Estudantes abordam temas sociais em pinturas

Projeto desafia os alunos a criar e executar pinturas nos muros da Escola Estadual Protásio Alves sobre problemas do contexto social onde eles estão inseridos

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(Foto: Claudia Dalmuth)(Foto: Claudia Dalmuth)
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Os muros da Escola Estadual Protásio Alves, em Passo Fundo, têm ganhado cada vez mais cores desde que os alunos da instituição foram convidados a criar e executar murais nos entornos do educandário. A iniciativa faz parte da disciplina de Artes Visuais e trabalha, através das pinturas, temas sociais como o racismo, a corrupção, a violência contra a mulher, as pautas LGBTs, além de temáticas diversas que envolvem, por exemplo, a astronomia e o uso das tecnologias.

O professor de Artes Visuais e coordenador da proposta, Ramon Gadenz, explica que a ideia surgiu a partir de uma parceria que a escola mantém com o projeto “Maleta Juventudes”, do canal Futura, desde o ano de 2018. Nessa iniciativa, as instituições parceiras recebem uma maleta contendo um kit composto por uma seleção, em DVDs, de programas do acervo recente do Futura, além de materiais impressos e projetos lúdicos e educativos. A seleção é feita a partir de recortes temáticos, variando de acordo com a reflexão e debate que se deseja estimular junto aos estudantes, com ênfase nas linguagens expressivas. “A proposta é que o jovem seja o protagonista da sua vida e da sua sociedade, mostrando os problemas do contexto social onde ele está inserido e apontar soluções para eles. As atividades podem ser feitas em várias linguagens, mas como eu estava trabalhando com os alunos a origem e a evolução das artes murais, deu o gancho de fazermos essas pinturas no muro da escola com o tema ‘olhares do mundo’”, explica.

De 2018, quando surgiu o vínculo com o projeto, até 2021, quando as artes saíram do papel, o professor conta ter sido necessário enfrentar alguns percalços. A proposta inicial era que a execução dos murais acontecesse ainda em 2019, depois de já ter trabalhado todo o projeto em sala de aula e desenvolvido os desenhos com os alunos, mas a falta de recursos foi o primeiro obstáculo a frear os planos. "Conseguimos comprar o material apenas no segundo semestre de 2019, quando um amigo meu, que é empresário, fez a doação para custear os materiais. Quando estava tudo pronto, veio a greve do magistério e, depois, a pandemia. Começamos a colocar em prática na escola com os alunos em agosto deste ano. Nós queríamos até que esse projeto não ficasse apenas nos muros da escola, que ele chegasse até as comunidades em maior vulnerabilidade social, através do braço 'Moradas Invisíveis', mas não conseguimos recursos ainda", resgata Ramon.


Novas formas de se expressar

Devido ao atraso, parte dos projetos que agora estampam os muros do Protásio e colorem a visão dos transeuntes que circulam pelos entornos da escola, são de alunos que já se formaram na instituição. Embora tenham elaborado todo o rascunho das artes que viriam a tomar conta do espaço do educandário, eles nunca tiveram tempo de arregaçar as mangas e pegar o pincel, conforme explica o coordenador da atividade. “Por isso, algumas turmas tiveram mais dificuldade de elaborar uma ideia para trazer para o muro e reaproveitaram os projetos que já existiam, até como forma de homenagear os egressos que elaboraram e não puderam executar. Dar a oportunidade para eles se expressarem”. Uma parcela dos desenhos que ganharam espaço nos muros também foram incentivados, ainda, pela Coordenadoria Municipal da Mulher, que procurou a escola propondo uma parceria para que os alunos fizessem pinturas alertando sobre a violência contra a mulher.

Por tratar de temas delicados, neste primeiro momento, a atividade vem sendo desenvolvida apenas com os alunos de ensino médio da escola. De acordo com a diretora da instituição, Rosa Maria Torres, são mais de 300 alunos envolvidos no projeto. Aqueles que não se sentem à vontade para pintar, auxiliam os colegas com a organização dos materiais e o suporte durante a execução da atividade. Estudante do 2º ano, Vanessa Ott Fiebig faz parte do time de alunos que tinha o desejo de colocar a mão na massa e, por isso, pintou junto com os colegas um mural sobre o Outubro Rosa. “Eu acho isso muito legal porque podemos passar a nossa ideia, o que a gente pensa, e vir para o muro. Eu nunca tinha pintado uma parede. E eu adorei. Achei muito diferente porque normalmente a gente fica só na sala de aula, só na teoria. Aqui conseguimos fazer uma aula prática mesmo e aprender muito”, compartilha. Já o colega de turma, Jhonatan Kevyn, cita a integração de todos os colegas na atividade como sua parte favorita.


Interpretação distorcida gera debate nas redes sociais

De acordo com o professor de Artes Visuais, para que o projeto não se tornasse pesado demais, as turmas precisaram fazer uma remodelação em alguns dos trabalhos sugeridos, para que temas como suicídio e racismo fossem tratados de forma menos crua nos murais, assim evitando polêmicas. Mas, apesar dos esforços, não foi possível evitar certas compreensões errôneas sobre o teor dos trabalhos. Segundo a diretora, na última semana, por exemplo, a escola acabou se deparando com uma distorção nas redes sociais acerca de uma das pinturas. “Um aluno havia criado um mural em que aparecia um usuário de drogas e um policial ao lado dele. Alguém tirou uma foto e postou na internet dizendo que aquela arte mostrava a polícia como uma opressora. E não era isso. O aluno queria mostrar como a polícia faz a proteção da sociedade. Nunca foi a intenção ofender, nós temos a maior admiração por todo trabalho policial. Os próprios alunos ficaram muito revoltados e magoados porque a publicação recebeu muitos comentários agressivos. Tivemos até que cobrir a pintura e fazer outro mural por cima”, desabafa.

Independente da polêmica e mesmo com o estresse gerado aos educadores e aos alunos diante da acusação, Ramon considera que o projeto tem cumprido seu propósito. “Uma frase que pode definir tudo é: onde houver arte, não existem fim. Aqui temos exatamente isso. Os alunos se expressando, mostrando a percepção deles e o que é a arte para eles. Com polêmica ou não, as pessoas estão passando, estão elogiando ou então não estão gostando. Isso que é o barato. Nós queremos colocar um pouco disso no dia a dia das pessoas, para elas olharem para essas artes e se sentirem bem ou refletir com elas”, destaca. Em fase final de elaboração, o projeto deve ser concluído pelos alunos ainda neste mês e, depois, receber a fixação de materiais impressos com uma explicação o propósito do projeto.


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