Você vai à loja de aviamentos, compra um carretel de linha branca na intenção de pregar um botão na camisa. A linha, que tem 457 metros, custa, no caixa da loja, R$ 3,90. No entanto, se descontados todos os impostos que pesam em cima deste pequeno fio de algodão, o conserto da peça de roupa seria ainda mais barato. Sem a carga tributária, a linha custaria R$ 2,67.
O cálculo é presumido, e leva em consideração a carga tributária nacional, descontadas outras despesas na linha de produção, distribuição e venda do produto. O número sobe a cada segundo e é fruto de um trabalho desenvolvido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), com dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Neste ano, a marca de R$ 1 trilhão pagos - em todo o País -, foi alcançada seis dias depois do que em 2015.
Conforme o coordenador adjunto do Curso de Ciências Contábeis da Univates, Adriano José Azeredo, a contribuição paga pelos brasileiros torna-se tão alta que, no fim das contas, depois de receber os rendimentos do mês e ficar em dia com o fisco, sobra pouco no bolso do contribuinte. "Considerando todos os tributos que uma pessoa paga no seu consumo, o que sobra de acréscimo de renda para ela é em torno de 30%. O consumidor recebe R$ 1 mil, mas consegue administrar apenas R$ 300".
Questão histórica
Azeredo explica que a matemática que saqueia o bolso da população pode ser explicada pela complicação histórica da lei brasileira. O professor diz que a legislação nacional é baseada no direito romano, conhecido por uma visão legalista, na qual tudo deve estar previsto em lei.
Assim, a complicação tributária acaba sendo o reflexo do pagamento de impostos. "O que o consumidor não vê é que o produto que ele compra recebe várias vezes o mesmo imposto; então fica até difícil calcular com exatidão o valor real da mercadoria."
Para ter-se uma ideia, a carga tributária varia de acordo com o regime tributário ao qual a empresa está enquadrada. Segundo o presidente do Sindicato dos Contadores e Técnicos em Contabilidade do Vale do Taquari (Sincovat), Rui Mallmann, são quatro os regimes tributários existentes atualmente: Simples Nacional, Lucro Presumido, Lucro Arbitrado e Lucro Real. No Simples Nacional, onde se enquadram a maioria das empresas, a tributação é dividida em 6 anexos, distribuídos conforme a sua atividade e cada anexo possui 20 faixas de alíquotas e conforme o faturamento anual vai aumentando, da mesma forma as alíquotas também acompanham este aumento. "Desta forma, de 'Simples' este sistema tem apenas o nome, pois a complicação em termos de cálculo é muito complexa."
O modelo de arrecadação simples descrito pelo presidente do Sincovat seria o mundo ideal para governo e sociedade. Isso porque a visão legalista da lei também é aplicada na forma de distribuição dos recursos. Tributos como o Imposto de Renda, que não têm uma destinação específica, acabam sendo utilizados das mais variadas formas pelo governo federal.
Lembra do carretel de linha citado no início desta reportagem? Possivelmente ele é comercializado em uma empresa de classificação Simples, enquadrada na categoria que tem como faturamento o teto de R$ 180 mil por ano - o que dá em torno de R$ 15 mil por mês.
Para esta empresa, o imposto sobre as suas mercadorias é de 2,7% em cima do faturamento, mais o pagamento de 8% sobre o valor do salário dos funcionários para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Questão de gestão
O modelo de arrecadação simples descrito pelo presidente do Sincovat seria o mundo ideal para governo e sociedade. Isso porque a visão legalista da lei também é aplicada na forma de distribuição dos recursos. Tributos como o Imposto de Renda, que não têm uma destinação específica, acabam sendo utilizados das mais variadas formas pelo governo federal.
Com isso, segundo o professor da Univates, o controle dos gastos igualmente torna-se menos eficiente. "É criada uma ilusão de que ao simplificar os impostos, o valor total arrecadado seria menor. Mas com uma legislação mais simples elimina-se muitas dúvidas sobre o que se deve pagar e o realmente pago. Até a sonegação de impostos seria reduzida", projeta Azeredo.
R$ 1 trilhão em 2016
Seis dias depois do que em 2015, o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) atingiu, terça-feira 5 de julho, às 13h30min, a marca de R$ 1 trilhão. O valor abrange o total de tributos (impostos, taxas e contribuições) pagos pela população brasileira para a União, os Estados e os municípios desde 1º de janeiro de 2016.
No ano passado, o painel registrou esse valor no dia 29 de junho. A demora em 2016 representa uma efetiva queda na arrecadação, decorrente da crise que atinge o país e do enfraquecimento da atividade econômica, com a consequente diminuição da receita de empresas e cidadãos. Mesmo com a queda arrecadatória, o painel chegou ao vultoso valor de R$ 1 trilhão em função do avanço da inflação: com preços mais altos, o consumidor paga, também, valores maiores em impostos, já que esses são calculados sobre o preço final das mercadorias e serviços.
Estudo do trilhão
O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que alimenta o Impostômetro, fez um estudo com dados relacionados à marca de R$ 1 trilhão. Segundo o levantamento, os Estados que mais arrecadaram tributos em geral foram São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Já a média paga por contribuinte brasileiro até 5 de julho de 2016 foi de R$ 4.870,05.
Também constam no estudo a arrecadação por esfera de governo e por tributo e as datas das viradas do trilhão nos anos anteriores. A primeira vez que o Impostômetro chegou a R$ 1 trilhão foi no dia 18 de dezembro de 2007.
Em questão
Para o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, o Impostômetro é uma ferramenta de transparência. “Pagamos diariamente tributos, a maior parcela deles embutida no preço dos produtos, o que reduz a percepção das pessoas de quanto dinheiro é transferido por parte da sociedade para o setor público. À medida que a população toma ciência de quanto paga de tributos, torna-se mais crítica quanto ao gasto público. E somente teremos como reduzir a carga tributária se conseguirmos diminuir o gasto público”, diz. Bohn diz que Brasil tem a maior carga tributária no mundo. “O que precisamos é de uma reformulação da estrutura administrativa que consiga reduzir os gastos da máquina pública e direcionar os valores dos tributos para onde efetivamente devam ser aplicados”, completa.
Saiba mais
O Impostômetro foi concebido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para conscientizar o cidadão sobre a alta carga tributária e incentivá-lo a cobrar os governos por serviços públicos de qualidade. Está localizado na sede da ACSP, na capital paulista. Pelo site www.impostometro.com.br também é possível acompanhar os números.
- O Brasil tem a 14ª maior carga tributária do mundo, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE);
- O brasileiro trabalha em média 153 dias do ano só para pagar impostos;
- No Brasil existem 63 tributos (impostos, taxas e contribuições);
- Cerca de 22% da cesta básica são de impostos;
- A carga tributária brasileira subiu de 33,19% em 2004 para 35,42% em 2014 - a previsão para 2015 é cerca de 36%;
- O Brasil está em 30º lugar no ranking de países em que os impostos trazem mais bem-estar à sociedade, segundo o Índice de Retorno de Bem Estar à sociedade (IRBES).