Benefício ou prejuízo ao consumidor?

Nova Medida Provisória permite que lojistas ofereçam produtos e serviços com preços diferentes de acordo com a forma de pagamento

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Assinada pelo presidente Michel Temer, a Medida Provisória (MP) 764, que permite a cobrança de preços diferentes dependendo do meio ou prazo de pagamento utilizado pelo cliente, gera dúvida se é uma medida que beneficiaria os consumidores que optam pelo pagamento à vista ou se abriria a possibilidade de comerciantes cobrarem valor mais alto para quem escolhe usar o cartão de crédito como forma de pagamento, ao invés de reduzir o preço para quem paga em dinheiro.
Em vigor desde terça-feira (26), o texto da MP determina nulidade de cláusulas contratuais que proíbam ou restrinjam a diferenciação de preços e diz que “fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado”. A decisão faz parte do microplano econômico anunciado recentemente pelo governo e tem objetivo de reaquecer a economia, fazendo circular a moeda mais rapidamente. Faz parte da ideia, também, que o comércio ofereça descontos para quem comprar à vista, pois nas vendas em dinheiro elimina-se o intermédio das operadoras de cartão de crédito, que ficam com um percentual de cada transação. Com a liberação, no entanto, a concessão de descontos a quem comprar à vista fica a critério de cada lojista, e é isso que preocupa quem defende os direitos dos consumidores.
O advogado e professor de Direito na IMED, Júlio Pacheco, acredita que a MP é um equívoco do Governo Federal e representa lesão aos direitos básicos e aos princípios do Código de Defesa do Consumidor. “Essa medida vai gerar, a médio e longo prazo, prejuízos ao consumidor, como já ocorreu em outros países onde foi implantada. A alegação dos empresários de que o cartão de crédito gera custos adicionais é verdadeira, contudo, esses custos são minimizados em razão da segurança de crédito nessas vendas”. Ele enfatiza que o risco de inadimplência no cartão de crédito é limitadíssimo, o que permite que o empresário supere em lucratividade os custos produzidos pelas operações com cartões e, portanto, o argumento dos custos não seria válido.
Pacheco também destaca que não há garantia de que os preços com descontos serão reais, pois é possível que esses descontos já estejam inclusos no preço final. “Não há mecanismos de fiscalização eficientes no país para garantir uma real economia ao consumidor. Por isso a medida não é justa e ofende os direitos dos consumidores. A Medida é um desserviço aos consumidores brasileiros”. A opinião do advogado é contrária à da presidente do Sindicato do Comércio Varejista (Sindilojas) de Passo Fundo, Sueli Morandini Marini. Ela diz que a medida é positiva para os consumidores, que poderão negociar o valor ao comprar à vista, e aos empresários, que serão menos sujeitados às operadoras de cartão de crédito, que cobram taxas, aluguel das máquinas e altos custos operacionais. Para ela, tantas normas e determinações deixam os empresários sufocados e geram resultados negativos, como o fechamento de 19 mil lojas em 2016.
Sueli acredita que os empresários serão honestos ao oferecer os descontos, mesmo porque enfrentam a concorrência e seus preços são determinados pela demanda. “O empreendimento precisa determinar a sua forma de pagamento, porque é ele quem empreende e é ele quem arrisca. A MP é um ponto muito positivo e justo, porque o empresário vai fazer com que o dinheiro do seu cliente seja realmente valorizado e ele não terá as taxas do cartão”. É possível também que, pressionados por outras formas de pagamento mais vantajosas para o cliente, as operadoras de cartões ofereçam condições melhores aos comerciantes. De acordo com Sueli, 99% do comércio defendido pelo Sindilojas passo-fundense é de pequenos empresários, que não têm as mesmas condições de empresas de porte maior. “As pequenas empresas geram um menor número de operações, e isso faz com que as operadoras tenham um custo operacional mais caro para os pequenos empresários e ofertas maiores para o grande empresário”.


Aquecimento da economia
Na opinião da economista e professora da Universidade de Passo Fundo, Cleide Moretto, embora se espere que com a MP a moeda circule mais rapidamente a as empresas tenham disponibilidade de receita, voltando a trabalhar no mesmo nível de atividade que estavam antes da crise, o grande problema que tem afetado a receita das empresas é o elevado grau de inadimplência dos brasileiros, que têm um comportamento de consumo nocivo no sentido que, ao parcelar e utilizar fontes de crédito para o consumo, utilizam uma renda artificial. “Então, para evitar isso, está se tentando fortalecer o consumo no curto prazo. Para fortalecer, eles estão tentando incentivar que as pessoas primeiro guardem esse recurso para depois adquirir, evitando o consumo a longo prazo”.
Moretto explica que uma das maneiras de atrair os consumidores para este tipo de consumo é justamente incentivando formas de desconto nas compras à vista, algo que acontecia antigamente, mas que praticamente deixou de existir com a proibição na diferenciação dos valores de acordo com a forma de pagamento. Tanto que, segundo a economista, o termo pechinchar caiu em desuso. Com o desconto, o dinheiro totalmente conversível volta a ser priorizado. “Eu acredito que essa é uma medida importante e é uma maneira de educar para o consumo, mas do ponto de vista da dinâmica produtiva, eu não vejo como um impacto significativo a curto prazo. O maior problema do brasileiro hoje é a falta de renda. Nós ainda não tivemos a oportunidade de poupar ou guardar essa renda para adquirir os bens no futuro”.

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