Dentro do Mané Garrincha, em meio a tantas cores, tantos chapéus, tantos rostos pintados e tantas bandeiras, o brasiliense José Aurélio Oliveira, 48 anos; o mineiro Joaquim Fabiano Braga, 62; e o cearense Nilson Cordeiro dos Santos, 45, não chamavam muita atenção. Afinal, eles estavam discretamente vestidos, não ostentavam as cores de nenhum time ou da Seleção Brasileira e também não carregavam nenhum adereço extravagante.
Mas o fato é que os três eram, sim, torcedores muito especiais. Eles faziam parte de um grupo de sete pessoas com comprometimento visual que vieram ao estádio sentir de perto a emoção da Copa do Mundo e acompanhar o duelo entre Suíça e Equador tendo, para isso, o auxílio do projeto de narração audiodescritiva implantado pela FIFA para a Copa do Mundo no Brasil.
Nele, 16 voluntários foram treinados para narrar as partidas do Mundial em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo de uma forma especialmente voltada para as pessoas com comprometimento visual que forem ao estádio na Copa do Mundo.
Sentados atrás do gol do Equador no primeiro tempo, o grupo não escondia a felicidade. E certamente eles sentiram uma energia muito positiva quando, aos 11 minutos de jogo, a primeira “ola” da Copa do Mundo em Brasília percorreu as arquibancadas levando consigo um som contagiante por onde passou.
Eles também puderam sentir algo parecido quando o Equador abriu o placar, com Enner Valencia, aos 21 minutos do primeiro tempo. O som da alegria dos equatorianos nas arquibancadas encheu o Mané Garrincha, assim como ocorreu quando Mehmedi igualou o placar, aos 2 minutos do segundo tempo, e Seferovic virou para a Suíça aos 47 minutos.
Discretamente sentado e com um fone de ouvido a lhe guiar a imaginação, José Aurélio Oliveira, 48 anos, um santista que perdeu a visão há cinco anos em decorrência de complicações geradas pela diabetes, voltava a um estádio pela primeira vez desde que a cegueira entrou em sua vida.
“Estou muito feliz por participar de um evento como esse, uma Copa do Mundo no Brasil”, comemorou. “Depois que perdi a visão nunca mais tinha vindo a um estádio e essa narração audiodescritiva permite uma experiência inédita, não só para mim, mas para quem já nasceu sem a visão. Terem tido essa preocupação na Copa do Brasil fez a gente se sentir muito valorizado”, elogiou José Aurélio.
“Eu me sinto mais integrado com as pessoas que enxergam e me sinto emocionado por poder participar de um jogo da Copa do Mundo. Gostei muito do projeto. Por mim foi muito bem-vindo e tenho certeza de que será aceito por todos os colegas deficientes visuais”, ressaltou Joaquim Braga, que é cego de nascença.
“Sei que participar de uma Copa do Mundo é uma oportunidade única na vida de muita gente e por isso estou muito feliz por estar aqui”, completou Nilson dos Santos, que perdeu parte da visão depois de sofrer uma alergia a um medicamente quando tinha apenas 5 anos e hoje tem praticamente toda a visão comprometida.
Do trio, José Aurélio era, portanto, o que tinha mais condições de resgatar as lembranças da época em que enxergava e via partidas de futebol nos estádios. Assim, ele viajou em sua mente e fez uma descrição que se mostrou perfeita sobre como imaginava que o Mané Garrincha estava na primeira partida da Copa: “Pelo o que eu acompanhei, o estádio está lotado e muito colorido com torcedores da Suíça, do Equador e também com muitos brasileiros que, tenho a impressão, devem ser mais numerosos do que os dos dois times.”
Emoção dos narradores
O projeto da narração audiodescritiva não emocionou apenas quem ouvia a transmissão dos lances da partida entre Suíça e Equador. Os estudantes de jornalista Pedro Paulo Borges e Ana Freire voltaram para casa com um sentimento de muita felicidade após terem trabalhado para narrar o jogo especialmente para as pessoas com comprometimento visual. Leia uma matéria especial com a preparação de Pedro Paulo para a narração.
“Estava um pouco nervoso no começo, com alguma ansiedade, mas ao final tudo acabou dando certo. Ter narrado três gols de uma Copa do Mundo foi algo muito especial para mim. Somos os olhos deles no estádio e nosso desafio é passar tudo o que acontece na partida com mais detalhes possível”, declarou Pedro Paulo.
“Fazer uma narração audiodescritiva é difícil. Temos que nos preocupar com detalhes que em geral as pessoas que enxergam não dão muito valor, como, por exemplo, falar sobre a cor dos uniformes das seleções. Mas o que eu posso dizer é que fiquei muito feliz. Foi uma experiência impagável e que eu nunca vou me esquecer”, concluiu Ana Freire.
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