artista. Naquele tempo já existia muitos fotógrafos bons, mas se tu queria fotografia artística era com o Tamagnone. Eu cansei de ver ele trabalhando na matéria prima, que era o filme. Precisava ver que trabalho ele fazia, com lápis apontado e passando em cima do filme”, Rui relembra.
Um trabalho que ainda vive na memória das famílias passo-fundenses
A fotógrafa e pesquisadora Fabiana Beltrami compartilha que, durante os depoimentos que coletou para sua pesquisa sobre a história da fotografia em Passo Fundo, o ato de ir até o estúdio de Tamagnone era relatado como algo muito importante para as pessoas. “Ele participou muito e ainda participa da história da vida das pessoas, dos momentos felizes que elas viveram. Naquele período, fazer fotografia era algo solene. Você se preparava, se arrumava para ir ao estúdio do fotografo. E, dentro do universo da fotografia, o seu Tamagnone tinha esse status do fotógrafo que fazia o retrato que as pessoas queriam”, observa.
Ainda segundo ela, na memória das famílias passo-fundenses, Tamagnone ainda ocupa esse status quase glamouroso. “É muito interessante a lembrança elas têm dele, de ter no seu álbum de família uma fotografia feita por ele. Não era qualquer pessoa que tinha. Era algo que as pessoas almejavam”.