A cadeia leiteira brasileira continua em sinal de alerta, marcada pela baixa remuneração dos produtores rurais e a alta na importação do leite, contudo, após a publicação do decreto do Governo Federal que traz isenção tributária às indústrias que compram o leite nacional, o setor ganhou um “respiro” diante da problemática.
De acordo com o coordenador geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul – FETRAF/RS, Douglas Cenci, a medida é importante e vinha sendo aguardada. “Essa medida já tinha sido negociada, nós já estávamos aguardando esse decreto do presidente que institui essa diferenciação em relação às empresas que trazem leite de outros países. Na nossa avaliação é uma medida importante, porque pode diminuir bastante a importação e fazer com que a queda do preço possa parar e quem sabe retornar à retomada dos preços e garantir que o agricultor tenha viabilidade”, pontua.
A produtora rural, Denise Rosso Casanova, que vive na comunidade de Santa Gema, interior de Passo Fundo, conta que o leite produzido na sua propriedade é utilizado na agroindústria de queijo coalho, queijo colonial, ricota, queijo minas frecal e doce de leite, agregando valor à matéria-prima, mesmo assim, o custo tem que ser viável para a produção. “Hoje temos 17 animais em ordenha, sendo que foram secas, antes do prazo, três animais com baixa produção para reduzir o custo com alimentação, já que esta época a pastagem diminui devido à estação”, comenta.
Conforme Denise, uma parte do leite é utilizado na agroindústria e o restante é destinado para outras empresas. Isso porque o consumo dos produtos está bastante reduzido.
“A redução é reflexo da entrada de leite importado, que forçou a baixa do preço do leite e, consequentemente, do queijo, que acaba por refletir também nas vendas da agroindústria. O mercado de maneira geral está se movimentando pouco, avaliando o cenário da economia, as incertezas, a falta de incentivo à produção interna. O resultado disso tudo é uma margem de lucro mais apertada, redução de investimentos, e do volume produzido”, diz.
Denise vê com otimismo a medida do governo federal. “Certamente vai melhorar a situação, mas o pequeno produtor de leite, que recebeu por sua produção muito abaixo do seu custo”, avalia.
Origem do problema
Em maio de 2022 ocorreu um aumento significativo no preço do leite, motivado pelo período de entressafra e o exorbitante custo de produção. De acordo com Cenci, este aumento, ao pressionar a inflação, levou o governo federal a publicar a Resolução GECEX Nº 353, diminuindo as taxas de importação do leite. “Com o preço continuando a subir, chegando a casa de R$3,54 por litro em julho de 2022, o governo lançou em agosto uma nova medida reduzindo as taxas de importação do soro do leite”, explica.
De acordo com a plataforma Comex Stat, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, as importações brasileiras de lácteos, em 2023, praticamente duplicaram em relação ao mesmo período de 2022. Dessa forma, em 2023 o Brasil já importou principalmente da Argentina e do Uruguai 155,6 mil toneladas de lácteos no valor de 596 milhões de dólares.
Segundo Cenci, a grande presença do leite importado no mercado interno provocou queda geral de preços, prejudicando com a redução da rentabilidade para os produtores e também das indústrias de captação, processamento e industrialização de leite.
Concorrência no Mercosul
Conforme o coordenador da FETRAF, o governo argentino implementou o Programa de Assistência e Impulso Tambero, que estabelece um bônus pago em dinheiro aos produtores, equivalente a: 15 pesos por litro de leite produzido por produtores que comercializam até 1.500 L/dia; 10 pesos por litro para produtores com comercialização diária de 1.501 L/ até 5.000 L/dia, limitado à 600.000 pesos por propriedade. “Historicamente o custo de produção de leite na Argentina que é baseado em pasto tem um custo menor, cerca de 15% menor do que o praticado no Brasil, entretanto, neste momento chega a estar mais de 30% mais barata que no Brasil”, informa Cenci.
Redução do consumo
Conforme Cenci, em 2023 a expectativa é que o consumo se mantenha baixo. “A situação é grave e pode gerar uma nova onda de êxodo rural, como o Brasil já viveu no passado. É incontestável que já ocorre intenso abandono da atividade leiteira por produtores rurais, além disso com a pandemia muitos produtores também abandonaram a produção e destacamos que há três anos consecutivos os agricultores do nosso estado enfrentaram perdas devido à estiagem”, pontua Cenci.
O coordenador destaca ainda, que nos próximos meses ocorrem as férias escolares, indicando nova queda de consumo. “Nós continuamos discutindo com o governo o tema da subvenção, de auxílio para os agricultores familiares e estamos discutindo também outras medidas que impactam na importação e no preço do leite no Rio Grande do Sul”, finalizou Cenci.