Instituições de proteção ao crédito apontam que mais de 60 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Quase 60% das famílias brasileiras estão endividadas, segundo dados da Pesquisa do Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). A estatística, referente a outubro, é divulgada pela Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Com o fim do ano e a chegada das datas comemorativas, as entidades começam a promover ações de renegociação de dívidas com o objetivo de limpar o nome dos inadimplentes e, consequentemente, aquecer o consumo. O Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) de Passo Fundo lançou, no início do mês, o programa “Comece 2018 com o pé direito”, que se estende até o dia 31 de dezembro.
Para o consumidor é a oportunidade de renegociar dívidas em atraso e restabelecer o acesso ao crédito. Ao empresário, é a possibilidade de diminuição dos índices de inadimplência da empresa, além do aquecimento da economia com o aumento de clientes no mercado. Para o diretor do SCPC Passo Fundo, Valter Ceolin, nos dois meses de campanha, as empresas participantes oferecem aos consumidores a oportunidade de renegociar suas dívidas. “O consumidor pode aproveitar o 13º salário para iniciar um ano novo com débitos quitados e a liberdade de comprar no crédito”, ressalta.
Conforme Ceolin, em torno de 20% a 25% das pessoas economicamente ativas estão em situação de restrição de crédito por conta da inadimplência. A entidade busca atingir em torno de 20% desse público que está com débitos atrasados. “A expectativa nossa é das melhores. A gente acredita que em torno de 10% a 20% das pessoas têm interesse em quitar suas dívidas nesses dois meses já que entra um pouco mais de dinheiro em função do 13° salário e também em função da liberação do PIS/Pasep. Com esse dinheiro, esperamos que as pessoas venham pagar suas contas para poder ter crédito nas contas novas que a geralmente se faz no Natal”, analisa.
Medidas paliativas e juros abusivos
Para o economista e sociólogo Ginez de Campos, essas medidas podem até ser interessantes, porém elas têm pouco efeito diante da elevada taxa de juros praticada no país. “Uma questão que deve ser debatida e discutida de forma mais aprofundada e esclarecedora gira em torno das seguintes perguntas: por que os juros são tão elevados no Brasil? Por que os mesmos bancos que atuam no Brasil e atuam no exterior – inclusive em países da América do Sul – aplicam taxas de juros menores em outros países? Uma das razões alegadas pelos bancos tem sido a alta inadimplência. Por tanto representa para os bancos um risco e com base nessa ideia de risco, os bancos mantêm as taxas elevadas”, argumenta o especialista.
Ginez de Campos defende, porém, que a inadimplência está em níveis tão elevados em decorrência dos altos juros. Apesar da taxa Selic ter saído de 14.25% para 7.5% em menos de um ano – o que representa quase 50% de queda na taxa básica de juros – essa queda não é refletida ao consumidor, segundo o especialista. A taxa de juros do rotativo do cartão de crédito para quem paga o valor mínimo da fatura em dia continuou a cair, em agosto. A taxa chegou a 221,4% ao ano no mês de agosto, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central (BC). Já a taxa cobrada dos consumidores que não pagaram ou atrasaram o pagamento mínimo da fatura ficou em 506,1% ao ano, em agosto. Com isso, a taxa média da modalidade de crédito ficou em 397,4% ao ano. “Os bancos não repassaram na mesma proporção percentual a queda na taxa básica de juros da economia. Ou seja, os bancos estão cobrando juros extremamente abusivos no Brasil. Nunca houve uma intervenção governamental para limitar essas taxas abusivas praticadas pelos bancos, que em nome da ganância, não abrem mão dos juros elevados”, defende o economista.
Orientações
Essa negociação deve ser realizada com consciência. “O consumidor não foi parar no SPC porque ele quis. Ele foi parar lá porque houve uma eventualidade que ele não estava contando que aconteceu nesse período que ele tinha contratado os parcelamentos. No momento em que ele vai fazer a renegociação, é importante que ele faça um orçamento próprio e verifique a quantidade de dinheiro que ele dispõe para pagar aquela conta que está atrasada”, explica Valter Ceolin.
Prestar atenção às taxas de juros aplicadas nas tentativas de renegociação é uma das principais orientações do economista e sociólogo. “A renegociação deve ser feita sempre visando reduzir ao máximo possível a dívida e renegociando com taxas de juros que efetivamente possam ser pagas pelo consumidor. Caso contrário, uma renegociação pode significar apenas o prolongamento da dívida do consumidor”, explica.
Ginez de Campos, que também é professor da UPF, analisa que as medidas podem ter caráter de marketing para que o consumidor saia de bancos de dados de proteção ao crédito e volte a consumir. “Não adianta o indivíduo sair de um quadro de endividamento e inadimplência e chegar ao Natal e ao Fim do Ano e ele iniciar outra situação de endividamento, porque aí ele acaba jogando o problema da inadimplência para 2018. O consumidor precisa entender que ele não deve renegociar a dívida para entrar em um ciclo equivocado de mais consumo”, finaliza o especialista.
Como o consumidor pode renegociar?
Se o consumidor sabe onde está inadimplente, ele pode ir diretamente à loja. “A gente instruiu o lojista para que facilite essa negociação, parcelando de uma maneira que o consumidor possa honrar esse contrato assumido. E que o consumidor também seja honesto com o lojista dizendo o valor exato que ele pode comprometer e que possa honrar o novo parcelamento”, pontua Ceolin.
Se o consumidor não souber quais são os locais em que ele está inadimplente, a o conselho é que ele vá até o SCP, que em Passo Fundo fica localizado na Rua General Netto, em frente ao Fórum, e solicite uma relação das lojas nas quais ele está inadimplente e, após isso, que ele vá até as lojas para negociar.
Empresas
SPC Passo Fundo estima que a campanha abranja em torno de 350 empresas na cidade. Os empresários que desejam participar da ação “Comece 2018 com o pé direito” podem entrar em contato com a entidade pelo telefone (54) 3311-5511. Ceolin pede que mesmo as empresas que não estão participando da ação que abram as portas para os clientes que estão inadimplentes para que a renegociação possa ser feita.