Balcão do Consumidor registra aumento de superendividamento

Consumidores que procuram auxílio no órgão chegam a ter mais de uma dezena de cartões de crédito com o limite excedido

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Glenda Mendes/ON

O aumento da procura por renegociação de dívidas através do Balcão do Consumidor de Passo Fundo está revelando uma situação alarmante: um número cada vez maior de consumidores com dívidas que caracterizam o superendividamento. O “boom” na procura vem sendo registrado desde março deste ano, com especial crescimento dos problemas com instituições bancárias e cartões de crédito.

Esta situação aumentou o número geral de atendimentos diários no Balcão do Consumidor, que auxilia uma média superior a 40 pessoas por dia. O serviço prestado, segundo o coordenador, Rogério Silva, é completo. Além de avaliar a situação do consumidor, no momento do atendimento é feito contato com a instituição credora, para verificar qual o problema real e as possibilidades de acerto das dívidas. Este trabalho é realizado por 12 pessoas da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF).

Porém, nos últimos meses houve uma mudança na demanda. Até então, os campeões eram os problemas com as operadoras de telefonia. Agora, as dívidas com bancos é que representam a maior procura. A principal questão está nos juros acumulados cobrados por estas instituições. No cartão de crédito, por exemplo, o juro anual é superior a 237%. Isso representa dizer que numa dívida de R$ 1 mil, se por 12 meses for feito o pagamento mínimo, ao final do período, a dívida ainda será superior a R$ 950, ou seja, ela continua devendo valor semelhante ao início do processo em função das taxas de juros elevada.

Este é o caso de uma senhora que procurou atendimento no Balcão do Consumidor na tarde de 26 de julho. Ela não quis se identificar, mas contou ao jornal O Nacional a situação: “usamos o cartão de crédito e pagávamos direitinho, mas daí começou a vir o mínimo de mais de R$ 400 e mais cerca de R$ 200 de acréscimo. No mês seguinte a mesma coisa. A dívida era pouco mais de R$ 3.300 e agora já está em R$ 4.040. E todos os meses aumenta. Eu vinha sempre pagando, mas mês passado tivemos alguns problemas e não conseguimos pagar nem o mínimo, que era de R$ 640 e agora, para este mês, já veio mais de R$ 1 mil o mínimo. Agora virou uma bola de neve e não sabemos mais como fazer. Quero renegociar para não acabar com meu nome no SPC e Serasa. A gente gastou, eu quero pagar, mas um valor que fique dentro do que podemos”, explica.

Dívidas demais
Para Silva, essa mudança na demanda está mostrando um superendividamento do consumidor. “São pessoas que tiveram acesso a um crédito facilitado, se descuidaram e, não raras vezes, estão endividados e nos procuram para tentar alguma solução”, destaca. Somado a isso, existem diversos casos de práticas abusivas por parte dessas instituições, tanto por operadoras de cartão de crédito, bancos ou mesmo as lojas. “O resultado disso é a inclusão dos nomes desses consumidores em instituições de proteção ao crédito, como SPC e Serasa”, comenta.

Um caso bastante representativo dessa situação, segundo Silva, foi atendido na última semana. Trata-se de uma senhora com dívidas em 14 cartões de crédito. “De um único estabelecimento ela tinha cinco cartões e, além disso, ainda possuía um financiamento para ser pago. Isso quer dizer que ela não tinha mais controle sobre suas dívidas”, exemplifica. A situação é preocupante, porque tal como esta consumidora, cerca de 40 milhões de brasileiros tiveram acesso ao mercado de consumo nos últimos anos. “Essas pessoas, que tinham uma demanda reprimida, foram às compras. E o brasileiro tem uma situação, que é gravíssima, de não perguntar quanto de juros vai pagar. Ele verifica o valor da prestação, mas não faz o somatório dos meses que terá esta dívida e não soma com as demais despesas mensais”, ressalta.

Descontrole financeiro
Este cenário, para o coordenador do Balcão do Consumidor, representa um descontrole financeiro da população. Para reverter este processo, ele acredita na educação para o consumo. “Temos hoje aquele consumidor que compra por impulso. Muitas vezes ele nem vai precisar daquele produto, mas por uma questão até de status, acaba comprando. E, com isso, acaba colocando uma conta em cima da outra”, avalia. Nesses casos, se acontecer um percalço como, por exemplo, perder o emprego, ou ter um problema de doença na família, não terá como administrar e, possivelmente, perderá o controle. “O que mais nos chama atenção é o grau de pessoas endividadas”, completa.

Somente no mês de abril foram 17 procedimentos encaminhados por reclamações contra bancos e outros 11 contra operadoras de cartão de crédito. Em maio, já foram 41 de bancos e seis de cartões de crédito. Em junho, foram 30 de bancos e 15 de cartões de crédito. “São alguns casos de práticas abusivas, mas a grande maioria de pessoas tentando renegociar”, comenta. E do percentual de renegociação, o maior número é de casos de consumidores superendividados.

Consignados
Uma das armadilhas são os créditos consignados, que são aqueles descontados em folha, especialmente direcionados aos aposentados. “Tivemos casos aqui de pessoas com seis, sete até oito financiamentos consignados”, comenta Silva. Em bancos oficiais, somente pode-se comprometer até 30% da renda com financiamentos, mas existem outras operadoras que até mesmo “compram” as dívidas: a pessoa vende a dívida dela de, por exemplo, R$ 2 mil, e além do valor para o pagamento, a operadora ainda oferece mais R$ 500, o que quer dizer que ela paga a dívida antiga, fica com dinheiro no bolso, mas contrata uma nova dívida que, claro, vem acrescida de juros altos.

Na ponta do lápis
Para evitar este tipo de situação o melhor é fazer como antigamente e manter todas as contas mensais e dívidas na ponta do lápis. “O primeiro passo é pesquisar quanto vai pagar de juros, porque existe diferença de loja para loja”, ensina Silva. Por outro lado, a grande maioria os casos que acabam no Balcão do Consumidor são bastante diferentes: “as pessoas chegam aqui já inadimplentes, com o nome no SPC e Serasa, a instituição quer o mínimo para reparcelar e ela não tem esse mínimo para dar e fica excluída do mercado de consumo”, enfatiza. Para Silva, o grande problema está na falta de planejamento das compras.

Tira dúvidas

Para esclarecer aos consumidores sobre algumas armadilhas do mercado, o Balcão do Consumidor elaborou uma série de folhetos para esclarecimento de dúvidas. Conheça os alertas sobre o cartão de crédito.
* Cartão de crédito: é mais uma forma de pagamento oferecida pelo fornecedor pra facilitar a vida dos consumidores. Saiba como usá-lo corretamente:
- ao receber a fatura, verifique se os valores lançados correspondem aos serviços e compras que você realizou. Caso algum valor esteja incorreto, contate a operadora antes de realizar o pagamento
- ao realizar compras parceladas, pergunte se é parcelamento financiado pela loja ou pela operadora do cartão de crédito. Escolha sempre o financiamento da loja, os juros são mais baratos
- observe o dia correto do pagamento. Se possível, não deixe vencer, assim evitará juros
- os juros do cartão de crédito são os mais elevados do mercado
- se a fatura não chegar até o dia do pagamento, entre em contato com a operadora através do telefone 0800 para saber o valor e efetuar o pagamento

Direitos do consumidor

Passo Fundo foi pioneira ao lançar e utilizar a Cartilha do Consumidor. Nela constam alguns dos direitos básicos. Conheça.
* Proteção da vida e garantia de saúde e segurança
* Educação e divulgação da forma adequada de consumir produtos e serviços
* Informação de maneira apropriada e clara sobre diferentes produtos e serviços
* Proteção contra publicidade enganosa e abusiva
* Modificação de cláusulas contratuais que prejudiquem o consumidor
* Prevenção e reparação de danos materiais e morais de forma efetiva
* Facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova
* Prestação de serviços públicos de forma adequada e eficaz

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