Na abertura da Conferência Internacional Memória, Direitos Humanos e Reparação, na manhã desta quarta-feira (2), o governador Tarso Genro defendeu de forma veemente a revisão da Lei da Anistia, para que possa ser feita justiça em relação aos responsáveis pelos assassinatos e torturas ocorridos durante a ditadura militar. Para o governador a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve a anistia para assassinos e torturadores, em 2010, foi “uma decisão vergonhosa, que contraria todo o direito humanitário, o direito internacional e o bom senso”.
Tarso não tem dúvidas de que o STF será obrigado a se manifestar novamente sobre o tema e mudar sua interpretação da Lei da Anistia, de 1979. O Brasil, inclusive, foi depois condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que emitiu sentença exigindo a revisão da impunidade dos criminosos da ditadura. Também há vários processos em primeira instância, disse o governador, como no caso do atentado ao Riocentro, movido pelo Ministério Público Federal, que chegarão ao Supremo, onde o alcance da anistia terá de ser novamente discutido pelos ministros.
Juntamente com o governador, participaram da abertura da conferência, que integra a programação da Semana da Democracia no Memorial do Rio Grande Sul, o secretário-executivo do Instituto de Políticas em Direitos Humanos do Mercosul, Victor Abramovich, e o secretário de Direitos Humanos do Uruguai, Javier Miranda. Na mesma ocasião, foi assinado por Tarso Genro o tombamento da Ilha do Presídio, onde muitos prisioneiros políticos ficaram detidos durante a ditadura.
Prestação de contas
O governador disse que aproveitaria a ocasião para prestar contas do seu trabalho nesta área como ministro da Justiça, cargo que exerceu de2007 a2010. Lembrou que, imediatamente após assumir o Ministério, modificou o conceito de anistia, que era considerado um perdão do Estado aos que cometeram determinados delitos. “Nós invertemos e dissemos: o Estado pede desculpas, o Estado pede perdão; invertemos dessa forma toda a tradição jurídica que se plasmou no Estado brasileiro, da concepção que colocava a anistia como a generosidade que o Estado assumia em função de delitos que foram cometidos contra o Estado, nós fizemos o contrário e plasmamos essa doutrina em diversos documentos no Ministério da Justiça”, ressaltou.
Ele também destacou a institucionalização e a promoção das Caravanas da Anistia, lembrando especialmente a ida ao local da guerrilha do PC do B, em Xambioá, quando foi assinada a anistia aos guerrilheiros e mateiros que foram envolvidos na repressão. Outro momento muito importante e muito tenso, acrescentou, foi a sessão no Ministério da Justiça com especialistasem Direitos Humanosque definiu a posição oficial de que a Lei de Anistia não se aplica a assassinos e torturadores do regime pós-1964.
Não foi pedido o julgamento de nenhum ex-ministro ou de nenhum chefe militar, reessaltou o governador, mas de quem cometeu crimes comuns brutais, que são considerados imprescritíveis pelo direito humanitário internacional. No entanto, “com o argumento cínico de que a anistia era ampla, geral e irrestrita”, recordou, o STF, tendo como relator o ministro Eros Grau, sustentou que a anistia também se aplica aos que cometeram os crimes mais hediondos da ditadura.
“Essa ainda é uma tarefa inconclusa, porque o STF cristalizou uma jurisprudência altamente condenável, do ponto de vista jurídico, do ponto de vista político e do ponto de vista mais amplo do direito humanitário. Mas isso também está mudando, já temos decisões (em primeira instância) que vão no sentido contrário a essa visão e não tenho a menor dúvida de que o STF vai ter de julgar novamente essa questão em cima de casos concretos”, disse Tarso.
Para o governador, a pior reação contra todas as ações que desenvolveu em relação ao tema da ditadura militar no Ministério da Justiça não veio dos meios militares. Quem reagiu de forma mais brutal, além de militares da reserva vinculados ao antigo regime, foram a direita civil e a direita midiática, que não queriam que se falasse sobre isso, que se abrisse a memória histórica, e que não queriam que se discutisse sequer as responsabilidades pelos crimes da ditadura militar. “Certamente porque estavam comprometidos com esses processos naquela época, em função da grande aproximação que tinham com a ditadura militar”, definiu.
A programação da Semana da Democracia prossegue até sábado (5), sempre no Memorial do Rio Grande, onde passou a funcionar também, desde terça-feira (1º.) o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul.