Verenice tem 35 anos, um salário de R$ 910,00 e uma casa para sustentar. Ela talvez não saiba, mas ajuda a financiar as contas do Estado, por meio do consumo de bens e serviços. Os gastos com o supermercado, a conta de luz, as faturas de combustível, tudo é consumido na casa instalada no Bairro José Alexandre Záchia, em Passo Fundo. Com o reajuste das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), em vigor desde o primeiro dia de 2016, os produtos e serviços consumidos na residência da família, entretanto, sofreram reajuste. A dificuldade com as finanças, porém, já vinha há mais tempo.
Com o marido, que é pedreiro, desempregado há cerca de dois meses e duas filhas, uma de 14 e outra de 6 para sustentar, algumas medidas tiveram que ser tomadas. A carne vermelha, por exemplo, já não é mais comum nas refeições. Agora é o frango ou os ovos que apareçam com mais frequência na mesa. O carro, com o aumento do preço da gasolina, sai da garagem só quando é realmente necessário. “Está mais em casa do que na rua”, lamenta Verenice Camargo, que é auxiliar de serviços gerais. Ela explica que essas foram as medidas que encontrou para passar pelo momento difícil. “Meu marido faz alguns bicos que aparecem, isso é o que ajuda um pouco na renda. Mas ele não consegue emprego porque a maioria das obras estão todas paradas. A minha filha mais velha, que já não mora mais em casa, me ajuda como pode, às vezes com R$ 100,00 ou R$ 50,00. Mas ela trabalha pra ela, já tem família”.
As filhas que ainda moram em casa, por sua vez, precisam entender a situação financeira e ajudar como podem para não deixar as contas da família no vermelho. “Todo mês eu dava uma mesada de R$ 30,00 ou R$ 50,00 para a minha filha mais velha gastar, mas tive que cortar também”. Controlar os gastos com a luz também fazem parte da rotina da família. “No banho já é normal. Eu grito lá de fora: ‘só mais cinco minutinhos. Ensaboa, enxágua e deu’”. A situação da casa de Verenice não é muito diferente de outras tantas em Passo Fundo. Ela lembra que a classe trabalhadora, no geral, sofre com aumento nos preços e o cenário econômico instalado no Estado. “Essa crise está afetando todo mundo. Para a gente que é trabalhador, que ganha pouco, está bem difícil”.
Tentativa
As contas que irão aumentar na família de Verenice estão na ponta do lápis da economista-chefe da Assessoria Econômica do Sistema Fecomércio-RS, Patrícia Palermo. Segundo ela, o aumento das alíquotas do ICMS no Rio Grande do Sul é uma tentativa de recuperação das finanças do Estado, que estão desequilibradas nos últimos 30 anos.
Ou seja, por esse período, o Estado gastou mais do que arrecadou. E hoje não consegue bancar os gastos com base na receita que possui. "Só havia dois caminhos: ou aumentava receitas ou diminuía gastos. Como o governo não conseguiu fazer uma diminuição maior de seus gastos, optou pela alternativa mais tradicional e fácil, que é aumentar os tributos. E isso veio através do aumento da alíquota do ICMS."
No entendimento de Patrícia, é preciso repensar o tamanho do Rio Grande do Sul, já que a conta está pesada demais para os bolsos dos gaúchos. Isso significa reduzir iniciativas financiadas pelo governo. "Será que não seria mais adequado o Estado se deter àquelas atividades que são suas funções originais e tradicionais, como Educação, Saúde e Segurança, e fazer isso bem feito, do que, às vezes, distribuir uma série de recursos em várias e múltiplas ações, que nem sempre têm a mesma efetividade?"
De acordo com Patrícia, muito desta nova visão de prioridades depende da postura da população, ao aceitar, por exemplo, que o governo encerre atividades de fundações e corte investimentos. "Se ela (sociedade) não quer que o governo arrecade mais, só tem uma saída: o governo tem que gastar menos." Isso implica, necessariamente, na diminuição de bens e serviços entregues pela administração pública.
Tributo indireto
Patrícia Palermo explica que o ICMS é um tributo indireto, pago na hora da compra, mas arrecadado ao governo pelas empresas. Para não perder clientes em função dos preços mais altos, uma alternativa aos estabelecimentos comerciais é reduzir suas margens. "Quando os preços aumentam, a renda das pessoas cai e, consequentemente, o poder de compras delas também", comenta a economista.
Mesmo assim, ela acredita que o governo não corre o risco de reduzir a receita prevista com o aumento do ICMS. "Dificilmente algumas coisas vão ter redução de consumo - por exemplo, gasolina e energia elétrica - ao ponto de afetar negativamente a arrecadação." Para Patrícia, as pessoas não costumam diminuir o consumo destes bens e serviços.
Dicas às famílias
- Saber o quanto ganha e o quanto gasta: As que não fazem isso, não têm noção clara de quanto custa a vida delas no cotidiano
- Conhecer como o gasto é formado: Entender como os recursos são gastos e destinados
- Perguntar-se:
A vida que eu levo 'cabe' dentro da renda que eu tenho?
Hábitos que eu tinha antes continuam sendo válidos hoje?
Posso fazer uma alteração em certos bens que eu consumo para tentar diminuir o meu gasto corrente ao longo do mês?
Fonte: Patrícia Palermo, economista
*Matéria produzida em colaboração com o Jornal O Informativo, especial para a Associação dos Diários do Interior do RS (ADI/RS)