BOATE KISS: Começa hoje o julgamento mais longo da história do Judiciário Gaúcho

120 sobrevives e familiares de vítimas estão acompanhando o julgamento em Porto Alegre, que vai durar, no mínimo 13 dias

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Começa nesta quarta-feira (1), o júri do caso da Boate Kiss, os trabalhos deverão acontecer por, no mínimo, 13 dias, e com isso ele deverá ser o mais longo da história do Poder Judiciário gaúcho. O incêndio, ocorrido em 27 de janeiro de 2013 em uma casa noturna em Santa Maria, vitimou 242 pessoas e deixou outras 636 feridas. O julgamento também é considerado o mais complexo, envolvendo cerca de 200 servidores de 20 setores do TJRS, que atuam na organização, logística, segurança, comunicação e transporte.

O Tribunal do Júri será presidido pelo Juiz de Direito Orlando Faccini Neto e será realizado no plenário do 2° andar do Foro Central I, na Capital, diariamente, a partir das 9 horas.

 

O caso

Em 27 de janeiro de 2013 a Boate Kiss sediou a festa universitária denominada “Agromerados”. No palco, se apresentava a Banda Gurizada Fandangueira, quando um dos integrantes disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que pegou fogo.

O incêndio, que se alastrou rapidamente, causou a morte de 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos. As responsabilidades são apuradas em seis processos judiciais. O principal tramitou na 1ª Vara Criminal da Comarca, foi dividido e originou outros dois (falso testemunho e fraude processual).

No processo criminal, os empresários e sócios da Boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão, respondem por homicídio simples (242 vezes consumado, pelo número de mortos; e 636 vezes tentado, número de feridos). Eles serão julgados por um Conselho de Sentença, no Tribunal do Júri, no plenário das Varas do Júri da Comarca de Porto Alegre, junto ao Foro Criminal.

Foi concedido o desaforamento (transferência de julgamento para outra comarca) a três réus – Elissandro, Mauro e Marcelo – para serem julgados em uma Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre. Luciano foi o único que não manifestou interesse na troca, mas, através de um Pedido de Desaforamento do Ministério Público, o TJRS determinou que ele se juntasse aos outros, em um julgamento único, na Capital.


O Julgamento

A previsão é que os trabalhos sejam divididos em três turnos (manhã, tarde e noite), a partir das 9 horas. Deverá haver 1 hora de intervalo para almoço/janta e pausa para descanso dos jurados. Essa é uma questão que foi definida pelo magistrado em consonância com as partes, conforme as peculiaridades de cada dia. Não haverá interrupção no final de semana.

Serão ouvidos: 14 sobreviventes (indicadas pelo MP, Assistente de Acusação e pela defesa de Elissandro Spohr); cinco testemunhas de acusação arroladas pelo Ministério Público; cinco testemunhas arroladas pela defesa de Elissandro Spohr; cinco testemunhas arroladas pela defesa de Mauro Londero Hoffmann; e cinco testemunhas arroladas pela defesa de Marcelo de Jesus dos Santos.

Depois de ouvidos sobreviventes e testemunhas, haverá o interrogatório dos réus Elissandro, Mauro, Marcelo e Luciano, que podem ficar em silêncio, se assim desejarem.

Na sequência acontecem dos debates. Nessa etapa acusação e defesas terão oportunidade de apresentar suas teses e argumentos aos jurados. O tempo total para essa fase do julgamento será de 9 horas, assim distribuídos: Duas horas e meia para MP e Assistente de Acusação (dividem o tempo); Duas horas e meia para as defesas dos réus (dividem o tempo); Duas horas de réplica para o MP/Assistente de Acusação (dividem o tempo); e Duas horas de tréplica (dividem o tempo).


Votação

Encerrados os debates, os jurados serão indagados se estão prontos para decidir. Eles passarão a uma sala privada para responder ao questionário.

Os jurados decidem individualmente (o voto é secreto), respondendo a perguntas formuladas pelo magistrado, mediante o depósito de cédula em uma urna. A maioria prevalece.

Os Jurados e testemunhas ficarão isolados em razão da incomunicabilidade. A diferença é que os jurados ficam nessa condição até o final do julgamento e as testemunhas são liberadas após prestarem depoimento.

Eles serão hospedados em hotéis e acompanhados em tempo integral por Oficiais de Justiça do TJRS. O transporte também será realizado pelo Poder Judiciário. A alimentação será fornecida por uma empresa terceirizada contratada pelo TJRS.


Negada demonstração de uso de sinalizador durante o júri

No começo de novembro, o Juiz de Direito Orlando Faccini Neto, que presidirá o júri do caso Kiss, negou o uso de artefatos pirotécnicos durante o julgamento. O pedido havia sido feito pela defesa de Luciano Bonilha Leão para que pudesse demonstrar, na área externa do Foro Central I, o funcionamento de um sinalizador.

De acordo com a acusação, o produtor musical da Banda Gurizada Fandangueira teria sido o responsável pela compra e acionamento do material durante o show que realizavam no palco da Boate Kiss. As centelhas atingiram a espuma que revestia o teto, que pegou fogo.

O Núcleo de Inteligência do Judiciário havia se manifestado contrário à reprodução, por questões de segurança. Inicialmente o pleito para que fosse realizado no plenário já havia sido negado pelo magistrado, não sendo o local apropriado para esse tipo de evento. Na área externa do Foro, conforme o NIJ/TJRS, também não seria adequado, uma vez que há um canteiro de obras e estacionamento.


Em sua decisão, o Juiz corroborou o parecer do Núcleo e entendeu que não está evidente a necessidade da prova. “Máxime num caso com as singularidades do presente, arriscar, por mínimo que seja, a segurança dos jurados, das partes ou dos demais intervenientes, mostra-se incompatível com qualquer visão que se possa adotar acerca da plenitude de defesa”, considerou o magistrado. Além disso, o julgador ressaltou que as reconstituições de fatos havidos como crimes são usuais na fase de investigação, mediadas pela autoridade policial. “A pretensão de realizar algo similar no momento derradeiro do processo esbarraria na própria dimensão temporal da medida”, asseverou Faccini.


O que pode acontecer?

Caso o Conselho de Sentença entenda pela condenação dos réus, o Juiz Orlando Faccini Neto aplicará as penas, fixará os regimes iniciais de seus respectivos cumprimentos e decidirá se os acusados recorrem em liberdade ou não.

A aplicação da pena ocorre em três etapas: Pena-base: avaliam-se circunstâncias como maus antecedentes, motivos, consequências, circunstâncias específicas do crime, bem como personalidade e conduta social dos condenados. Pena provisória: verifica-se a incidência de eventuais agravantes (como a reincidência) e atenuantes. E Pena definitiva: o Juiz deverá observar a existência de causas de aumento ou diminuição da pena previstas em lei, cuja aplicação é determinada pelos jurados, em votação prévia.

Sendo os réus absolvidos, o magistrado anuncia a decisão do Conselho de Sentença e os acusados seguem livres. Ocorrendo a desclassificação (isso é, caso os jurados entendam ter ocorrido outro delito, mas não um crime doloso contra a vida), o Juiz Presidente é quem assume a incumbência de julgar o mérito do processo, condenando ou absolvendo os réus. A regra é que o caso seja decidido na própria sessão de julgamento. A decisão não fica para depois. Dessas decisões cabe recurso, mas os Tribunais só poderão modificar a pena ou determinar a realização de novo julgamento, jamais modificar o mérito da decisão dos jurados. Ou seja: caso condenados os réus, o Tribunal não poderá determinar sua absolvição, mas tão somente a submissão dos acusados a novo julgamento pelo júri, na hipótese de entender que a decisão do Conselho de Sentença é manifestamente contrária à prova dos autos.


Auxilio

A previsão do julgamento é que ele dure entre 13 e 15 dias. E durante este período familiares e sobreviventes da tragédia estarão acompanhando o julgamento em Porto Alegre. Para auxiliar durante este período, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria realizou uma campanha de arrecadação de donativos. Serão 120 pessoas que estarão hospedadas em hotéis e terão a alimentação disponibilizada pela Associação durante este período.

Lei Kiss

Pai da jovem, Andrielle Righi, 22 anos, uma das vítimas da tragédia, e presidente da Associação, Flávio Silva, afirma que a maioria de sobreviventes presentes em Porto Alegre durante o júri é de gaúchos, porém, haverá pessoas de outros estados. O incêndio fez vítimas de 75 cidades e cinco estados. “Essa tragédia teve repercussão em todo o mundo e nós sofremos muitos naquele momento, e agora vamos viver todas aquelas emoções novamente”, disse ele.

 

Durante os quase nove anos, desde a tragédia até o julgamento, Flávio lembra que foram momentos muito difíceis, de muitas lutas. Uma delas é em relação a Lei Complementar proposta ainda em 2013 que trata sobre as normas de segurança, prevenção e proteção contra incêndio em edificações e áreas de risco de incêndio, conhecida como Lei Kiss. Para Flávio, esta lei já deveria entrar em vigor, mas em 2019, o Governo do Estado prorrogou o prazo limite para adequação de empreendimentos públicos e privados por mais quatro anos. “Deveríamos estar exportando prevenção, mas não foi isso que vimos desde que aconteceu a tragédia”, comentou.

Para ele, estes anos também serviram para lutar para que a tragédia não entrasse em esquecimento. Junto com outros pais, e por meio da Associação, eles se mantêm mobilizados na luta por justiça, e para que os responsáveis pelas 242 mortes, além das vítimas que sobreviveram, sejam responsabilizados.


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