No próximo domingo, 12 de junho, instituições ligadas ao mundo do Trabalho e sociedade em geral celebrarão o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Diversas ações serão realizadas com o objetivo de conscientizar a população quanto a esta chaga social. Em Porto Alegre, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, associado a outras instituições que combatem o trabalho infantil, fará evento no Parque Farroupilha (redenção), com distribuição de materiais e atividades direcionadas às crianças e público em geral.
Longe de representar um problema insignificante na sociedade brasileira, o panorama do trabalho infantil mostra que, ao contrário, milhares de crianças e jovens submetem-se ao trabalho em idade proibida por lei. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014 e com resultados divulgados no fim de 2015, cerca de 70 mil crianças com idade entre 5 e 9 anos estão trabalhando, o que representa 0,5% do total de pessoas nessa faixa etária.
Esse número tem crescimento relevante no grupo de crianças com idade de 10 a 13 anos, em que a pesquisa encontrou 484 mil trabalhadores (3,9% do total nessa faixa etária). Mas apresenta aumento ainda mais significativo no grupo posterior, em que 852 mil adolescentes com 14 e 15 anos trabalham (12% do total na faixa de idade).
Quase metade (45,6%) dos trabalhadores da primeira faixa etária não são remunerados, e 19,1% trabalham no âmbito doméstico. Os quantitativos se alteram para o grupo seguinte: 67% dos trabalhadores com 14 e 15 anos são domésticos, e 17,1% ganham algum tipo de remuneração.
Cenário gaúcho
No Rio Grande do Sul, a PNAD demonstrou que 212 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham. Desses, cerca de 61 mil foram encontrados em atividades agrícolas. Na faixa etária entre 5 e 9 anos, 2 mil crianças trabalham, metade em atividade agrícola e metade na zona urbana. Já no grupo incluso na faixa de idade de 10 a 14 anos, foram detectados 55 mil trabalhadores, com predominância de ocorrências na zona rural (60%). No grupo posterior (15 a 17 anos), entretanto, o predomínio ocorre na zona urbana (82,6%, de um total de 155 mil trabalhadores).
Os dados do IBGE referentes ao Rio Grande do Sul, entretanto, podem não revelar com precisão a quantidade de crianças e adolescentes que trabalham de forma irregular, porque o recorte regional da pesquisa contempla faixas etárias até os 17 anos de idade. A partir dos 16 anos, o trabalho é permitido, embora com restrições. Então, ao incluir estes trabalhadores na faixa de pesquisa, a PNAD não demonstra com clareza o que seria trabalho irregular e o que seria atividade legalizada e possível de acordo com a legislação. Não existe, no Brasil, uma base de dados específica sobre trabalho infantil. Algumas estatísticas são obtidas pelo cruzamento de dados do Ministério do Trabalho e da Previdência Social com dados de evasão escolar ou do Censo Agropecuário, também realizado pelo IBGE.
Segundo a juíza auxiliar da Presidência do TRT-RS e uma das gestoras nacionais do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Tribunal Superior do Trabalho, Andréa Saint Pastous Nocchi, um aspecto que deve ser ressaltado no caso gaúcho é o significativo número de trabalhadores em atividade agrícola. Para a magistrada, o fenômeno está relacionado, dentre outros fatores, a questões culturais muito presentes, por exemplo, em locais de colonização italiana e alemã, em que existe a ideia comum de que é melhor que crianças trabalhem do que fiquem sem atividade ou "na rua".
Mas este mito a respeito do trabalho infantil, conforme a juíza, não é exclusividade das zonas agrícolas gaúchas, sendo generalizado por toda a sociedade brasileira. "Diversos estudos já demonstraram que isso não é verdade, porque o trabalho infantil traz muitos prejuízos para os futuros adultos, ao impedir o desenvolvimento normal de aspectos sociais e emocionais, cuja definição ocorre justamente na infância e na adolescência", destaca.
Trabalho infantil e Justiça
Ainda de acordo com a magistrada, a Justiça do Trabalho tem atuado em conjunto com outras instituições, como o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, no sentido de conscientizar a população quanto aos males causados pelo trabalho infantil. Segundo ela, ações trabalhistas a respeito do tema ainda são raras, porque nem sempre é possível identificar claramente quem são os exploradores do trabalho de crianças e adolescentes. "Existem as terceirizações, muitas vezes quarteirizações, que impedem uma definição clara de quem explora. No âmbito doméstico, também existe a dificuldade em identificar atividades que podem ser consideradas trabalho e as que são tarefas normais, de ajuda aos familiares", explica. "A invisibilidade que ocorre na sociedade em geral em relação ao trabalho infantil também é uma dificuldade para os próprios juízes do Trabalho", lamenta.
Combate articulado
A mesma avaliação foi feita pelo auditor do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, Roberto Padilha Guimarães, em palestra recente proferida na Escola Judicial do TRT-RS. Segundo ele, do ponto de vista da fiscalização, é mais fácil quando existe empregador definido, uma empresa ou uma pessoa física que explora o trabalho. Mas quando o trabalho é realizado por conta própria, ou no âmbito familiar, o combate se torna "muito complicado".
Entretanto, independentemente da situação encontrada, conforme Guimarães, todas as ações de erradicação do trabalho infantil devem ser articuladas entre todos os órgãos responsáveis, porque cada um possui papeis diferentes. "O auditor pode autuar, mas não pode prender o explorador ou recolher o menor para casas de acolhimento. A polícia é que pode prender, o conselho tutelar pode recolher", exemplificou. "Não existe ação eficaz sem articulação entre todos os envolvidos", ressaltou.
Na avaliação do auditor, as ações de combate ao trabalho infantil devem ser planejadas a partir de premissas bem claras. Em primeiro lugar, é necessário ter ciência de que existem diferentes tipos de trabalho infantil, cada um com suas especificidades. Em segundo lugar, as causas de cada tipo de trabalho infantil são diferentes. E, por último, a noção de que cada forma de trabalho infantil exige uma abordagem diferente. "Não existe uma única fórmula que erradicará o trabalho infantil. Educação integral? Em muitos casos resolve, em outros não. Autuar as empresas é eficaz em algumas situações, em outras não adianta", exemplificou.
Mitos e prejuízos
Também em evento promovido pela Escola Judicial do TRT-RS, o procurador do Trabalho Rafael Dias Marques elencou alguns dos prejuízos causados pelo trabalho na infância e adolescência. Dentre eles, os prejuízos físicos (dados do Ministério da Saúde demonstram que trabalhadores infantis se acidentam três vezes mais que trabalhadores adultos), os prejuízos de ordem social, como afastamento da escola e ingresso no mercado de trabalho em postos de subemprego, além de prejuízos psíquicos, devido ao afastamento da criança do lazer e dos aspectos lúdicos de sua formação.
Marques também apresentou alguns mitos utilizados pela sociedade para justificar a existência do trabalho infantil. Um deles, como explicou o procurador, é aquele que diz que o trabalho afasta a criança das ruas e do crime. Segundo Marques, pesquisa realizada com detentos do antigo presídio do Carandiru demonstrou que 90% deles trabalhou na infância. "Ou seja, o trabalho infantil leva ao crime, desprotege, faz com que as crianças possam ser aliciadas pelo crime". Outro mito referido pelo palestrante consiste no argumento de que a criança trabalha porque a família é pobre e não pode sobreviver. "Neste caso é o Estado que precisa dar assistência a esta família, não é a criança que deve assumir esta responsabilidade", afirmou.
Saiba mais
O trabalho é proibido para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14. O aprendiz tem um contrato especial, de no máximo dois anos, que visa à formação técnico-profissional, aliando trabalho e educação. A partir dos 16 anos, o adolescente pode trabalhar com carteira assinada, mas fora do horário noturno e em atividades não classificadas como insalubres e perigosas, o que só é permitido após os 18 anos. Antes dos 14 anos, o trabalho só é possível com autorização judicial. É o caso, por exemplo, de artistas mirins.