"Sem o Regime de Recuperação Fiscal, poderemos ter um colapso no Estado", diz Búrigo

Para Carlos Búrigo, precisamos pensar no RS que queremos deixar para as próximas gerações

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Um passo decisivo na caminhada rumo ao equilíbrio fiscal do Rio Grande do Sul. Uma decisão que precisa do apoio da Assembleia Legislativa e da compreensão dos gaúchos. É assim que um dos secretários mais próximos do governador José Ivo Sartori define o Regime de Recuperação Fiscal (RRF, Lei Complementar 159/2017).

 

A negociação entre o Estado e a União já dura meses, porque, como todo acordo financeiro que oferece vantagens, também exige compromissos e garantias legais de ambas as partes.

 

A última conquista do Palácio Piratini foi a assinatura, em Brasília, no fim do ano passado, do Protocolo de Acordo para a adesão ao RRF. É uma espécie de pontapé inicial para avançar na discussão com o governo federal. Nesta entrevista, o secretário de Planejamento, Governança e Gestão, Carlos Búrigo, explica alguns pontos que ainda podem gerar dúvida na população.

 

Repórter - Como o senhor explicaria o Regime de Recuperação Fiscal?

Búrigo - O Regime de Recuperação Fiscal é, na realidade, uma oportunidade que o Rio Grande do Sul tem de aderir a uma legislação do governo federal, criada para socorrer os estados em situação de calamidade financeira. É, em síntese, um acordo que vai trazer uma série de benefícios para o RS neste momento em que estamos buscando o equilíbrio financeiro.

 

Repórter - E quais são as principais vantagens para o Estado?

Búrigo - Basicamente, são dois grandes benefícios. O primeiro é podermos ter uma carência de três a seis anos no pagamento da dívida com a União. Isso vai fazer com que o governo do RS possa deixar no Estado, para investir aqui, algo entre R$ 3,8 bilhões e R$ 4 bilhões por ano. Não é dinheiro novo, mas são recursos que vão ficar no caixa do Estado, para que a gente possa suprir a nossa dificuldade financeira e também fazer investimentos. Só que só isso (o não pagamento das parcelas mensais) ainda não supre a necessidade atual do Rio Grande do Sul. E daí vem o segundo grande benefício: o Regime de Recuperação Fiscal também vai permitir que nós possamos buscar novos financiamentos, novos empréstimos com bancos nacionais e internacionais. Hoje, para quem ainda não sabe, o RS está proibido de contrair qualquer empréstimo. Com a adesão, isso pode mudar. É a nossa chance.

 

Repórter - Se a adesão ao RRF de fato acontecer, o governo já definiu como vai usar esse dinheiro?

Búrigo - Primeiro, eu preciso explicar o seguinte. Quando assumimos o governo, em 2015, tínhamos uma previsão de déficit de R$ 25,5 bilhões até 2018. Já reduzimos para cerca de R$ 9 bilhões. Mas ainda não temos como atravessar 2018 com esse déficit. Vai faltar dinheiro em caixa. Então, é fundamental que o dinheiro que iria para União fique aqui e que o Ministério da Fazenda nos autorize a fazer novos empréstimos. E essas são justamente as duas vantagens imediatas que o RRF vai nos proporcionar. Tendo dinheiro em caixa, podemos, então, falar em algumas prioridades: pagar o salário dos servidores em dia, pagar fornecedores, garantir repasses aos municípios, honrar compromissos assumidos em governos anteriores e, obviamente, investir em áreas prioritárias, como Segurança, Saúde, Educação, Infraestrutura e Social.

 

Repórter - Hoje, o RS já não está pagando a parcela mensal da dívida com a União por causa de uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo uma liminar, pode cair a qualquer momento. Isso torna a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal ainda mais urgente?

Búrigo - Sem dúvida nenhuma. É um ponto importantíssimo. A liminar funciona mais ou menos como a antecipação dos efeitos da assinatura do RRF. Ora, se não assinarmos o acordo, essa liminar cai e teremos que voltar a pagar a parcela todo mês. E, provavelmente, também aquelas que nós não pagamos até agora, algo como uma cobrança retroativa. Se isso acontecer, a situação do RS vai ficar muito pior.

 

Repórter - Sabemos que não se trata de um perdão da dívida do RS com a União, e sim de uma suspensão do pagamento das parcelas por até seis anos. Em algum momento, esse valor vai ter que ser pago, já que vai para o saldo devedor. Por isso, há quem diga que o valor final da dívida vai aumentar em R$ 20 bilhões.

Búrigo - Isso não é verdade e é preciso esclarecer muito bem. A Secretaria da Fazenda (Sefaz) já fez os cálculos necessários que mostram o seguinte: o período de não pagamento dessa dívida, se for de três anos, vai ter um custo para o Rio Grande do Sul de cerca de R$ 1 bilhão. É o custo de você não pagar as parcelas mensais por um período e pagá-las no final. São os juros e a correção. É bom lembrar que já conseguimos mudar o indexador e reduzir a taxa de juros quando assinamos, em setembro, a renegociação da dívida (conforme a Lei Complementar 156, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA - substituiu o Índice Geral de Preços - IGP-DI - e os juros caíram de 4% para 6% ao ano). Então, durante o período de carência, vamos seguir arrumando a casa e buscando o equilíbrio das finanças públicas, com a vantagem de que a economia está se recuperando, o que significa mais arrecadação.

 

Repórter - Para que o RS ganhe o benefício de ficar sem pagar as parcelas da dívida, o governo federal exige uma série de contrapartidas. Como o RS está nesse ponto?

Búrigo - O governo Sartori saiu na frente e buscou, desde o começo, o ajuste fiscal interno. Estamos fazendo o dever de casa desde que assumimos, em 2015. Alguns exemplos: a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, pioneira no país, o Regime de Previdência Complementar para os servidores públicos, a redução de 29 para 17 secretarias, a elevação - não popular, mas necessária - do ICMS, enfim, uma série de medidas que entendemos que são importantes e que o governo federal exige. Isso está sendo reconhecido e permitiu assinar o Protocolo de Acordo para a Adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, no fim do ano passado.

 

Repórter - Por mais que o governo gaúcho venha se esforçando para assinar o RRF, a adesão precisa de aprovação da Assembleia Legislativa. O governador José Ivo Sartori já encaminhou o pedido formal de autorização em novembro passado. Mas ainda há resistência. Na sua opinião, qual o papel da AL nesse momento?

Búrigo - Quero dizer que muitas versões de números que têm por aí não são corretas. O governador Sartori sempre disse que uma das suas prioridades era falar a verdade e mostrar com muita transparência os números do Estado. Então, quando falamos de um déficit acumulado de R$ 9 bilhões para 2018, estamos mostrando que, se não assinarmos o Regime de Recuperação Fiscal, poderemos ter um colapso no RS. Por isso que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, enfim, todos os poderes e a sociedade gaúcha precisam entender essa realidade. Em relação aos deputados, temos certeza de que eles estão vendo a necessidade de assinar o acordo com a União e evitar uma situação ainda pior. Tenho confiança e convicção de que vamos ter os votos necessários na convocação extraordinária da semana que vem. Vamos conseguir a autorização da Assembleia para poder aderir à Recuperação Fiscal.

 

Repórter - Entre as contrapartidas, a União exige a privatização ou federalização de estatais. O governador também já encaminhou para a AL três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que revogam a necessidade de plebiscito para a alienação da Sulgás, da CRM (Companhia Riograndense de Mineração) e da CEEE. É um tema que gera muita polêmica. O senhor está confiante na aprovação dessas pautas?

Búrigo - Estamos confiantes que a Assembleia também vai entender a necessidade de privatizar ou federalizar essas estatais. A nossa proposta é retirar a necessidade de fazer plebiscito, para que depois a gente possa ter a liberdade de fazer a modelagem ideal para as três empresas no sentido de privatizar ou federalizar. Entendemos que a Sulgás, a CRM e a CEEE são empresas importantes para o Rio Grande do Sul por causa do serviço que prestam, mas não precisam estar sob o comando do Estado. Esse foi um dos principais critérios: verificar o que de fato é atribuição do Estado e o que não é. Há empresas e fundações que não precisam ter o Estado à frente, que têm um custo muito alto e que a iniciativa privada pode assumir e, inclusive, administrar melhor. A iniciativa privada teria mais condições de fazer os investimentos necessários para melhorar a oferta de energia e gás e, assim, atrair empresas para o RS. Queremos um Estado com mais agilidade, menos burocracia e melhores serviços. Isso tudo faz com que essas três empresas estejam nesse conceito de um Estado mais moderno e eficiente. Separando a votação em três PECs, uma para cada estatal, a gente deve conseguir aprovar com mais facilidade a retirada do plebiscito.

 

Repórter - Qual o pedido do governo para a população e para a AL?

Búrigo - O poder público precisa dar uma resposta para a sociedade. Por que ele existe? Qual a função que ele tem? A função é entregar serviços melhores para a população. Quanto menos custo ele tiver dentro de suas próprias estruturas, mais recursos sobram para atender ao cidadão lá fora, lá na ponta. Por isso que entendemos que precisamos ter um Estado nem máximo nem mínimo, mas necessário. Capaz de cumprir suas obrigações e fazer com que as pessoas que pagam os seus impostos recebam o retorno em serviços de qualidade. Só que essa compreensão não poder ser só do Poder Executivo. Precisamos da união e da coragem dos outros poderes e da compreensão da sociedade. Precisamos pensar no RS que queremos deixar para as próximas gerações. Está nas mãos dessa geração de políticos gaúchos.

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