“Apagão docente”: Estudo aponta para déficit de 10 mil professores até 2040

Baixos salários e trabalho precarizado estão entre as causas da redução de educadores na rede estadual de ensino

Por
· 5 min de leitura
Pesquisa já demonstram que faltam professores para atendimentos na rede estadual   Foto: Arquivo/ONPesquisa já demonstram que faltam professores para atendimentos na rede estadual   Foto: Arquivo/ON
Pesquisa já demonstram que faltam professores para atendimentos na rede estadual Foto: Arquivo/ON
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Uma situação que vem há muito tempo sendo alertada por profissionais e pesquisadores, que denunciavam a precarização do ensino com a desvalorização da carreira docente. Situação que ficou clara pelos dados coletados pelo observatório Sesi da Educação que estima que o Rio Grande do Sul poderá ter um déficit de 10 mil professores na Educação Básica em 2040.

Os dados são do trabalho “Apagão de Professores(as): uma análise dos impactos da oferta de docentes no RS”, publicado em outubro de 2023. O documento diz que considerando que a média de alunos por professor na educação básica no estado é de 20 alunos, e levando em conta o decréscimo projetado na população em idade escolar (de 4 a 18 anos) nos próximos 17 anos, estima-se que em 2040 o Rio Grande do Sul terá 83.783 docentes em atividade. “No entanto, será necessário um total de 94.137 professores para atender à demanda de alunos, resultando em um déficit de aproximadamente 10 mil professores na educação básica”. As estimativas são do Observatório SESI da Educação.

De acordo com a professora e pesquisadora da Universidade de Passo Fundo (UPF), Rosimar Serena Siqueira Esquinsani, que acompanha a situação dos docentes há muitos anos pelas pesquisas, a situação já está complicada. “Faz alguns anos que faço pesquisa mostrando a quantidade de professores que têm se aposentado em relação aos profissionais que ingressam. Fazendo a comparação desses números, nós já estamos vivendo esse apagão docente. Para você ter uma ideia, a cada 8 professores que se aposentam, tem 1 professor iniciando a carreira. Então a matemática está mostrando concretamente que já estão faltando e vão faltar ainda mais professores em um curto espaço de tempo”, destaca.

Número de professores reduz quatro vezes mais que de alunos

Outro dado importante do estudo diz que o número de professores diminui quatro vezes mais do que o número de estudantes da Educação Básica, apresentando o desinteresse pela licenciatura que, entre os anos de 2010 e 2021, registrou queda no número de ingressantes (-59,91%), nas matrículas (-48,37%) e nos formados (-59,25%) nesses cursos.

Para o presidente do CPERS de Passo Fundo, professor Orlando Marcelino, o problema já é histórico. “Esse é um problema resultado da desvalorização, do arrocho salarial principalmente e, agora, por último período com um ataque às carreiras. Desde 2011 você tem direito a um piso nacional, que se refletiria sobre a carreira, acabou que nos últimos anos os governos destruíram com os planos de carreira que foram construídos historicamente, então você não tem mais efetivo para trabalhar como professor, os clássicos triênios, que conforme você ia ficando na carreira elevava o nível salarial, mas não tem mais, assim como as avaliações e promoções pela formação, que era estabelecido por merecimento e antiguidade, então desestimula a formação”, comentou.

Conforme a Rosimar, os baixos salários acabam impactando em toda a sociedade. “É algo que toda a sociedade sabe que o professor é menos remunerado que merecia e isso chega aos potenciais novos professores”, diz.

Baixos salários

O estudo aponta que segundo os dados de 2021 da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), um professor gaúcho tem em média um rendimento de R$ 4.024,00. Por etapa de ensino, os professores do ensino fundamental são aqueles que apresentam um salário médio mais alto (R$ 4.940,17). “Ao mesmo tempo, os salários médios de profissionais da mesma área, mas que não atuam como docentes, são maiores. Profissionais da área das exatas (físicos, químicos e matemáticos) têm um salário 67% maior se comparado com a média salarial dos docentes no Rio Grande do Sul”, diz a pesquisa.

Segundo a professora Rosimar, outro estudo também aponta para discrepância dos salários na carreira. “O anuário estatístico da educação básica produzido pela Ong Todos pela Educação mostra que um professor hoje recebe 30% que um profissional da área com a mesma formação que ele, então isso infelizmente a carreira tem o valor defasado, transparece para sociedade e fica mais difícil de dizer para o jovem sobre a carreira de professo”, pontua.

Concurso público

Segundo o presidente do CPERS Passo Fundo, outra questão que ajuda na precarização do trabalho é a não realização de concurso público. “Nós temos desde 1993 no RS contratos emergenciais, hoje na rede estadual a maioria dos professores que estão em sala de aula atuam dessa forma, em algumas escolas chega a ser quase 90% dos professores e funcionários contratados, então a relação de trabalho precarizou e estabeleceu um completo desestímulo. Não é só problema de efeito, valorização de salário, para fazer curso de licenciatura, porque é uma relação de trabalho precarizada”, pontua.

 Reforma do ensino médio

Sobre a Reforma do Ensino Médio, Rosimar explica que até certo ponto, não houve uma mudança maior na categoria. “Achei que teria um impacto maior a chamada livre docência dentro da reforma, mas não teve um impacto tão grande, continuamos tendo lugar para o professor de carreira principalmente por conta dos itinerários que são algo bem específico para contratação de professores fora do magistério, mas continua sendo um grande impacto do ponto de vista da precarização de muitos contratos emergenciais”, diz.

Futuro

Para a pesquisadora, uma das medidas que auxiliam na mudança de perspectiva sobre a carreira docente, seria a realização de concurso público. “Que façam o que manda a Constituição, concurso público com prova escrita e de títulos para ingresso na carreira do magistério, porque o concurso, a estabilidade também projeta uma expectativa no docente diferente do professor temporário”, destaca.

A pesquisadora salienta também que é preciso que as pessoas apoiem os professores não somente por palavras, mas que acompanhem presencialmente na escola.

Formação profissional

Marcelino também destaca a dificuldade dos professores de realizarem a formação continuada, devido ao valor do investimento e de tempo, já que a atuação consome muitas horas de trabalho do professor. “Você consegue até fazer especializações, mas mestrado e doutorado o custo é alto. Além disso, você começa a trabalhar e tem muitas aulas, tem todo um trabalho extra que não é computado. Então é uma dificuldade estruturar uma carreira. É falaciosa que tem estabilidade que professor não pode ser demitido, você não tem estabilidade, não tem plano de carreira, e o arrocho salarial. Logicamente que as pessoas vão buscar outras funções e a situação vai piorar mais ainda a partir da reforma do ensino médio, que abre espaço para aqueles que têm pleno saber, aqueles que dominam algum conhecimento podem dar aula, então a função de professor vai acabar virando um ‘bico”, levando mais ainda uma precarização para dentro das escolas”, finalizou.

Poder público

A pesquisa dá ainda como sugestão que o poder público apresentando por políticos e liderança vejam a ciência como um apoiador para a definição de políticas públicas.

“Muitos de nós pesquisadores temos feito pesquisas e mostrado com dados o que pode acontecer na educação e, muitas vezes, a gente não é ouvido. É preciso melhorar esse canal de comunicação entre a pesquisa e gestão pública”, finalizou. 

 

Mais informações

Para mais informações sobre o trabalho “Apagão de Professores(as): uma análise dos impactos da oferta de docentes no RS” pode ser acessada AQUI 


 


Gostou? Compartilhe