A Assembleia Legislativa recebeu, na tarde desta terça-feira (22), as 22 proposições do Poder Executivo que compõem o chamado pacote de medidas para enfrentar a denominada situação de calamidade das finanças públicas gaúchas. As matérias, todas encaminhadas em regime de urgência, foram entregues pelo vice-governador José Paulo Cairoli ao presidente em exercício da AL, Adilson Troca (PSDB). São seis Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e 16 projetos de lei ou projetos de lei complementar.
As medidas dizem respeito ao pacote anunciado nesta segunda-feira (21), que prevê a redução do déficit nas contas públicas. Entre as propostas estão a redução no número de secretarias, a extinção ou privatização de instituições estatais, alterações na previdência, redução de incentivos fiscais e antecipação do recolhimento de ICMS. Se todo conjunto proposto pelo executivo for aprovado, a previsão é de um ganho de R$ 2,6 bilhões aos cofres do tesouro estadual por ano.
A expectativa do governo é de que até o fim deste ano, todas medidas sejam votadas pelo legislativo. A base aliada defende que o pacote é necessário, em virtude do momento econômico. O deputado Vilmar Zanchin (PMDB) se diz favorável às medidas diante do decreto de calamidade financeira assinado pelo governador. “Evidentemente que cada uma das quarenta devem ser estudadas e aprofundadas. Mexer na estrutura do poder Executivo, reduzindo Secretarias e outros órgãos, revendo a questão da legislação do funcionalismo com uma reforma administrativa, alteração de alguns pontos e também tratando do incremento da receita e um controle maior da despesa, eu sou plenamente favorável”, pondera.
Para o deputado Sérgio Turra (PP), a situação do Estado exige que se reveja conceitos, uma vez que não restam alternativas. “Eu sou absolutamente favorável. É preciso tomar medidas drásticas, que deixem os gastos mais enxutos e atendam aos interesses da maioria, não da minoria e de grandes corporações”, argumenta o progressista.
Na oposição, o clima é de incerteza quanto a eficácia das medidas. O deputado Juliano Roso (PCdoB) defende que o pacote não representa uma solução para a crise em que vive o RS. “Ele [o pacote] vai precarizar mais ainda os serviços públicos gaúchos. Os principais serviços serão mais precarizados. Ele prevê a venda de empresas estatais gaúchas e o fechamento de fundações que são fundamentais para o desenvolvimento econômico do estado do RS, como por exemplo a Sul Gás, a CRM, a CEEE, a Fundação de Economia Estatística, a FZB e a Superintendência de Portos e Hidrovias. Elas são estratégicas para que a economia do RS volte a crescer. É um equívoco do governo, para poupar poucos reais, o fechamento delas”, pondera Roso.
Alguns itens do pacote causaram alvoroço entre instituições e dividiram até a base aliada. Uma dessas medidas é a alteração no calendário de pagamento dos servidores. Zanchin admite que “a proposta do décimo terceiro é polêmica, mas o governo apresentará aqui para a Assembleia e a partir de agora começaremos a discutir. Cada projeto desses é uma votação que deve ocorrer, porque é objeto de um projeto de lei. É possível que algumas das medidas que são sugeridas não tenham aprovação”. Para Sérgio Turra, está é uma medida difícil de ser votada. “Acredito que a mudança da data de pagamento e do décimo terceiro é muito dura. A gente vai estudar e tentar criar outra forma de resolver a situação, mas caso não haja, é preciso ir em frente. Esta realmente é a que tenho mais dificuldade em apoiar, mas não há solução mágica. Medidas duras precisam ser tomadas, infelizmente”, enfatiza.
Enquanto algumas propostas dividem opiniões, outras deverão receber voto favorável da oposição, de acordo com Roso. A fusão das Secretarias de culmina na redução de 20 para 17 é vista com bons olhos. “Se o Governo entende que vai administrar melhor assim, extinguindo três Secretarias, eu vou defender na bancada do partido que possamos votar favoráveis a essa medida”, explica. O deputado ainda questiona medidas que não foram incluídas, como o fechamento do Tribunal de Justiça Militar, que traria uma economia de R$ 40 milhões, segundo Juliano Roso. “Nós ainda não conseguimos sentar com a bancada para analisar todo o pacote, mas dos primeiros 19 projetos que conseguimos analisar, a nossa tendência é votar favorável a três e contrário aos outros 16”, finaliza.
Repercussão
O anúncio do conjunto de propostas repercutiu entre especialistas, empresários e servidores do Estado. Assim como na Assembleia Legislativa, o pacote dividiu opiniões dos gaúchos. As medidas representam qual é a verdadeira situação das contas públicas do RS, que durante séculos foi ignorada pelos governantes, conforme o professor coordenador da Escola de Administração da IMED e mestre em ciências contábeis, Adriano José da Silva.
“Isso se deve a desorganização estrutural do Estado que há mais de um século vive somente do agronegócio. Todos os governantes, de certa forma, com exceção da Yeda Crusius (PSDB), que teve uma preocupação enorme em controlar o déficit, foram coniventes com o corporativismo sindical e dos servidores de um modo geral. Bem como, também, das isenções fiscais oferecidas por parte de todos os ex-governadores para atração de grandes empresas e grandes investimentos para o Estado”, critica o especialista.
A categoria empresarial recebeu com amistosidade a notícia das medidas. O presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócio de Passo Fundo (Acisa), Marco Mattos, avalia que o pacote trouxe propostas amargas e contundentes, mas necessárias na grande maioria. A preocupação dos empresários é a possibilidade de aumento da carga tributária. “Entendemos que o que precisa mudar é a matriz tributária, e não aumento de impostos, uma vez que se aumentada a alíquota, diminuirá o consumo. Com o imposto como está, se ganha na escala. O que não pode é aumentar outra vez a contribuição da população de forma geral. Quando se aumenta impostos, se sobrecarrega a população como um todo. Quanto ao enxugamento da máquina do Estado, nós somos absolutamente a favor”, explana.
A Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV), disse em nota, que se manifesta favoravelmente ao pacote do Governo do Estado. “A AGV entende que as três bases que dividem o pacote são primordiais para a reestruturação”, diz. A associação representa 135 entidades do varejo do RS e que conta com 27 mil empresas associadas.
Já a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS) considerou o pacote como um “esforço de enxugamento da máquina estatal que se faz necessário”. “A falência das finanças públicas estaduais já estava prevista desde 1989, quando a FIERGS lançou o estudo que ficou conhecido como Relatório Sayad, isso há 27 anos. Pena que os governantes não tenham dado a devida atenção ao documento”, afirma o presidente da FIERGS, Heitor José Müller.
A Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do RS (Fessergs), que será afetada pelas medidas, se posicionou contrária. Em nota, a entidade reiterou que “a luta nunca se resumiu apenas por salários, embora por si só seja um direito legítimo. A luta contra essas medidas é muito maior, é pelo serviço público que todos têm o direito de receber. É pelo futuro do serviço público que as próximas gerações irão herdar. É pelas mais de mil pessoas que ficarão sem emprego. É pela TVE e pelo nosso Estado que ficará sem o direito de ter uma TV pública. Por tudo isso a Fessergs se sente na obrigação de não ficar de braços cruzados e honrar seus 26 anos de história”.
Solução futura
O pacote de medidas é um indicativo de um caminho a ser percorrido para uma solução futura, segundo Adriano da Silva. Para ele, a discussão deve iniciar ao se analisar os dados demográficos do RS, que indicam um envelhecimento da população e uma migração para outros Estados e até para outros países. “O conjunto aponta para um caminho de diminuição do Estado e este devendo cuidar mais de suas atribuições que são Segurança, Educação e Infraestrutura. Acredito que estas medidas são simpáticas aos anseios da nova geração do RS que precisa de uma maior visibilidade e mais condições para permanecer no Estado. Sob pena que as melhores cabeças pensantes do RS partam para São Paulo, para outros países e deixem nosso Estado”, salienta o especialista.
Entre algumas medidas comentadas, Silva ressalta que é preciso ter o cuidado ao se falar de extinção de fundações e privatizações, uma vez que o interior do Estado só é beneficiado com estudos realizados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE). Do ponto de vista da alteração no calendário de pagamento, o especialista não concorda. “Não acho crível esta proposta, mas acho que cabe ao governador e a Assembleia analisar. Eu não vejo com muito bons olhos essa alteração da data de pagamento porque vai precarizar o que já é precário e vai desestabilizar o que já está desestabilizado que são os servidores da segurança, da educação e a tendência é nós perdermos mais qualidade ainda na prestação do serviço público com essa proposição do governo do Estado”, orienta. O professor conclui que este é um “remédio necessário para o atual momento em que o Estado vive. Estas reformas não podem parar somente com extinção e privatização de empresas públicas, mas elas devem ser mais estruturais”.