As mesmas cores do uniforme da seleção do Senegal, classificada para a Copa do Mundo na Rússia, em 2018, foram defendidas no campeonato municipal da segunda divisão de Passo Fundo pelo segundo ano consecutivo. Formada exclusivamente por senegaleses, a equipe saltou do terceiro lugar, conquistado na primeira participação, para o título na fase de bairros em 2017. A Segundona envolve 45 equipes divididas em cinco bairros.
Apontada como a sensação do campeonato e favorita para chegar à grande final no confronto com os campeões de outras regiões da cidade, o time verde, amarelo e branco, acabou eliminado nos pênaltis no primeiro mata-mata diante do Palmeiras da Vera Cruz, na semana passada.
Os senegaleses começaram a chamar atenção das outras equipes após a campanha na primeira fase do campeonato no bairro São José. Das sete partidas disputadas, perderam apenas uma. Considerado o mais experiente do grupo, Pape Indiaye, 35 anos, fez questão de justificar a derrota. Segundo ele, o time jogou desfalcado porque parte do elenco viajou no dia do jogo para vender mercadorias em uma feira, na região central do Estado. Na final, já com o time completo, o Senegal não tomou conhecimento do tradicional Botafogo, do bairro Petrópolis, e aplicou uma goleada de 6 a 2.
Eliminatória
O primeiro mata-mata da segunda fase estava marcado para às 14h, de domingo, na Arena do Gaúcho. Os 30 senegaleses inscritos na competição, incluindo moradores de cidades vizinhas, como Tapejara, Não-Me-Toque e Carazinho, se dividiram. Uma parte seguiu direto para o estádio, enquanto outra preferiu se reunir nos cruzamentos da avenida Brasil, com a Bento Gonçalves. Cerca de uma hora antes, o motorista Oscar Rota, 50 anos, proprietário de uma van, contratado para levar o time, estacionou no local. “Conheci um deles durante um curso de transporte coletivo e ficamos amigos. Desde o ano passado carrego o time. Eles mesmos definem o valor que acham justo e me pagam. São muito pacíficos” comenta o motorista.
Acomodados nas cadeiras sociais do estádio, momentos antes do jogo, o grupo analisava o gramado e comemorava o sol forte. “Quanto mais quente, melhor para nós”, projetava Mansur, 27 anos. É ele quem cuida da parte burocrática do time, como inscrição, sorteio das chaves, cartões, e outros assuntos relacionados.
Próximo a ele estava Mame Moro, 27 anos, goleador da equipe com sete gols. O atacante havia chegado de Carazinho minutos antes para o confronto. Questionado sobre a expectativa do jogo, disse que marcaria mais dois gols naquele domingo.
'O futebol está dentro do meu coração'
Já dentro do vestiário, quem comandava era o técnico Osmani Diop, 27 anos, os últimos quatro deles vividos no Brasil. Morador de Carazinho, onde trabalha como soldador numa empresa, Diop é descendente de uma família de jogadores no Senegal. Ele contou ter atuado como profissional em seu país e revelou o motivo da mudança para o Brasil. “Vim aqui por causa da Copa do Mundo de 2014. Cheguei um ano antes, mas os ingressos estavam muito caros. O futebol está dentro do meu coração”. Ainda em condições de jogar, Diop optou em ser o técnico para organizar e decidir qual deve ser o time titular.
Enquanto os jogadores se fardavam, ele discorria sobre sua estratégia na língua wolof. Sem os tradicionais gritos de incentivos que acontecem dentro do vestiário, falou calmamente por cerca de 20 minutos. Uma das poucas palavras compressíveis era quando mencionava o termo mata-mata. No gramado, momentos antes de o juiz apitar o início da partida, Diop revelou um trecho de sua preleção. “Pedi para analisar o adversário durante os primeiros 10 minutos, depois fazer nosso jogo”.
Fazer o ‘nosso jogo’ no caso, é aproveitar a velocidade e a resistência física dos senegaleses e empurrar o adversário para dentro do próprio gol. E foi exatamente o que aconteceu. O time começou a pressionar, mas pecava nos erros de passes e na pressa em abrir o placar. O primeiro tempo já se aproximava dos 40 min, quando o atacante goleador resolveu começar a cumprir a promessa. Mame Moro recebeu na entrada da área, ajeitou para a perna esquerda e bateu forte, no ângulo direito do goleiro. Com trajes típicos, torcedores vibraram nas arquibancadas e soltaram o grito “É Senegoool”.
Decepção nos pênaltis
No segundo tempo, o Palmeiras, que já perdia o jogo, ainda teve um jogador expulso. A vitória e a vaga para a próxima fase estavam se encaminhando para os senegaleses, mas o time da Vera Cruz, além de suportar a pressão, teve forças para chegar ao empate e levar a decisão para os pênaltis. Na segunda cobrança, um jogador de Senegal acertou o travessão e desperdiçou. Com aproveitamento de 100%, o Palmeiras venceu por 5 a 4 e seguiu adiante.
Apesar da experiência, um dos mais abatidos pela derrota, era Pape Indiaye. O meia, que atuou no futebol profissional de Senegal por cerca de 20 anos, lamentou ter sido substituído quando o time vencia e dominava o jogo. Morando em Passo Fundo há quase três anos, ele diz que a principal dificuldade é encontrar um lugar para treinar. “Já jogamos em vários lugares. Pagamos uma quadra. Ano que vem vamos disputar de novo”, projeta.