As eleições municipais deste ano ficaram marcadas tanto por mudanças desencadeadas pela pandemia do novo coronavírus, quanto pela vigência das novas regras eleitorais previstas na Emenda Constitucional nº 97/2017. Em vigor no pleito municipal pela primeira vez, o texto promove alterações, principalmente, nas disputas proporcionais. Isto porque veta às candidaturas de vereadores a possibilidade de coligação entre partidos, alterando o quociente partidário – parâmetro considerado no cálculo para distribuição das cadeiras no Legislativo.
Para entender como a distribuição funciona e de que forma ela é afetada pela mini reforma eleitoral, é preciso ter em mente que o Brasil possui dois sistemas distintos para cargos políticos: majoritário e proporcional. Neste ano, os municípios brasileiros tiveram eleições majoritária (prefeito e vice-prefeito) e proporcional (vereadores). No sistema majoritário, foi eleito aquele que obteve o maior número dos votos apurados. Já no sistema proporcional, para a composição da Câmara de Vereadores, os votos computados são de cada partido e, em segunda etapa, de cada candidato. Primeiro são conhecidos os partidos políticos vitoriosos (cadeiras obtidas) e, depois, entre os candidatos de cada partido, os mais votados são os eleitos. Para obter esse resultado aplicam-se os quocientes eleitoral e partidário.
O quociente eleitoral é a soma de votos válidos (excluindo brancos e nulos) divididos pelo número de cadeiras disponíveis no município. Somente partidos que atingem o quociente eleitoral têm direito a alguma vaga. No caso do quociente partidário, o índice é obtido dividindo-se o número de votos válidos conquistados por cada partido pelo número do quociente eleitoral. O resultado desse cálculo é o que indica o número de cadeiras a serem ocupadas.
Antes da vigência da mini reforma eleitoral, os partidos podiam optar por concorrer em uma mesma coligação, aumentando o quociente partidário da chapa e, assim, a chance de alcançar mais vagas para a Câmara. Com a vedação às coligações no pleito proporcional, somente os votos individuais de cada partido são levados em consideração para formar o QP.
Mas não é só isso. Após essa distribuição inicial, a sobra de vagas exige mais alguns cálculos para manter a proporcionalidade. Então se divide o número de votos válidos do partido pelo número de lugares obtidos mais um. O partido que alcançar o maior resultado assume a cadeira restante, respeitando a votação entre cada partido.
Quociente eleitoral
Para mostrar como foi a distribuição proporcional das cadeiras na eleição dos vereadores de Passo Fundo, o advogado Leandro Scalabrin fez uma análise dos números. Foram 99.520 votos válidos que, divididos pelo número de cadeiras (21), representa o quociente eleitoral: 4.739. Inicialmente, num primeiro cálculo, foram 12 eleitos pelo quociente.
Distribuição pela média
Já numa segunda etapa, ocorre a divisão das vagas restantes (nove), que foi calculada por média, ainda somente entre os partidos que atingiram o quociente. É importante entender que esse cálculo é feito por uma média e em cada uma das vagas da média é feito um novo cálculo. Para obter a média de votos por vaga de cada partido é utilizada a fórmula: soma de votos do partido divididos por (vagas obtidas por quociente + vagas obtidas por média +1). Para cada vaga por média esse cálculo é refeito. Por exemplo, na eleição em Passo Fundo, o primeiro eleito por média foi do PSC. O último partido a fazer uma vaga para a câmara, nessa eleição, foi o MDB.
Votação mínima
Leandro Scalabrin enfatiza que outra questão que mudou nessa eleição é a votação mínima por candidato para ser eleito, que é 10% do quociente eleitoral. Então, em Passo Fundo foram necessários 473 votos. Ninguém se elege para a Câmara com menos de 473 votos, mesmo que o partido obtenha os votos necessários. Um exemplo concreto, o primeiro suplente do PT fez 521 votos. Se o PT tivesse uma segunda vaga por média, mas esse primeiro suplente não tivesse feito 473 votos, o PT perderia a vaga.
Governabilidade
Conforme explica o advogado Leandro Scalabrin, as mudanças trazidas pela EC nº 97/2017 visam diminuir o número de partidos no Brasil, a fim de aprimorar a governabilidade. O argumento é de que o excesso no número de partidos políticos existentes no país prejudicaria a governabilidade tanto a nível estadual, quanto federal e local. “Mas o que vimos como resultado, nessa primeira eleição local, foi uma fragmentação maior dos votos. Ao invés de facilitar a governabilidade, a nível local, trouxe o resultado oposto. A tendência, porém, é que nas próximas eleições esse novo sistema cause uma diminuição no número de partidos”, analisa.
A razão para que, no caso das eleições proporcionais, o sistema não seja o voto direto a candidaturas avulsas, ainda segundo Scalabrin, é a busca pelo fortalecimento dos partidos políticos. “O eleitor vota na pessoa, mas a pessoa somente será eleita se o partido [ao qual ela é filiada] obtiver um número de votos necessários para aquela vaga. Isso é democrático porque você garante que cada vaga do Legislativo, aqui em Passo Fundo, represente no mínimo 4.739 eleitores, que votaram em candidatos de um partido com uma determinada ideologia”, explica.
Para ele, esse sistema é positivo para a democracia. “A democracia requer partidos políticos fortes, com vida ativa, participação e militância politica. A política tem que ser vista como algo positivo na nossa sociedade, para benefício do bem comum, e para isso precisamos de partidos políticos e da participação dos cidadãos na vida política”.