Em 06 de abril, Ziraldo Alves Pinto morreu aos 91 anos de idade. Cartunista e ilustrador de traço inconfundível, foi além da charge e caricatura para ingressar na literatura. Da Turma do Pererê ao Menino Maluquinho, o mineiro de Caratinga abriu portas atrativas para novos leitores. Militante do velho PCB, enfrentou a ditadura na trincheira de “O Pasquim”, quando a intolerância ideológica o conduziu três vezes à prisão. Com mais de 130 livros publicados, também esteve em Passo Fundo para participar de três edições da Jornada Nacional de Literatura. O evento, que colocou Passo Fundo no mapa cultural, foi idealizado em 1981 pela professora Tânia Rösing, que define Ziraldo como “um gênio, pois ele era a própria genialidade”. Aqui, além de lindas caricaturas, ele espalhou simpatia e deixou gostosas lembranças.
Multiplicidade
A professora Tânia desenha a trajetória de Ziraldo como um caminho à leitura, um encaixe com a proposta das jornadas: a formação de novos leitores. “Ele começou a usar o desenho com texto, deu movimento e com isso veio o vídeo. Assim, ele traz a criatividade evolutiva no humor. E, o mais importante, a diversidade, pois ele não trata só da pessoa, usa animais e seres mitológicos sem perder o olhar nos nossos indígenas”. A interpretação da professora detecta a vanguarda de Ziraldo. “Quando começaram a ilustrar ele já era um ilustrador. Trabalhava com múltiplos suportes e múltiplos públicos. Desenhos, quadrinhos, charge, caricatura, cinema, escritor, fazia cartazes...”
Um moleque
Do traço às letras, o talento de Ziraldo entusiasma Tânia Rösing. “Ele se apresenta no texto como sapeca, divertido e prodígio que é o Menino Maluquinho. E o Menino Maluquinho é o próprio, pois ele sempre foi assim”. Um menino que, mesmo chateado com a idade avançada, continuou um moleque. “Ele convidou os amigos para a festa dos seus 80 anos em um restaurante do Rio. Sem a presença do aniversariante criou-se um clima ruim. Lá pelas tantas acendem as luzes sobre Ziraldo que ninguém havia reconhecido, pois estava num canto com o cabelo pintado de preto. Lavou o cabelo e voltou. Foi uma grande festa”.
Ziraldo em três Jornadas
O apoio da Editora Melhoramentos foi fundamental para trazer Ziraldo a Passo Fundo em três oportunidades. Participou das Jornadas de Literatura em 1985, 1997 e 2007. “O Jaime Lerner (CEO da Editora) foi importante para isso. Até porque o cara (Ziraldo) já tinha vendido mais de 15 milhões de livros”, conta a professora. Logo, Ziraldo foi um grande parceiro das jornadas e até fez um cartaz para a Jornadinha. Mas não faltam relatos de pequenos contratempos. “Em 2007, ligou de última hora dizendo que estava em Curitiba e não viria. Então, disse para ele falar com o Lerner e resolver. Deu certo, pegaram um jatinho e ele veio pois estava na programação do dia seguinte. Outra vez, na hora de falar, ele foi irredutível e disse que não iniciava a fala: ‘só ouço e respondo’. Então provoquei a plateia para perguntar e, enfim, começou a palestra”.
Um sorriso, um traço
E como se portou Ziraldo nas andanças pelo Planalto Médio? “Simpático, uma simpatia! Um artista. Atencioso com todos dava um sorriso, a mão vinha junto, fazia um risco que se transformava num desenho. Aliás, uma obra”. Tânia diz que era um cara divertido e atencioso sem perder o característico estilo galanteador. “Exalava arte e falava muito sobre o irmão Zélio (pintor e artista plástico). Foi um entusiasta da Jornada, e dizia que ‘aquilo deveria ser reproduzido em todo o Brasil’. Leitor começa criança e esse era o público dele.” E o carinho pelas crianças está nas paredes do apartamento da professora, em ilustrações e fotos de Ziraldo com os maluquinhos da família Rösing de todas as idades.
Um encontro de moleques
Em suas primeiras edições, o almoço e o jantar dos escritores eram oferecidos na residência de Acioly e Tânia, então numa casa da Paissandu em frente ao HC. “No almoço era churrasco ou comida campeira preparada pelos amigos do Acioly. À noite o jantar era da Dona Olívia, então chef do Clube Comercial”. Comes e bebes no velho estilo copa franca. Uma festa!
O esposo de Tânia, o também professor Acioly, recentemente falecido, era um moleque de carteirinha. Brincalhão, quebrava o gelo com tapinhas nas costas e dizia poucas e boas. Ora, o encontro com outro moleque resultou em uma fraterna amizade entre os meninos maluquinhos já bem crescidos. “Simpatia e bom-humor, logo Ziraldo estava em casa”. Uma amizade que prosseguiu no fluxo inverso, Passo Fundo-Rio. E, aqui, na caricatura de Ziraldo, retratando Tânia, Acioly e os filhos Cassiano e Ilana, que batizou de “Família Repilica”.
Ziraldo se foi. E a Jornada? “A Jornada foi destruída por não-leitores. A cidade perdeu o charme que era ser a Capital Nacional da Literatura”, finalizou Tânia Rösing.