Os mais de dois anos que separavam o músico tradicionalista Luiz Carlos Borges dos palcos de Passo Fundo chegam ao fim na noite nesta quarta-feira (9), quando o artista se apresenta ao lado do cantor Délcio Tavares e do Padre Ezequiel Dal Pozzo, na unidade local do Teatro Sesc. O espetáculo, que começa às 20h, é parte do projeto “A Voz da Tradição”. Os ingressos podem ser retirados no local até às 19h e custam, como contrapartida, a doação de um brinquedo que será doado às crianças carentes do município.
O projeto, que já passou pelos municípios de Bento Gonçalves, Teutônia e Veranópólis antes de aterrissar em Passo Fundo, é uma iniciativa do padre e cantor Ezequiel Dal Pozzo. Na apresentação, o sacerdote interpreta canções gaúchas e de grande apelo à fé e à religiosidade, com o apoio de um quinteto musical, e chama ao palco os músicos nativistas Délcio Tavares e Luiz Carlos Borges. “Nós três vamos fazendo uma interprosa de palco, canto e conversa durante todo o show. Tudo sempre com a banda fixa, um quinteto muito bom, com violão, teclado, baixo e bateria. Esperamos em Passo Fundo um show de qualidade quase irreparável dentro da proposta do projeto”, explica Borges, que contribui com o espetáculo interpretando canções como “Tropa de Osso” e “Merceditas”.
A relação com Passo Fundo
Sentado na cama de um hotel em Passo Fundo — onde esteve hospedado na companhia do parceiro de estrada e instrumentista Yuri Menezes —, Luiz Carlos Borges, hoje com 68 anos de idade, compartilha com a reportagem de O Nacional a emoção de estar de volta aos palcos depois de uma série de intempéries que o obrigaram tirar um tempo de folga depois de mais de cinco décadas rodando pelas estradas gaúchas. “Eu fiz uma cirurgia em 2019 e fiquei de junho a setembro no hospital, depois mais alguns meses me recuperando em casa. Quando estava pronto para voltar, em março de 2020, veio a pandemia e cancelaram tudo. Em agosto deste ano, fiquei internado por mais um mês por um problema na aorta. Mas saí e, logo em seguida, já fui tocar e não parei mais. A gente volta com tanta gana e vontade de se largar na estrada que é até um perigo”, brinca o cantor, compositor e acordeonista.
A chegada da vacina contra a Covid-19 foi sinônimo de esperança, segundo ele, que também revela ter sido contaminado pelo vírus em janeiro de 2021, pouco após se recuperar do longo período de internação acarretado pela cirurgia. Mas, apesar do medo — e de, nas palavras dele, ter estado “com um pé na cova e outro na casca de banana” —, Borges se diz recuperado da doença sem nenhuma sequela e vê agora um retorno otimista para os músicos. “Estou com as duas doses e, em breve, vou tomar a terceira. A vacina é a única saída”, acredita o músico, que atribui à imunização a oportunidade de estar de volta aos palcos da cidade onde nasceram alguns de seus maiores amigos, como os músicos Osvaldir Souto, Alegre Corrêa e Ronaldo Saggiorato. “Talvez umas das mais lindas e gratas relações minhas com músicos estejam nessa cidade”, descreve.
O estreitamento de laços com Passo Fundo, uma cidade que ele já admirava pelas canções de Teixeirinha, veio especialmente da amizade com o fundador do grupo musical “Os Fronteiriços”, Algacir Costa, de quem era muito próximo. E foi de Algacir, também, que ele herdou uma importante missão: a de cuidar do também violonista e filho de Algacir, Yamandu Costa, que Borges conheceu antes mesmo de ter nascido. “Quando o Yamandu ainda era bastante jovem, o Algacir adoeceu muito e, enquanto no hospital, ele me ligou para dizer que queria me fazer um pedido. Ele sentia que estava morrendo e me fez prometer que eu ia cuidar do ‘gurizinho’ dele. Eu sabia que ele estava falando do Yamandu porque era ele que já estava andando pelo mundo e estava sempre comigo. Eu disse ‘Algacir, está prometido, mas tu sabe que para eu cuidar do Yamandu eu não preciso que tu morra’. Isso foi ali pela quarta ou quinta-feira. No domingo, ele morreu. Eu nunca falei isso em entrevista e levaram muitos anos de parceria e convívio até que eu contasse para o Yamandu, enquanto tomávamos um trago, a promessa que havia feito a Algacir. Então, o Yamandu é como um filho, mas também um amigo e um parceiro para mim. Nós sempre teremos essa conexão e cumplicidade na arte e na vida”, compartilha.
Parceria com Alegre Corrêa
A admiração de Luiz Carlos Borges se estende também a outro músico passo-fundense com quem dividiu os palcos em mais de uma oportunidade: o instrumentista Alegre Corrêa, a quem ele descreve como um gênio da música brasileira e internacional. “Assim que conheci o Alegre ele deveria ter uns 17 anos. Eu me apaixonei pela musicalidade dele. O jeito que ele tocava era uma novidade para mim, que estava nos meus 20 e poucos anos. Eu era muito do baile e consegui me desplugar disso quando conheci ele. Quando fomos agradando nossa convivência, eu fui transitando por outros caminhos, não só do nativismo, mas andando por outras mesclas, sem medo de nada”, conta. Em uma das chances que teve de rodar pela Europa em uma turnê ao lado de Alegre — que se mudara para lá, inclusive, com o incentivo do próprio Borges —, o músico diz ter conhecido ainda outra figura, também passo-fundense, para quem dedica o título de “o músico mais animal que já conheci na minha vida”: Ronaldo Saggiorato. “Esses são alguns dos gênios que saíram de Passo Fundo e passaram pela minha vida. Pessoas que conseguiram sair do convencional, tocando e não se entregando ao americanismo. Eles fizeram da música deles, de raiz, e da música brasileira, um jeito de tocar. Isso é algo que eu respeito muito”.
Planos para o futuro
Mesmo com mais de 55 anos dedicados à música e 35 discos lançados, Luiz Carlos Borges não parece estar nem perto de deixar de lado a vida na estrada. Aos planos de shows que começam a ser estruturados para o próximo ano, juntam-se também as previsões de lançamentos de mais três discos. Dois deles, em fase final de produção, mostram ainda mais o prazer de Borges em dividir o fazer musical com outros parceiros de estrada. “Um dos discos é com meu parceiro Yuri Menezes. O outro, com o acordeonista Bebê Kramer. Não dá para se entregar, ainda mais eu, que já tive vários baques de saúde”, fala em tom brincalhão.