Espaços por vezes esquecidos, que tendem a passar despercebidos pelos olhos da população, têm ganhado um novo significado a partir de intervenções propostas pelo projeto “Arte Transformação”. Idealizado e coordenado pela artista plástica e produtora cultural Ariene Portella, a iniciativa está em fase final de execução e, ao longo de seis meses, já ajudou a revitalizar seis muros localizados em espaços públicos estratégicos de Passo Fundo. O projeto é executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas e realizado com recursos da Lei Aldir Blanc.
Com um time de importantes artistas locais convidados para a execução artística, como o do grafiteiro Pedro Benjamin Chimia e os artistas plásticos Ivana Tissot, Tales Visentin e Priscila Perin, a temática das pinturas que vêm sendo espalhadas pela cidade seguem a temática de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, conforme proposta pelo edital. A ideia de trabalhar com esse tema, de acordo com a idealizadora do projeto, veio de uma percepção acerca da invisibilidade que essas pessoas ainda sofrem. “Eu já tinha uma proximidade com a comunidade de surdos porque meu pai ficou surdo depois de um acidente e, por causa disso, eu me aproximei muito da Apas [Associação dos Pais e Amigos dos Surdos]. Eu percebi durante os encontros que eu tinha com eles o quanto o mundo é preparado para quem não tem deficiência. Imagina como é viver em um mundo que não é preparado para você e para as dificuldades você enfrenta”, reflete.
Alunos participaram da confecção dos murais
Para que os grupos pudessem de fato transmitir a mensagem que desejavam passar ao restante da sociedade, o projeto “Arte Transformação” ofertou ainda uma etapa educativa, em que artes-educadores foram convidados para ministrar oficinas de arte na Associação Passo-fundense de Cegos (Apace), da Associação de Pais e Amigos dos Surdos (Apas) e da Associação Cristã de Pessoas com Deficiência Física (ACD). Nessas atividades, promovidas entre os meses de maio e agosto, os participantes tiveram a oportunidade de aprender na prática como fazer arte, com a confecção de mosaicos e pinturas e exercícios de sensibilização e expressão artística. Tudo planejado para que eles também pudessem colocar a mão na massa e ajudar os artistas a levarem cores para os muros da cidade.
Ainda de acordo com Ariene, os alunos participaram também no processo de escolha das artes que estampariam os murais. “Não tem sentido você chegar em um lugar e levar uma coisa pronta. O legal é construir junto com quem está lá. E eu fiquei surpresa com o entusiasmo e a vontade que eles tinham de se encontrar. Um dia, por exemplo, nós propusemos uma quebra de azulejos com os deficientes visuais e foi muito emocionante. Eles disseram que nunca tinha imaginado que um dia fariam isso”, relata.
Visibilidade ao tema
A criação conjunta, entre artistas e alunos, deu origem a oito murais que podem ser vistos em diferentes pontos da cidade. Na Escola Estadual Protásio Alves, uma arte dupla mostra, de um lado, a palavra amor na Língua Brasileira de Sinais e, do outro, a ilustração de um cadeirante com a mensagem “ultrapasse seus limites”. Na Escola Prestes Guimarães, a frase pintada pelos participantes, “espalhe amor como se fosse uma pandemia”, foi escolhida depois de Ariene ter se deparado com um recorte de jornal, na própria escola, que carregava os mesmos dizeres.
Na Apace, os artistas desenvolveram um mosaico sensível ao toque. No muro da ACD, frases motivacionais e inspiradoras aparecem ao lado de ilustrações e cores vibrantes. Já na APAS, as artes executadas mostram um alfabeto em LIBRAS e fazem menção ao aniversário de 30 anos da entidade, ilustrando os pilares sociedade, família, trabalho e educação, abraçados por eles. A proposta ainda contou com uma intervenção urbana que fixou cartazes em paradas de ônibus no Centro de Passo Fundo e no bairro Boqueirão, com fotos e frases que buscam sensibilizar a comunidade local por mais acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência.
A idealizadora do projeto explica que a escolha pelos locais onde as obras foram fixadas se deu, em alguns casos, pela importância visual desses espaços na cidade e, por outros, pela proximidade com a comunidade de pessoas com deficiência. “O muro da escola Protásio, por exemplo, tem muita visibilidade para a cidade e ele estava lá, todo cinza”, exemplifica. Ela considera que, a partir do projeto, esses espaços ganharam novas cores e significados, levando arte ao cotidiano dos transeuntes. “Em um momento tão difícil para todos, com a pandemia, realizar um projeto tão gratificante, que reúne tantas pessoas dispostas a buscar consciência e diálogo e, ainda, educação por meio da arte, permite que esse seja somente o início de um ciclo de renovação junto aos espaços e a todos que circulam e convidem neles”.