Desta vez a bandeira quadriculada não marcou mais uma vitória em prova automobilística. Na terça-feira, 07 de novembro, Newton Fauth Vargas recebeu a última bandeirada e não ultrapassou um câncer que lhe afetava há um bom tempo. Aos 75 anos, estava hospitalizado em Gurupi, no Tocantins, onde seu corpo foi sepultado. Deixou a atual esposa Ana Lúcia, e os filhos Marcelo “Keo” (já falecido), Rafael, Luiza, Juliana e Rafaela. Filho de tradicionais famílias de Passo Fundo, Newton foi agropecuarista e dedicou sua vida às lavouras em Passo Fundo e no Tocantins. Ainda jovem, no início dos anos 1970, teve um brilho excepcional no automobilismo. Onde houvesse cheiro de gasolina e fumaça de pneus era conhecido como Niltão ou Coronel, apelidos bem adequados para reverenciar um sujeito imbatível nos quilômetros de arrancada.
Os quilômetros de arrancada
No final dos anos 1960 e início dos 70, o automobilismo migrava dos circuitos de rua para as retas urbanas, enquanto os autódromos ainda engatinhavam. Foi a transição do período das lendárias carreteiras para os automóveis que entravam no mercado: Fusca, DKW, Gordini, Simca, Opala, Corcel etc. Os circuitos urbanos e as estradas ficavam cada vez mais perigosos para correr. Então surgiram os Quilômetros de Arrancada, modalidade que exigia uma reta de 1.000 metros e uma boa área de escape. Virou febre. Havia categorias por cilindradas, tipo de veículo e a chamada força-livre, a cereja do bolo das provas. Em Passo Fundo a disputa era na Petrópolis. “Com a chegada do asfalto na Brasil, largavam ali dos Correios de hoje e a chegada era perto de onde estão os Bombeiro no início da descida”, lembra Paulo Roberto Magro, que à época corria com um Ford Corcel. Paulo Quadros Santos, o Mendrujo, participava da Associação Automobilística de Passo Fundo, que promovia as arrancadas. “O difícil era parar na descida, pois o asfalto ia apenas até a FNM e depois era paralelepípedo”, conta.
O mito do número 9
Ao volante do Fusca número 9, um jovem de Passo Fundo era respeitado pelo público e temido pelos adversários. Niltão Vargas também corria de kart, mas escolheu a disputa em linha reta para brilhar. “Ele investiu. Vinha peças importadas. Ele e o Moacir Cabeda tinham carros bem preparados. Mas o do Niltão era top de linha”, concluiu Magro. O resultado não poderia ser outro: não tinha para ninguém e o famoso “9 de Passo Fundo” era atração no sul do país. Assim como o Fusca da Disney, o nove também não falava. Mas arrancava suspiros do público por onde corria. Foi assim em Santa Maria, Erechim, Chapecó, São Miguel do Oeste, Gravataí, Guaporé e por onde houvesse uma prova. “Eram tantos troféus lá em casa que a minha mãe teve que realoca-los, pois não havia mais espaço”, conta orgulhosa a filha Juliana Schaffer Vargas. Quantos troféus? “Não sei. Mas, com certeza, mais de cem”, concluiu.
Um Fusca bem preparado
O motor do número 9 é outra lenda. Foi preparado por Ezequiel Pellegrini, o Zica. Depois do sucesso com o motor do carro do Coronel, sua oficina recebia encomendas de vários locais. Mas, verdade seja dita, nunca mais saiu dali um outro quatro cilindros com tanta potência. Piloto da época e dirigente do automobilismo, Carlos Gilberto Pretto Martins lembra de alguns detalhes. “O comando de válvulas e o virabrequim foram roletados pela Retificadora Susin Francescutti de Caxias do Sul. Depois, passou pelo Magnaflux nas oficinas da Varig. A alimentação era com quatro carburadores Weber (italianos), a tampa de válvulas era aletada, a descarga dimensionada e tinha um radiador de óleo. Usava rodas aro 13 com pneus Cinturato da Pirelli”, recorda Carlos ‘Balão’ Martins.
Um foguete
O pequeno fusca de Niltão se metia em briga de gente grande, pois corria na força-livre. “O nove era um foguete. Acelerava na largada contra Opala 6 cilindros ou Dodge 8 cilindros. Os grandes até se recuperavam, mas no final dava o Fusca do Newton. Não teve outro igual no estado. Não me lembro”, disse Paulo Mendrujo. Querem números? Carlos Martins recorda que o lendário 9 fazia os 1.000 metros em menos de 18 segundos. “Era bonito de ver. Chacoalhava na largada, batia a segunda enquanto os outros (Opala/Dodge) ficavam patinando e quando se recuperavam já era tarde. Nem mesmo um oito cilindros do Breno Fornari com oito carburadores conseguiu pegar o 9”, completou.
Meu campeão
“No dia do meu aniversário a primeira ligação que recebo foi a notícia do falecimento do meu pai. Uma tristeza imensa tomou conta de mim, mas no decorrer dos dias fui aceitando e sentindo a presença dele, uma presença de paz! Para muitos Coronel, para outros Niltão ou Vargas. Para mim, meu querido pai. É, chegou a hora de desacelerar e descansar meu campeão”.
(Juliana Schaffer Vargas)