Os produtores deverão ser mais cautelosos com a safra de inverno, investindo em variedades de trigo de menor custo de produção, mas que possam garantir uma boa produtividade, mesmo que a qualidade não seja a exigida para panificação. A perspectiva climática aponta condições favoráveis para o cereal nesta safra que se inicia em breve. Além disso, houve um aumento no preço mínimo do cereal. Nem esses fatores positivos fazem com que os produtores apostem mais fortemente na cultura. A análise é do corretor e sócio-diretor da New Agro Commodities, Gean Kuhn. Confira a entrevista:
O Nacional - O aumento da demanda por trigo voltado à produção de ração tem tido muita influência no mercado do grão?
Gean Kuhn - Com a diminuição da área plantada de milho, em torno de 30%, no estado no último ano, notamos que a commodity esta hoje no maior patamar de preço da história. Isso se deve pelo fato de que, além de a produção gaúcha que foi de 4,8 mi/ton não chegar para suprir o consumo interno (aproximadamente 6 mi/ton), uma grande parte do que foi colhido, destinou-se para exportação, o que acarretou em um aumento considerável no custo de produção. Uma alternativa que está sendo usada é a substituição de parte do milho por trigo. Em tese o grão serviria apenas para alimentação humana, mas, por motivos econômicos, grãos de qualidade inferior ou subprodutos de seu processamento industrial tem sido destinado à alimentação animal. Entretanto, o fator preço aliado à composição nutricional, pode tornar o emprego de trigo de boa qualidade na alimentação animal viável e vantajoso.
O uso na alimentação de suínos e aves se constitui em mais uma opção de comercialização e uma alternativa ao produtor para baratear os custos com a alimentação animal. Considerando que o trigo não compete com o milho em relação à infraestrutura produtiva da propriedade, torna-se economicamente viável integrá-lo num sistema de produção com milho e outros nutrientes. Porém, por mais que o trigo barateia o custo de produção, ele não pode substituir em 100% o milho, pois a energia metabolizável é 10% inferior, apesar de a energia digestível, ser compatível com o milho.
ON - Como isso deve refletir na próxima safra?
GK - Apesar de uma nova forma de comercialização para o trigo no mercado, o produtor não olha o cereal com bons olhos. Tradicionalmente a cultura é extremamente arriscada, principalmente, por não termos um clima de inverno padrão. Na última safra, somente no Rio Grande do Sul, tivemos uma quebra de aproximadamente 50% no cereal, sem contar que o grão extraído das lavouras gaúchas era de péssima qualidade.
Para este ano, as previsões meteorológicas indicam que o fenômeno El Niño deva trazer chuvas entre abril e junho, época de plantio do cereal, e, nos restantes dos meses de inverno, muito frio e seco. O clima se desenha ideal para a cultura, mas nem por isso, produtores estão correndo atrás de sementes tecnologicamente indicadas para plantio. Segundo analistas, a área de trigo deve reduzir aproximadamente 10% em relação ao ano passado, tendo como fatores principais, o alto custo de produção e o alto risco climático, mostrando que, apesar de poder destinar o cereal tanto para consumo humano quanto animal, não são fatores que norteiam o produtor na hora de decidir o que plantar nas culturas de inverno.
ON - Além disso, o aumento do preço mínimo para o trigo classe I tipo pão deve influenciar de que forma na área a ser cultivada e na tecnologia empregada na lavoura?
GK - Na última semana, tivemos reajuste do preço mínimo para o cultivar que passou dos R$ 34,98 para R$ 38,65 a saca de 60 kg de trigo pão tipo 1, com isso, o governo tenta incentivar o plantio do cereal e balizar o mercado para que os produtores não corram riscos ainda maiores, uma vez que, o cereal é bastante suscetível ao clima. Contudo, não se percebe uma busca por tecnologias melhoradoras para o plantio, nem em qualidade de semente e nem em adubação. O que se percebe é que o produtor está buscando plantar variedades que não são tão custosas e que possam trazer um bom rendimento produtivo, por mais que não tragam a qualidade exigida por moinhos para panificação.
ON - Que outro fator pode impactar na questão preço final do Trigo?
GK - Hoje, estamos passando por momentos de mudança na questão comercial de trigo, além do aumento no preço mínimo do cereal, no início de 2016, tivemos a queda do governo de Cristina Kirchner na Argentina e a entrada de Maurício Macri que reduziu os impostos para exportação, reiterando as negociações do cereal com o Brasil, que logo de cara, trouxe mais de 150 mil toneladas do cereal no primeiro mês e não parou mais. Hoje, os estoques mundiais então bastante altos, mas no mercado interno, além de não possuirmos volumes que supram a nossa necessidade, não possuímos a qualidade exigida para panificação, por isso temos que importar trigo do país vizinho e dos EUA.
ON - Como o mercado deverá reagir a essas situações do mercado e como isso deverá influenciar a lucratividade do produtor?
GK - Como o mercado interno brasileiro encontra-se com estoques bem abaixo do desejável, os moinhos estão pagando preços, consideravelmente, altos para volumes de trigo disponível. Há alguns negócios saindo de trigo para entrega na próxima safra com tradings, mas com valores bem abaixo do desejável pelo produtor, o que não chega a ser um incentivo para o plantio do cereal. Como nos dias de hoje, a informação está chegando mais fácil para o empresário do agronegócio, estão sendo muito analisados o custo de produção e a comercialização antes mesmo de plantar. Hoje essa conta está fechando negativa e o produtor irá plantar com um custo de produção bem baixo para não ter surpresas no momento da comercialização.
ON - Qual o panorama que se desenha para esta safra no Brasil e países do Mercosul?
GK - Para a nova safra de trigo no Mercosul, a possibilidade de colhermos uma boa safra é muito grande. A expectativa é de colhermos mais de 25 mi/tons, um aumento de quase 30% do volume que colhemos este ano que foi de 17,7 mi/tons. Isso se dá, pelo provável clima favorável no desenvolvimento da cultura. Com isso, perceberemos uma provável redução nos preços de trigo, uma vez que o mercado interno se abastecerá e conseguirá trabalhar com margens financeiras menos apertadas. Este é outro fator que não traz muito incentivo ao produtor quando a assunto é melhorias tecnológicas.
Produtores mantém cautela
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