Nove anos após ter sido protocolado no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 104/2015, que restringe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis, sobretudo telefones celulares, nas salas de aula de escolas públicas e privadas do ensino básico em todo o país, foi sancionado, nessa semana, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para que passe a valer já no início do ano letivo, em fevereiro, um decreto do presidente, que sairá em até 30 dias, vai regulamentar a nova legislação. Muito além da publicação, no entanto, para sair do papel e refletir positivamente no aprendizado, educadores e o deputado autor da lei, ouvidos por O Nacional, percebem a necessidade de uma convergência entre todos os agentes integrantes da comunidade escolar.
A lei restringe o uso em sala de aula e nos intervalos, para fins pessoais, mas há exceções, como para a finalidade pedagógica, sob supervisão dos professores, ou em casos de pessoas que necessitem de apoio do aparelho para acessibilidade tecnológica ou por alguma necessidade de saúde.
Apoiado pelo governo federal e por especialistas, o projeto alcançou um amplo consenso no Legislativo, unindo governistas e oposicionistas, e foi aprovado na Câmara e no Senado no fim do ano passado, e enviado para sanção presidencial. O autor do texto no Congresso, o deputado gaúcho Alceu Moreira (MDB), considera esse um marco para o sistema educacional na era digital. Ele pondera que a tecnologia é imprescindível para o aprendizado, mas requer um conjunto de regras para que não seja um instrumento dispersivo. “No interior do Rio Grande do Sul, certa vez, encontrei um grupo de professores numa universidade que dizia que era uma concorrência absolutamente desleal com o professor”, recorda.
Conforme argumenta, o texto foi construído “com rigor técnico”, consultando institutos e especialistas da área, cases de países que adotam algum tipo de restrição — como é o caso de Canadá, Finlândia e Suíça — e, principalmente, o que pensam os pais e professores.
Ponto polêmico que suscitou debates durante a tramitação, a proibição do celular também durante o intervalo é defendida pelo proponente, que toma por base as vantagens do “período de sociabilização” para o desenvolvimento dos jovens. “É nesse momento que se brinca, que o aluno se diverte, interage com os colegas. É um momento que faz parte, inclusive, do projeto educacional”, argumenta.
Regulamentação
A secretaria nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que coordena a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), informou que o colegiado vai publicar orientação para as redes públicas e privadas. O MEC também deve publicar guias com orientações para as escolas de todo o país.
Conforme entende Alceu Moreira, considerado o tamanho do país e a participação dos estados e municípios no sistema educacional, a aplicabilidade da lei dependerá, principalmente, da participação de toda a comunidade escolar, incluindo as famílias e a direção das escolas. “A lei é uma segurança jurídica, dá guarida para quem for executar. Hoje, se uma escola retirar o celular do aluno, ele não poderá, além de reclamar, ir à Justiça dizer que foi tirado, pois a lei estabeleceu as únicas exceções em que o telefone pode ser usado”, exemplifica.
Secretaria de Educação acompanhará aplicabilidade
Em Passo Fundo, o secretário de Educação, Adriano Canabarro Teixeira, reforça o compromisso com a aplicação da norma, ao mesmo tempo em que percebe a necessidade de acompanhar os efeitos junto à comunidade. “É importante que a gente reconheça também que muitos pais disponibilizam o celular para seus filhos para poderem, em caso de emergência ou dos filhos precisarem, fazer contato direto com eles. Acho que precisamos também um tempo da lei sendo executada para ver como é que isso vai acontecer com os pais e os estudantes”, afirma.
Conforme o secretário, na rede pública municipal, o uso do aparelho não se mostrou até então um problema, a ponto de exigir uma legislação local específica. “É importante lembrar que a gente fez em 2021 uma grande reformulação da internet das nossas escolas; todas têm internet de banda larga, com rede aberta para os alunos, e a gente nunca teve nenhum tipo de problema, por isso a gente não precisou regulamentar nada. É claro que, com a lei, ela vai ao encontro daquilo que nós já acreditamos ser a única forma acertada de utilização de smartphones nas escolas, que é com uma finalidade didático-pedagógica específica”, pontua.
“Tudo passa pela parceria entre família e escola”
Essa é a constatação do vice-diretor do Colégio Notre Dame Passo Fundo, Vanderlan Lima, ao analisar os resultados de um projeto-piloto implementado na instituição, que impôs regras para o uso do celular.
Segundo retoma, ainda em 2024, como uma “ação pontual”, todos os alunos dos sextos anos chegavam ao colégio e guardavam o smartphone num escaninho, onde os aparelhos ficavam armazenados até o meio-dia, quando poderiam ser retirados. A medida foi ampliada em seguida para os sétimos anos. “Foi muito positivo, e percebemos a diferença de postura, de comportamento e também do processo de aprendizagem dos alunos em sala de aula”, comenta.
A restrição para o uso de dispositivos eletrônicos em sala de aula, conta o vice-diretor, já é norma do colégio para as turmas até os quintos anos, “salvo, aí vale para toda a escola, mas principalmente para fundamental 2 e médio, quando solicitado pelo professor”, pondera, e, a exemplo do que tem na lei, por questões pedagógicas. “No nono ano, ensino médio, eles já têm os seus Chromebooks configurados com o nosso material didático, mas claro que há certas limitações com relação a redes sociais”, especifica.
Numa análise geral, Lima considera que a legislação nacional auxilia e funciona como um suporte legal. “Na maioria das vezes, temos o apoio e o aval das famílias, isso é importante, tudo passa pela parceria família e escola. Como sempre falamos: se o estudante estava com o smartphone em sala de aula num momento inadequado, eu pergunto antes de tudo de onde ele saiu com esse smartphone? Ele veio de casa, então se ele tem autorização da família para portar o dispositivo no colégio, em sala de aula, já tem um dos elos da corrente que se quebrou. Nós vamos sim fazer o nosso papel, a nossa parte enquanto educadores, mas nós temos que ter o apoio e o comprometimento e responsabilidade das famílias. É fundamental para que nós sejamos parceiros nesse processo de educação dessas crianças, jovens e adolescentes”, defende.