Há 30 anos, no dia 20 de maio de 1991, o país se despedia de um dos mais emblemáticos jornalistas brasileiros. Nascido em Passo Fundo e filho do fundador do jornal O Nacional, Tarso de Castro respirou jornalismo desde a infância e manteve-se firme em sua trajetória profissional mesmo durante os períodos mais sombrios da ditadura militar. Enquanto a censura ameaçava veículos de imprensa, Tarso desafiava o governo ao criar o jornal humorístico “O Pasquim”, símbolo de resistência contra o autoritarismo. Na vida pessoal, por aqueles que o conheciam, era visto como alguém boêmio, irreverente, polêmico, perspicaz, provocador e revolucionário. Uma mistura de características e paixões intensas que o guiaram pela vida e resultaram em sua morte por cirrose, provocada pelo alcoolismo, aos 49 anos de idade.
Ainda jovem, no começo da carreira, Tarso atuou em jornais como O Nacional, Última Hora e Zero Hora, além do carioca Panfleto. Mas foi, de fato, n’O Pasquim onde o jornalista fez sua história. Lançado em 1969, época em que começava a vigorar o AI-5 - o mais duro ato instituído pela ditadura militar, que suspendeu garantias constitucionais e resultou na institucionalização da tortura, comumente usada pelo Estado como instrumento de repressão -, o semanário carioca reunia um time de peso, com nomes como Jaguar, Sérgio Cabral, Millôr Fernandes, Paulo Francis e Ziraldo. Juntos, eles ajudaram a revolucionar a imprensa brasileira e tornaram O Pasquim um marco do jornalismo independente, que peitava o militarismo através do uso do humor e deboche. Visto como um instrumento subversivo, o jornal teve muitos de seus autores perseguidos e parte deles, incluindo Tarso, acabaram presos.
A passagem de Tarso pelo Pasquim teve fim em 1971. Ao passo em que era profundamente carismático e sedutor, Tarso também carregava um gênio sem filtros, capaz de provocar brigas não apenas com seus inimigos políticos (que não eram poucos), mas também com colegas. Menos de dois anos depois de ter fundado O Pasquim, entre dívidas e desentendimentos, o passo-fundense foi desligado do jornal que ajudou a criar. Depois de lá, seguiu para outro projeto que consagrou seu nome: na Folha de S. Paulo, criou o semanário Folhetim, que começou a circular em 1977. Deixou o periódico um ano depois, retornado apenas em 1982, desta vez como colunista.
A Revolta dos Motoqueiros
Em Passo Fundo, Tarso teve passagens pelo jornal O Nacional, fundado pelo pai, em diferentes épocas. Uma das mais marcantes aconteceu em 1979, quando uma ação de três membros da Brigada Militar resultou na morte do jovem mecânico Clodoaldo Teixeira. À época com 17 anos, Clodoaldo voltava para casa em sua motocicleta quando fugiu de uma abordagem policial, por não possuir habilitação, e acabou perseguido pelos militares, que dispararam um tiro nas costas do jovem. A brutalidade do ato comoveu a cidade, foi amplamente divulgada nos jornais e motivou uma série de protestos, capitaneados principalmente por um grupo de motociclistas, que tornariam os manifestos conhecidos como A Revolta dos Motoqueiros. Participando em um desses atos, Tarso tirou a camiseta, ajoelhou-se em frente aos policiais e pediu que atirassem.
Vida pessoal
Boêmio e mulherengo declarado, Tarso conquistou espaço entre a imprensa brasileira e, também, entre muitas mulheres. Envolveu-se com figuras como Barbara Oppenheimer, Leila Diniz. Danuza Leão e Candice Berger. O relacionamento mais longo, porém, aconteceu com Gilda Barbosa, com quem teve seu único filho, o hoje ator João Vicente, conhecido pelos trabalhos na Globo e no canal Porta dos Fundos. Segundo amigos, a paternidade pareceu ser a única experiência a pesar a consciência de Tarso depois de tantos anos vivendo sem freios, ainda que tenha falecido quando João Vicente ainda era criança. A relação como pai foi tema do primeiro e último livro de Tarso, “Pai Solteiro e Outras Histórias”, lançado em 1990.
As vivências quase excessivas, do mundo jornalístico, às conquistas românticas e até mesmo as amizades com figuras marcantes como Tom Jobim, Caetano Veloso e Glauber Rocha, ganharam não apenas as páginas da história, mas também as de livros como “Tarso de Castro - 75kg de Músculos e Fúria” e a narrativa de documentários como “A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro”. Uma história que ainda pulsa mesmo trinta anos depois da morte do jornalista.