O governo confirmou, em cerimônia realizada no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (24), a liberação de saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep. A medida terá início em setembro deste ano e vale tanto para contas ativas quanto inativas. Conforme o presidente da República, Jair Bolsonaro, a decisão se trata de uma ação emergencial para ajudar a economia do país. O saque é anual e será limitado a R$ 500 para cada conta do trabalhador.
Criado com o objetivo de proteger o trabalhador, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho, os recursos do FGTS, originalmente, poderiam ser sacados somente em situações específicas, entre elas a demissão sem justa causa, a aquisição de casa própria e em caso de algumas doenças graves. Agora, com a medida provisória anunciada pelo governo, qualquer trabalhador que desejar retirar o recurso de suas contas poderá fazê-lo, desde que esteja dentro das normas anunciadas. Além do teto de R$ 500, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que haverá também uma regra de proporcionalidade para cálculo do valor de saque do FGTS: os trabalhadores que tiverem menos recursos poderão sacar um valor maior do que aqueles que tiverem mais recursos guardados.
A expectativa do governo é de que a liberação favoreça mais de 90 milhões de trabalhadores e injete cerca de R$ 30 bilhões na economia brasileira neste ano e mais R$ 10 bilhões no ano que vem. Já com os recursos do PIS/Pasep, a previsão é de que o total chegue a R$ 42 bilhões até março de 2020. Em 2016, também na tentativa de movimentar a economia, o então presidente Michel Temer já havia regulamentado uma medida semelhante – a principal diferença é que, naquela ocasião, o saque podia ser realizado somente em contas inativas do FGTS. À época, cerca de R$ 44 bilhões foram sacados, por mais de 25 milhões de trabalhadores.
Aquecimento da economia
Para a economista e professora da Universidade de Passo Fundo, Cleide Moretto, a restrição de R$ 500 por conta dos trabalhadores diminui a força da medida inicial, que a princípio havia sido anunciada com a possibilidade de saque de 35% das contas ativas e inativas daqueles trabalhadores com saldo até R$ 5 mil reais, 30% para aqueles com saldo entre R$ 5 mil e R$ 10 mil e 10% para aqueles com saldo entre mais de R$ 10 mil até R$ 50 mil. No entanto, ainda assim, do ponto de vista de impacto no consumo, mesmo que parcial, a medida é eficaz, segundo ela. Isto porque consumidores com disponibilidade de moeda consumirão mais, injetando recursos na economia, sobretudo no setor do comércio e serviços. “Esta medida tem como vetor para dinamizar a economia o consumo privado, um dos principais agregados macroeconômicos”, explica.
O diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Passo Fundo, Ary Rabelo, enxerga a decisão do governo com otimismo. De acordo com ele, quando o mesmo aconteceu no governo de Temer, os impactos foram positivos para o comércio passo-fundense. “Eu acho que é sempre de bom grado. Para o comércio é muito importante porque é dinheiro sendo injetado no mercado. A gente sabe que o valor é realmente pequeno, mas segundo o ministro Paulo Guedes a medida vai atingir milhões de pessoas, então, de qualquer forma, é uma notícia boa para nós comerciantes. Até porque uma pessoa que tenha três contas poderá tirar recursos de todas elas, então esse saldo pode ser mais alto”, comenta.
Por outro lado, a economista Cleide Moretto atenta para o fato de a liberação de recursos via FGTS se tratar de uma medida de curtíssimo prazo, que não resolve o problema econômico enfrentado pelo país. Na percepção dela, para que a economia retome o crescimento, no longo prazo, são necessárias medidas que garantam a retomada do investimento produtivo, principalmente na indústria, setor com potencial de agregar valor. “Ao fomentar o investimento produtivo cria-se condições para o aumento no nível de emprego e, com maior número de trabalhadores recebendo renda, haverá maior demanda ou consumo, o que fomentaria a economia como um todo. O país carece de um conjunto de medidas que torne o sistema produtivo mais atraente do que o sistema financeiro”, comenta.
Entre as ações necessárias para retomada do crescimento econômico, Moretto cita a urgência de recuperação da participação da indústria na produção total. “A reforma previdenciária, por si só, é insuficiente para a retomada do crescimento. Necessitamos de uma reforça tributária que contemple um aumento na arrecadação de uma forma eficaz, por meio da ampliação do número e do montante de receita tributária ao mesmo tempo em que as alíquotas aplicadas possam ser reduzidas, criando meios de o setor produtivo doméstico ou nacional ser competitivo interna e externamente. Isso deveria garantir que mais brasileiros pagassem com alíquotas mais adequadas, ampliando receita mesmo com a desoneração tributária. As empresas, de diferentes escalas de produção, precisam ter melhora nas expectativas do mercado, com redução de incerteza e diminuição do risco dos investimentos produtivos”, defende.
Efeito precaução
Embora a retirada de recursos das contas do FGTS representa um valor extra na renda do trabalhador que decidir pelo saque, Cleide Moretto relembra que, do ponto de vista dos trabalhadores, é imprescindível ter atenção em relação ao principal objetivo do FGTS: o efeito precaução, ou seja, o recurso que é destinado para situações de dificuldade financeira. “O trabalhador deve atentar para o planejamento da utilização desse recurso e não gastar de forma irracional. Nesse sentido, sugiro que aquele trabalhador que esteja endividado pague primeiro suas dívidas, pois a taxa de juros cobrada pelo sistema financeiro é maior do que a remuneração paga pelo FGTS. Para aqueles que não possuem dívidas o ideal é aplicar esse recurso em outro tipo ativo financeiro, como comprar títulos do tesouro o mesmo em títulos privados, que oferecem maiores rendimentos”, recomenda.
Construção civil
Se, por um lado, os comerciários comemoram a liberação dos recursos do FGTS, representantes do setor de construção civil enxergam a medida com preocupação. Na percepção deles, os saques impactam, por exemplo, em programas de moradias populares mantidos pelo governo, já que em muitos deles os trabalhadores utilizam verbas do FGTS para cobrir parte do financiamento. A discussão chegou a fazer com que o governo adiasse o anúncio relativo às mudanças no saque do FGTS, que estava previsto para acontecer ainda na semana passada.
Para o vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção e do Mobiliário de Passo Fundo e Região (Sinduscon), Fernando Lângaro, o principal problema foi a falta de comunicação do governo com as lideranças do setor. Segundo ele, uma decisão dessa magnitude deveria ter sido feita consultando as entidades de classe a nível federal. “Essa é uma verba, originalmente, de incentivo à construção civil. E não somente no setor imobiliário, de venda de imóveis, mas também para obras de infraestrutura urbana, como o saneamento básico. Então não são somente as incorporadoras que sofrem com essa medida, são também as grandes empreiteiras e construtoras que costumam fazer um planejamento para participação em de licitações públicas. Pela maneira que o governo anunciou, essa verba é somente para pagamento de dívidas pessoais. Para o setor da construção civil, que se planeja a longo prazo, uma medida que é feita sem diálogo nos pega de surpresa e nos atrapalha. O governo vai ter uma melhoria na economia a curto prazo, mas não vai surtir efeito de longo prazo e, ainda, vai afetar a construção civil”, opina.