Os 21 anos que viveu fora do Brasil fizeram com que o músico Alegre Corrêa se conectasse ainda mais com a Música Popular Brasileira. Foi em viagens pelo mundo, trabalhando com artistas importantes e participando de grandes festivais que ele pode observar: “Nós, que estamos aqui, não temos a menor ideia da qualidade da Música Popular Brasileira. A MPB é, sem sombra de dúvidas, a música popular mais complexa do planeta, a mais diversificada”. E foi essa importância e a riqueza da MPB observadas pelo músico em seus 40 anos de carreira, que deram o tom de uma conversa realizada para acadêmicos e professores do curso de Música da Universidade de Passo Fundo (UPF), na noite da última segunda-feira (21).
Passo-fundense, o guitarrista, violonista e percussionista, compositor e arranjador de música popular brasileira Alegre Corrêa conta que cresceu na Vila Cruzeiro. Foi nessa região que o músico autodidata iniciou sua trajetória em bandas de baile. Mas tratou logo de se dedicar à composição. Na década de 1980, mudou-se para a Áustria, onde consolidou sua carreira tocando com grandes músicos da música mundial. Foi durante esse tempo que entendeu o valor que a música popular brasileira tem. “Eu não estou falando que amo a música brasileira porque eu sou brasileiro. Não, eu falo sobre conteúdo das músicas populares do mundo todo, onde se encontra a MPB, e a diversidade e a complexidade da música brasileira dentro desse espectro de músicas populares”, explicou.
Para o músico, o Brasil, assim como outros países, vive em um colonialismo cultural. “Nós vivemos colonizados culturalmente por mídias e empresas gigantes que tomam conta do mercado musical e conseguem abafar, inclusive, uma cultura tão forte quando a cultura brasileira”, pontuou, acrescentando que a música brasileira é muito respeitada lá fora.
Para os futuros músicos, Alegre ressaltou a importância de se ter consciência do valor que a cultura brasileira tem, principalmente, a musical. “Nós temos uma riqueza extremamente grande, de um valor imenso, que é a cultura brasileira e devemos isso à MPB. Devemos isso a Vila Lobos, que foi de Norte a Sul pesquisando música, misturou tudo isso e nos apresentou. Nós somos o povo mais miscigenado do planeta e claro que isso dá música”, disse o compositor ressaltando que não se pode deixar a música brasileira de lado para aprender outras culturas do mundo. “Na Universidade, temos que aprender tudo, mas a MPB primeiro. Todo país valoriza muito o que tem, e eu nunca vi pais nenhum fazer o que o Brasil faz com sua música. Se você é músico, ter nascido no Brasil é um privilégio”, frisou.
Cartas, fotografias e apresentações de Alegre Corrêa estão guardados no AHR
Além da palestra, Alegre Corrêa aproveitou a visita para ver de perto seu acervo pessoal, guardado no Arquivo Histórico Regional (AHR). Cartas, capas de revista, reportagens e gravações de apresentações e entrevistas do músico em VHS, além de fitas cassetes, foram cuidadosamente reunidas e arquivadas pelo amigo de infância Raul Boeira, e doados para o AHR em 2014. Foi a primeira vez que Alegre viu de perto todo o acervo criado por Raul. “Como o Raul sempre foi um cara muito sério, muito organizado, eu mantive ele informado das coisas que aconteciam comigo e comecei a mandar cartas. Através dele, eu enviava todas as coisas que eu fazia. E ele foi reunindo aquele material, até que chegou uma hora que resolveu doar para o AHR”, contou.
Para o músico, foi emoção pura. “Eu mesmo não guardei nada e é muito gratificante ver que existe uma instituição que está guardando seu trabalho, que tem um respeito pelo que você faz, que valoriza a trajetória de um artista. E como é importante isso, você ter um acervo das pessoas que nasceram na sua cidade, no seu bairro, na sua região, porque isso se perde com o tempo. Se o Raul não tivesse organizado tudo isso, ninguém teria esses materiais”, comentou.
A visita de Alegre ao AHR foi mediada pela historiadora Bruna Zardo Becker que falou sobre a importância dos acervos pessoais como fonte histórica. “Tudo isso é fonte histórica e nos ajuda a entender um pouco a trajetória não só do Alegre, mas da música como um todo. A música é muito da cultura popular, e, muitas vezes, é a única forma de arte com que as pessoas têm contato, é a mais comum. Por isso, os bailes, os fandangos, contam um pouquinho dessa história ‘não oficial’, assim como os acervos pessoais”, explicou Bruna.