Quatro anos após o lançamento de seu último disco, a cantora Izabel Padovani decidiu retornar ao estúdio para atender um convite pra lá de especial, feito pelo próprio compositor. O resultado poderá ser conferido ainda no mês de abril, com o lançamento, nas plataformas e redes sociais, de Povaréu, seu mais novo álbum reunindo canções de Raul Boeira.
“Não é todo dia que um intérprete recebe um convite do autor para gravar sua obra. Foi um convite muito honroso, muito bacana a confiança depositada em mim, fiquei muito feliz”, conta.
Para selecionar as 10 músicas do álbum, Izabel vasculhou no repertório dos dois CDs gravados na voz de Boeira, Volume Um (2008) e Cada qual com seu espanto (2016). Ambos produzidos e dirigidos por Dudu Trentin, no Rio de Janeiro, com a participação de músicos considerados do primeiro time da MPB.
O critério na escolha, segundo a cantora, levou em consideração o trabalho composto inteiramente por Raul, letra e música, deixando de fora parcerias com Alegre Corrêa, Leonardo Ribeiro, Mário Falcão, entre outros. Mas como toda regra tem sua exceção, neste caso mais do que justificada, entraram no repertório três parcerias do autor com a poetisa e esposa, Márcia Barbosa. São elas: Povaréu, que dá nome ao CD, Na pausa, e Aos que chegam.
“Raul tem um trabalho peculiar, particular, nas suas letras e nos caminhos da melodia e harmonia. O que achei muito interessante na escolha, foi a contemporaneidade das letras. Muitas delas compostas há vários anos já. Elas falam de migração, na celebração do tempo livre, nesse mundo de correria e trabalho. O nome do CD, Povaréu, retrata o tema geral. Fala de pessoas comuns, como o vendedor de ervas, o senhor que benzia em Passo Fundo, fala de amor, da diversidade” destaca a intérprete.
Quarteto no estúdio
Convite aceito e repertório definido, foi a vez de Ronaldo Saggiorato, companheiro de Izabel, começar a trabalhar nos arranjos. O processo iniciou com a gravação apenas de voz e baixo, para definição dos caminhos que seriam percorridos. Na sequência, foram surgindo os arranjos. As gravações ocorreram entre fevereiro e março na cidade de Campinas, onde o casal reside.
Diferente dos dois trabalhos anteriores de Boeira, Povaréu foi todo gravado com a participação de apenas três instrumentistas. Além do baixo, tocado pelo próprio Saggiorato, participam do projeto Ricardo Matsuda (violão, viola e guitarra) e Jota P (sax alto e soprano, flauta e pícolo).
“O Raul já gravou essas músicas todas com arranjos belíssimos do Dudu Trentin, orquestração enorme, com a participação de ótimos músicos. Optamos em fazer uma coisa mais orgânica, mais enxuta. Tocamos ao vivo no estúdio, todo mundo junto, com espaço para improvisação. O formato também facilita para levarmos o projeto adiante”, comenta Izabel.
Retomada
Izabel não entrava em um estúdio desde 2018, quando gravou Passarinhadeira – Canções de Guinga, o sétimo de sua carreira. Com a chegada da pandemia, também teve de se afastar dos palcos. Neste período, ao contrário de muitos artistas que usaram as redes sociais para divulgação de seus trabalhos, disse ter ficado bastante retraída e realizado apenas um show para um festival.
Feliz com o novo momento de retomada, revelou ter sentido uma certa ‘estranheza’ ao voltar a gravar, e também um enorme prazer estar junto com as pessoas. “Estamos como crianças”, brinca. Sobre o intervalo entre os dois discos, afirma não ter a necessidade de gravar um Cd atrás do outro. “Não acontece todo ano uma fruição de conteúdo. Meus CDs surgem em intervalos de três a quatro anos. As coisas não precisam ser feitas na loucura. Hoje é uma produção de conteúdo muito grande. Tenho um pouquinho de preguiça dos tempos modernos”, brinca.
Amigos de longa data
Responsável pela direção musical, arranjos e baixo, o passo-fundense Ronaldo Saggiorato tem seu trabalho conhecido no Brasil e no exterior, com participações em inúmeros festivais, como o Jazz Montreux Festival. Além do trabalho autoral, já esteve ao lado de músicos como Renato Borghetti, Vitor Ramil, Letieres Leite, Alegre Corrêa, entre tantos outros.
A amizade com Raul Boeira surgiu nos anos 70, quando o porto-alegrense mudou-se para Passo Fundo e passou a frequentar a lendária roda de viola que acontecia na Vila Cruzeiro, mais precisamente na Esquina do Perfume, entre as ruas Coronel Pelegrini e Plácido de Castro. Ronaldo, ou Gringo, como é chamado pelos amigos da época, morava nas imediações, assim como Alegre Corrêa, que futuramente também faria carreira internacional. Tendo a dupla como anfitriões, logo a movimentação chamou a atenção de músicos de outras regiões, que passaram a engrossar a roda. Boeira foi um deles, assim como Dudu Trentin, Guinha Ramires e muitos outros.
Com a palavra, o autor!
Raul Boeira
Isabel é "a cantora dos sonhos" de todo compositor. Tanto que seu disco anterior (Passarinhadeira) só teve canções de Guinga. Ela domina a arte do canto, timbre belíssimo, sensibilidade... muitas virtudes. Destaco uma: ela sempre sabe do que trata a canção. Sabe o que está cantando. Capta e compreende os versos que o compositor escreveu, e os traduz com propriedade, com entonação adequada, calor, carinho. A atenção e o respeito que ela dispensou às minhas canções não têm preço.
Ronaldo
Ronaldo é um gênio da música instrumental, mas tem um pé na MPB. Sabe o que é uma canção, respeita a canção. Seus arranjos buscam sempre ressaltá-la, iluminar sua atmosfera, a letra.... sem firulas ou virtuosismos gratuitos. Só faz soar o necessário. Apesar de o disco ter muitos solos e improvisação, os músicos sempre privilegiam o fraseado da escola brasileira. O trabalho tem espírito de jazz, mas não soa como jazz. É puro Brasil. Isso me agradou muito.
Repertório de Povaréu
NA PAUSA
AOS QUE CHEGAM
O PODER DA BENZEDURA
POVARÉU
VAMOS
DOUTOR CIPÓ
NA BEIRA DO RIO
MINHA REZA
LARANJEIRA
OFERENDA