No ano em que se comemora o centenário do nascimento do escritor gaúcho Josué Guimarães, uma das suas obras-primas “É tarde para saber” será traduzida para o francês. A história de amor dos jovens Cássio e Mariana, personagens principais da trama, um tipo de “Romeu e Julieta carioca”, agora fará jus a língua tida como a mais romântica. A iniciativa de traduzir a obra é de Pierre-Yves Maillard, professor de francês e literatura, nascido na parte francesa da Suíça, em Friburgo, e morador de Porto Alegre/RS há alguns anos.
O francês é a quinta língua mais falada no mundo, com mais de 300 milhões de falantes. Os motivos que levaram a tradução da obra são múltiplos. Pierre revela que a sua esposa, a gaúcha Elisa Kuhn, tem uma admiração grande pela obra do escritor. Além disso, o compromisso sociopolítico de Josué, nos anos de 1970, também foi levado em consideração. E quando Pierre ficou sabendo do centenário de nascimento do escritor pela imprensa, decidiu entrar na leitura dele. “Escolhi ‘É tarde para saber’, primeiro, enquanto incurável romântico, porque gostei da história central, um tipo de Romeo e Julieta carioca”, revela Pierre.
O tradutor justifica ainda que, para além do romance, descobriu no livro assuntos de grande interesse e muito atuais na evolução contemporânea do Brasil. “Além das desigualdades sociais que separam os protagonistas, Cássio e Mariana, além da resistência à ditatura, das relações homem-mulher, do machismo, como entre os pais de Mariana (a figura da mãe sendo destacada com muita ternura), a descrição tão acertada e profunda de um primeiro amor incondicional me comoveu profundamente. Até cheguei às lágrimas relendo o texto pela terceira vez!”, confessa.
É a primeira vez que uma obra de Josué Guimarães é traduzida para o francês. “Abrir o descobrimento das obras daquele artista por um público francófono, botando em destaque esta cultura gaúcha além dos clichês habituais sobre o Brasil na Europa, isto foi também uma das minhas motivações na tradução”, salienta o tradutor à assessoria de imprensa da UPF.
Desafios da tradução e encontro de culturas
“Adaptar sem trair” é um dos desafios de uma tradução, segundo Pierre, que também já traduziu um livro de Lya Luft, “Mar de Dentro”, em 2010. Mas o tradutor confessa que as gírias presentes na obra de Josué foram desafiadoras. “Precisei às vezes das dicas do meu entorno gaúcho para entender o espírito de tal ou tal gíria, pelas quais achei um equivalente, inclusive com imagens diferentes, ou às vezes substituindo-as por uma perífrase”, comenta Pierre.
Mas além das expressões, o que mais chamou a atenção do tradutor e o confrontou a um dilema, foi o estilo próprio de Josué. “Aquela frase-período longa, quase ‘proustiana’, misturando a narração com as palavras e os pensamentos dos personagens, sem transição, como foi praticado na literatura francesa por autores do ‘romance novo’, tipo Michel Butor ou Alain Robbe-Grillet”, observa, ressaltando o quanto desafiador foi traduzir a obra de Josué. “Através desses exemplos, é possível medir o quanto foi estimulante e desafiador o trabalho de tradução, entre janeiro e março de 2021, sobretudo para uma pessoa que ama ler e pretende escrever, também”, afirma o tradutor, que depois de se aposentar na Suíça foi morar em Porto Alegre.
E o título será: "Il est trop tard pour savoir"
O pedido de tradução para o francês foi repassado aos cinco filhos de Josué, que aceitaram a proposta da editora francesa L'Harmattan, que tem prazo de dois anos para materializar a edição. “O título provisório é a tradução literal do título original: ‘Il est trop tard pour savoir’. Apenas o fato de o livro ser disponibilizado em outro idioma para um público maior já é uma recompensa e, como disse o Ivan (Ivan Machado, editor da L&PM), o pai ficaria muito feliz em ver o livro nas livrarias francesas”, revela um dos filhos de Josué, Rodrigo Guimarães, que ressalta que a obra “Dona Anja” também já foi traduzida, mas para o espanhol.
A tradução para o francês é um grande presente aos leitores e uma homenagem a um dos maiores romancistas brasileiros. “'É tarde para saber', embora revele uma trama localizada em um determinado momento histórico, envolvendo uma situação política específica, é uma obra que transita com imensa facilidade por questões universais. É uma história de amor impossível, o que toca a leitores de qualquer tempo e lugar, mas, sobretudo, trata das dores da repressão, da infelicidade que atinge a todo e qualquer indivíduo sob poderes autoritários. O leitor na França não sentirá grandes lacunas em sua leitura”, garante o professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), Dr. Miguel Rettenmaier, coordenador do Acervo Literário de Josué Guimarães (Aljog), localizado na UPF.