A máquina linotipo em exibição na Academia Passo-Fundense de Letras (APL) passou, na última semana, por um processo de restauração. Os reparos, executados pelo engenheiro mecânico e linotipista aposentado Mauro Nodari, envolveram especialmente a limpeza de focos de ferrugem que estavam ameaçando a conservação da máquina, fabricada em 1930. O presidente da APL, Gilberto Cunha, explica que a Linotype Modelo 8 que pode ser visitada na sede da instituição é fruto de uma doação do próprio Mauro Nodari, um dos últimos linotipistas que ainda fazem conserto de máquinas desse gênero no Rio Grande do Sul. “É um símbolo de preservação da memória”, descreve. A máquina foi doada em dezembro de 2015 e segue exposta no salão da academia desde então.
Inventada nos Estados Unidos em 1884, pelo alemão Ottmar Mergenthaler, a linotipo é uma máquina de composição de tipos equipada com chumbo líquido e composta por um teclado similar ao da máquina de escrever, que funde em bloco as linhas de caracteres tipográficos tão logo elas são datilografadas. Utilizada especialmente para a impressão de jornais e livros no século passado, as máquinas da marca Linotype eram capazes de compor uma linha inteira de texto e, por isso, representavam uma evolução para as artes gráficas, uma vez que eram muito mais ágeis do que as tipografias tradicionais usadas à época, em que as letras eram montadas uma a uma. Estima-se que, com um único linotipo, era possível alcançar a produção de até dez tipógrafos.
Para o linotipista Mauro, embora as máquinas linotipo tenham sido extintas com a chegada da impressão offset, elas continuam sendo “uma das máquinas mais perfeitas que existem no mundo da mecânica”. Isto porque, segundo ele, as linotipos são capazes de manter uma precisão admirável, sem variar em nem um centímetro a espessura e espaçamento das linhas durante a composição dos textos. “Quando a linotipo entrou em desuso, eu percebi que muita gente não conhecia o equipamento e fui me convencendo da necessidade de manter essa máquina para o futuro. Mas era difícil achar. Aqui em Passo Fundo, por exemplo, nós tínhamos várias dessas máquinas em gráficas e nos jornais, mas eles acabaram se desfazendo delas quando começaram a usar computação e offset, nos anos 80”, resgata.
Uma vida dedicada às máquinas gráficas
Com o desejo de manter em Passo Fundo um pedaço da memória vivida enquanto trabalhava como linotipista, mas incapaz de localizar alguém que estivesse disposto a vender ou doar uma linotipo no município, Mauro passou a buscar modelos pela região. A procura era motivada, especialmente, pela paixão por linotipia que o engenheiro mecânico, hoje com 81 anos, nutre desde a adolescência, quando mudou-se de Sertão para Passo Fundo, aos 15 anos de idade, a fim de trabalhar em uma gráfica. “Eu vim para ajudar na limpeza e lubrificação das máquinas. Eu me atraía muito por isso e o chefe de lá percebeu. Um dia, ele me chamou e disse que, se eu estudasse português, eu teria a chance de virar linotipista. Era época de Páscoa e ele me deu um dicionário como presente. Então, ao lado da linotipo, a gente mantinha sempre um dicionário, uma bíblia, um livro de normas brasileiras e um de códigos de Direito, porque aí, se você desconfiasse de algo enquanto estava passando os textos, já conseguia consultar para não largar a coisa fria no impresso”, resgata.
Embora trabalhasse em tempo integral com mecânica e manutenção de máquinas, Mauro relata que começou, pouco a pouco, a realizar serviços de linotipia para a gráfica onde trabalhava e para os jornais da cidade, conforme a necessidade — como, por exemplo, quando o linotipista de uma empresa estava de férias e precisava de alguém que o substituísse. O interesse pelo universo da linotipia era tanto que Mauro chegou a ir para Porto Alegre, ainda jovem, estagiar nos jornais Zero Hora e Correio do Povo. “O Correio tinha 19 linotipos”, relembra com admiração. “Você pode ver que as cidades que conseguiram ter um jornal por mais tempo foram aquelas que conseguiram manter um linotipo. Os jornais que não tinham linotipo foram morrendo mais cedo porque, sem a máquina, era muito mais complicado de fazer”, observa.
Chegada do offset
Os serviços como linotipista prestados por Mauro acabaram se extinguindo entre o fim dos anos 70 e o começo dos anos 80, quando as linotipos deram espaço para as máquinas offset, com as quais Mauro passou a trabalhar. Mas a admiração pela máquina que o inseriu no mundo gráfico perdurou com certo saudosismo. Em 2015, quando ainda trabalhava com conserto de impressoras, Mauro estava determinado a encontrar uma linotipo que pudesse deixar no hall de ao menos um dos jornais de Passo Fundo, mas os custos para comprar e transportar uma máquina, hoje quase rara de ser encontrada, freavam os planos. “Numa ocasião, eu estava conversando com o Cunha, que eu já conhecia por ser presidente da Academia Passo-Fundense de Letras, e perguntei se eles não teriam interesse em ter um linotipo. Ele não titubeou e disse sim. Aí, na mesma época, um cliente de Caxias do Sul comentou comigo que tinha uma máquina dessas que estava abandonada e estava disposto a doar desde que, em troca, eu consertasse a impressora dele. Eu topei na hora. Tivemos que buscar com um caminhão e guincho, pagos pela APL, porque ela pesa quase duas toneladas. Foi um trabalhão, mas conseguimos trazer para Passo Fundo e colocar lá”.
Preservação da memória
Para o aposentado, preservar máquinas como as linotipos é preservar, também, a memória de uma ferramenta que ajudou no desenvolvimento de dezenas de municípios ao facilitar a manutenção de jornais, os únicos veículos de notícia e cultura que as cidades dispunham à época. “Antes da televisão e dos meios eletrônicos, não tinha nada melhor que o jornal. Até mesmo hoje, com as redes sociais e tudo mais, o jornal impresso é muito importante. Ele consegue documentar o que aconteceu e, por ser impresso, pode ser preservado por inúmeras gerações. E a linotipo foi fundamental para a sobrevivência desses veículos”, avalia.