Um relato de quem esteve do outro lado da Batalha dos Aflitos

Seis anos após a partida mais histórica do futebol, torcedor timbu conta como foi o outro lado da história

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“Eu nunca tinha visto uma reação assim, os torcedores foram saindo do estádio em silêncio, sem entender o que tinha acontecido, ficamos sem reação”

Gustavo Melo poderia ser um torcedor comum de futebol como qualquer outro, mas não é. O motivo é bastante simples, um sábado a tarde. Mas Gustavo não é o único torcedor incomum, junto com ele existem milhares de torcedores que um dia resolveram torcer pelo Náutico.

Hoje, um sábado de sol, dia 26 de novembro de 2011, há seis anos atrás este mesmo sol aquecia um outro sábado, também 26 de novembro. Reconhece esta data? Gustavo também.

Inacreditável foi a palavra para resumir o que foi aquele sábado ensolarado do dia 26 de novembro, no Estádio dos Aflitos em Recife-PE. Para Gustavo não existe uma palavra só para resumir o que foi aquele sábado. Justo, o que você diria se estivesse lá, em Recife, nos Aflitos e pior, torcesse pelo Náutico.

Gustavo não conseguiu resumir em uma única palavra, como os gremistas fizeram, por isso eis aqui o relato de quem esteve do outro lado da Batalha dos Aflitos.

“Era a nossa vez”

Já tinha uma festa montada em Recife, pois além do Náutico, o Santa Cruz também estava jogando para subir a Série A. Então eram dois clubes de Recife com grandes chances de subir juntos e os jogos eram ao mesmo tempo, Náutico e Grêmio nos Aflitos e Santa Cruz e Portuguesa no Arruda, ou seja, Recife estava só esperando a festa, todos acreditavam que os dois iriam passar.

Eu me lembro de tudo, lembro que estava chegando ao Estádio e encontrei uma jornalista amiga minha na entrada, e eu perguntei se ela estava trabalhando ou se tinha ido ao Estádio apenas para ver o jogo, sendo ela torcedora do Náutico. Ela me disse que estava trabalhando, mas que ia torcer, este ano era a nossa vez...

(O Náutico foi terceiro colocado consecutivo da segunda divisão em 1996 e 1997 e permaneceu nela até 2006. Na época só subiam dois clubes)

 Quando entramos no Estádio era só festa, eu fiquei na arquibancada bem enfrente ao meio de campo.  O estádio estava lotado e no meu lado oposto, bem na minha frente, tinha o espaço dedicado a torcida do Grêmio, devia ter umas 200 ou 300 pessoas lá no máximo.

Começou o jogo...

Eu lembro de cada detalhe. O Grêmio jogava pelo empate, o Náutico precisava vencer. O primeiro tempo foi bem equilibrado, mas teve o pênalti, isso todos já sabem, o infeliz foi lá e bateu na trave, eu lembro bem, foi na trave direita. Bom, ainda era primeiro tempo, nós ainda estávamos muito confiantes, tinha o segundo tempo inteiro pela frente...

“É nossa, é nossa!”

O segundo tempo foi praticamente igual nos primeiros minutos, bem equilibrado. Até que mais ou menos aos 30 minutos, eu lembro que o Kuki vem com a bola e chuta dentro da área, ai a bola bate em um jogador do Grêmio (Nunes) e o árbitro marca pênalti. Foi o que bastou para acontecer a confusão. Eu lembro que o time inteiro gremista foi para cima do juiz. (Foi pênalti?) É difícil dizer, mas eu confesso que foi um pênalti duvidoso, afinal o jogador estava com o braço junto ao corpo.

A gente ouvia o andamento do jogo do Santa Cruz no estádio, então os jogadores do Grêmio sabiam que um pênalti contra era o fim. Eu vi os jogadores enlouquecidos dentro de campo, chutando o juiz, inconformados, o jogo deve ter ficado parado uns 25 minutos. O juiz expulsa o primeiro, ai a gente já tava comemorando. Eu lembro do Sandro Goiano chutando o juiz, depois outro jogador ficou cavoucando a marca do pênalti e tudo mais e então foi a fila de cartões vermelhos, um, dois, três, pronto, menos quatro jogadores e um pênalti pra gente, a torcida foi a loucura e o Grêmio também. Eu realmente achava que eles iriam abandonar o jogo. Era jornalista, polícia, equipe técnica dentro de campo, todo mundo. Vi um jornalista abraçar o Kuki, como quem diz “Agora a gente sobe!”

“Galatto defendeu de joelho”

A polícia e a comissão técnica do Grêmio controlaram os ânimos, mas a arquibancada pulava. Lá no Arruda o Santa Cruz já tinha ganhando, o jogo havia terminado, e certamente o Náutico ia fazer o gol, o pessoal do Arruda estava ainda no estádio esperando o resultado do pênalti, me lembro também que o Kuki não foi bater, deve ter ficado com medo, ai outro bateu e bateu muito mal, chutou o chão, mandou a bola no meio do gol, o Galatto defendeu de joelho. Tá, que horror, mas vamos pensar, ainda está 0 a 0 e tem mais uns 10 minutos de jogo, eles estão em sete jogadores. Beleza, ainda dá. Então depois do pênalti o cara bate o escanteio e tal, falta, Batata expulso, todo mundo sabe o resto...

 “Como assim gol do Grêmio?”

O que dava pra ouvir era uma gritaria imensa, mas abafado, do outro lado do estádio, onde estava a torcida do Grêmio. Eu acompanho o Náutico sempre e me lembro de outras vezes que a gente chegou no quase para subir, a torcida reagia de forma violenta, xingando, quebrando tudo. Dessa vez não teve reação, a torcida foi saindo do estádio em silêncio, parecia uma marcha fúnebre, muito triste. Absurdo. Na hora a gente não entendeu direito, a gente dizia ”O que foi? Foi falta? Não já bateu, foi gol do Grêmio. Como assim gol do Grêmio? Não era falta?”. Absurdo. O restante do jogo foi lamentável. Fiquei com pena dos jogadores, estavam perdidos, não tinha mais como jogar. Os seis jogadores do Grêmio ficaram na zaga, só rebatendo qualquer bola que chegasse.

Amigos meus torcedores do Santa Cruz que estavam no Arruda, disseram que os jogadores do Santa Cruz estavam já comemorando o título, fazendo volta olímpica, quando souberam do pênalti para o Náutico. Ai todos ouvindo o jogo lá, o narrador atrapalhado durante o pênalti disse “Correu, bateu e é gol!”, nesse momento o estádio no Arruda vibrou, estavam torcendo pelo Náutico, então o narrador corrige “Não, Galatto defendeu!”, nisso os torcedores no Arruda nem escutam e estão lá comemorando o título, quando o narrador novamente grita o gol do Grêmio. Ninguém entendeu mais nada. Essa situação foi engraçada e até ridícula para o Santa Cruz que já estava comemorando o título, que agora era do Grêmio.

“A tragédia foi completa”

Quando fui para casa, estava segurando o ingresso e meu primo me disse “põe isso fora, para que vai guardar isso?”, então eu joguei fora. Na terça-feira, três dias depois, vim para Passo Fundo em definitivo. No sábado seguinte estava sendo reprisado o jogo na televisão. Eu assisti novamente para ver o que os comentaristas tinham falado do jogo e torcer para que daquela de repente o cara acertasse o pênalti, mais uma frustração. Dias depois fui a Porto Alegre visitar uns amigos e um gremista me ofereceu R$ 1.500 pelo ingresso que joguei fora. A tragédia foi completa.

Ficha técnica

26 de novembro de 2005

Náutico

Rodolfo

Bruno Carvalho

(Miltinho)

Tuca

Batata

Ademar

Cleisson

Tozo

(Betinho)

David

(Romualdo)

Danilo

Kuki

Paulo Matos

Técnico: Roberto Cavalo

Grêmio

Galatto

Patrício

Domingos

Pereira

Escalona

Nunes

Sandro Goiano

Marcelo Costa

Marcel

(Anderson)

Marcelo Lipatin

Ricardinho

(Lucas)

Téc: Mano Menezes

Árbitro: Djalma Beltrami

Auxiliares: Hilton Rodrígues (Fifa/RJ) e Carlos Enrique de Lima (RJ).

Único jogador que ainda está no Grêmio: Marcelo Grohe

 

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