Acolher indústrias para crescer juntos

Passo Fundo tem o perfil adequado para atrair empresas migrantes com a sinergia necessária para reerguer a economia gaúcha

Por
· 6 min de leitura
Passo Fundo: centro logístico atrativo com infraestrutura e perfil empreendedor -  Foto – LC Schneider-ONPasso Fundo: centro logístico atrativo com infraestrutura e perfil empreendedor -  Foto – LC Schneider-ON
Passo Fundo: centro logístico atrativo com infraestrutura e perfil empreendedor - Foto – LC Schneider-ON
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Enchente, devastação e mortes. O desespero diante da tragédia no Rio Grande do Sul é amenizado através da solidariedade. Passo Fundo montou grande estrutura para recebimento e triagem das doações. Iniciativa privada e poder público entraram em cena para auxiliar em momento inusitado. Além dos caminhões, Passo Fundo tem a logística com aviões na ponte aérea com as regiões atingidas. A Prefeitura de Passo Fundo enviou equipes com máquinas para atuar diretamente na recuperação das áreas mais afetadas. A destruição conduz à reconstrução. Porém, nem tudo que foi arrasado será reerguido no mesmo local. É necessário realocar empresas. É imprescindível estender a mão e albergar indústrias. Um acolhimento para desenvolvimento recíproco. Na visão de empresários e economistas, Passo Fundo cumpre os principais requisitos para atrair essas empresas. Para isso é imprescindível agir imediatamente e, sem burocracias, criar facilidades.


Centro logístico

“É uma oportunidade altamente positiva para Passo Fundo e região”, entende o empresário Renato Severo de Miranda, empreendedor com visão apurada que acumula longa experiência no segmento imobiliário. “Para a maioria das indústrias atingidas torna-se iminente a necessidade de realocação. Essas empresas darão preferência a centros de logística como Passo Fundo”. Miranda completa sua ideia reforçando com outros atrativos. “Aqui temos áreas planas, uma malha rodoviária, ferrovia e aeroporto. É um centro consolidado em saúde e educação, onde é pujante o crescimento imobiliário”. De acordo com o ex-dirigente da Fiergs – Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, para receber essas empresas “é necessária uma postura firme da comunidade e muita agilidade porque outros municípios, inclusive de Santa Catarina, já oferecem áreas”. Em Passo Fundo existem áreas disponíveis, instalações como galpões, depósitos ou outros formatos de edificações que, temporariamente desocupados, têm amplas condições para receber novos empreendimentos.


Tradição metalmecânica

De acordo com Renato Miranda, no quadro pós-enchente as empresas mais propensas à migração são as fábricas que perderam suas instalações (galpões) e os centros de distribuição. E, no paralelo de conjunturas, vê a possibilidade do pulo do gato para Passo Fundo. “Agora, se abre outra vertente de oportunidades para Passo Fundo crescer na área metalmecânica. Temos uma forte tradição no segmento”. Justifica citando nomes de empresas como Menegaz, Semeato, Caracol, Metasa, Kuhn ou mesmo a antiga fábrica de pregos da Gerdau. Além da tradição, há mão-de-obra especializada, o conhecimento na área e os serviços periféricos para o segmento. Com a chegada de novas plantas industriais, Passo Fundo pode tornar-se em grande polo metalmecânico. “Caxias do Sul, que é o maior polo do setor, enfrenta a saturação com as dificuldades de expansão pela falta de áreas disponíveis”, explica Miranda. Isso significa mais um fator positivo para Passo Fundo conquistar novos empreendimentos.


Cavalo encilhado

No ano de 1965, nos dias que antecederam a grande nevada, o Rio Uruguai transbordou. Em Marcelino Ramos carregou casas e destruiu uma indústria de refrigeração, a Cruzeiro do Sul. Os proprietários decidiram migrar. Não obtiveram êxito em Erechim e nem em Passo Fundo. Surgia a proposta de Sapucaia do Sul, com instalações e boa infraestrutura. Logo, a Recrusul tornou-se na maior indústria de refrigeração da América Latina. Renato Miranda ouviu essa história do proprietário da empresa Hélio Wosiack, hoje falecido, enquanto diretores da Fiergs. “A decisão contrária surgiu em votação dos vereadores da época. É interessante um paralelo com a atual situação. O cavalo da história está passando encilhado. Não podemos deixa-lo escapar novamente”.


Programa “Novos Horizontes 360º”

Além de doações e ações diretas para minimizar o sofrimento dos atingidos pela tragédia, empresários, entidades e lideranças de Passo Fundo também propõem oportunidades. Um exemplo é o Instituto Aliança Empresarial de Passo Fundo, que, por meio do ecossistema de inovação regional, conta com empresas, startups e profissionais voluntários para auxiliar as cidades e populações afetadas pelas enchentes. Outra iniciativa é o programa “Novos Horizontes 360º”, que propõe unir esforços com foco na resiliência e busca oferecer oportunidades dignas de recomeço para as pessoas e famílias atingidas. Segundo o conselheiro do hub, empresário Erasmo Carlos Battistella, “queremos que pessoas ou famílias que desejem um novo plano de vida em Passo Fundo encontrem um recomeço digno por meio do programa”. A diretora institucional do Instituto, Márcia Capellari, enfatiza que “o nosso papel agora é contribuir para novos começos, novos comportamentos e estratégias que minimizem os impactos causados pelas enchentes”.


O setor público deve ser um facilitador para o acolhimento das empresas atingidas pelas enchentes

A avaliação das consequências da tragédia ainda é superficial - Foto - Gustavo Mansur - Palácio Pratini

“É um triste momento, um grande impacto na economia do estado. Mas ainda não temos levantamentos claros e oficiais para conhecermos o impacto real na economia”, diz o economista e professor universitário Marco Antonio Montoya ao abordar sobre as consequências da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. Hoje professor sênior da Universidade de Passo Fundo, ele explica que nesse momento, as informações mais atualizadas são as do setor agrícola. “A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) está mapeando a situação com imagens de satélites”. Cauteloso, destaca que sobre os outros setores existe muita especulação. Porém, não minimiza o quadro trágico: “o estrago foi grande, muito grande, algo nunca visto”.


Cadeias produtivas

O professor Montoya diz que no momento os bancos têm uma avaliação apenas superficial do impacto dessa tragédia. Também, através de um grupo de estudos de especialistas que inclui a UPF, há um trabalho de simulação de qual será o impacto efetivo resultante das cheias deste ano no Rio Grande do Sul. “É necessário um grande paralelo para chegar aos impactos indiretos nas cadeias produtivas. Por exemplo, da produção de grãos aos alimentos, à agroindústria e aos serviços. Isso ainda é desconhecido. Qualquer coisa é especulação, pois necessitamos de resultados precisos. Mas, é claro, o problema é grande”, enfatiza o pesquisador. A amplitude também está atrelada ao tempo. “Conforme conversei com um agrônomo, serão necessários de 5 a 8 anos para recompor o terreno para a agricultura chegar aos níveis de produção em que se encontrava”, explicou.


A experiência mundial

As indústrias que foram atingidas pelas enchentes são de grande, médio ou pequeno porte. A recuperação dessas plantas industriais, na maioria dos casos, passa pela migração em busca de áreas mais seguras e com boa infraestrutura. “Procuram locais adequados para se recuperar mais fácil, é a área da produção, onde está Passo Fundo”, enfatiza Montoya. Cita como paralelo o que ocorreu em 2005 com o furacão Katrina, nos Estados Unidos, que levou à migração de milhares de famílias para outros lugares. “Temos que aprender com a experiência mundial. A migração de empresas ocorreu após o Katrina, o tsunami no Japão, na Itália etc.”


Albergar indústrias

O quadro migratório é evidente e propõe a Passo Fundo a condição de também acolher indústrias. Isso exige agilidade, segundo o economista. “O município de Passo Fundo deveria, em regime de urgência, fazer uma revisão do plano diretor para estabelecer novas áreas industriais para abrigar as indústrias que vão migrar”. Também lembra que nessa captação de empresas há forte concorrência. “Santa Catarina já está chamando”, alerta. E, como é jogo-rápido, Montoya diz que “Passo Fundo deve evitar a burocracia e definir com urgência áreas para abrigar essas indústrias. Estamos falando da recuperação do Rio Grande do Sul”. O professor entende que, pela logística privilegiada, Passo Fundo e região podem albergar essas indústrias que foram atingidas pela tragédia.


Imediatamente

Para Marco Montoya “isso deve ocorrer imediatamente”. Acrescenta que é o momento de o setor público facilitar o acolhimento de empresas. Fábricas do setor metalmecânico, de tradição histórica em Passo Fundo, devem ser atraídas. Isso porque irão escolher áreas alternativas para se instalar no estado. “Necessitam de matrizes produtivas, estruturas estratégicas. Aqui a logística é excelente, tem mão-de-obra qualificada. A taxa de crescimento do PIB de Passo Fundo também é excelente. Participo de um grupo de professores do Rio Grande do Sul, que estuda uma modelagem para a recuperação econômica. Em Passo Fundo é necessário ser proativos e, com urgência, o setor público deve ser um facilitador para o acolhimento. Sem burocracias, agir para não atrapalhar”, concluiu.     

Gostou? Compartilhe