É só olhar o mapa do nosso planeta e constatamos que há uma nuvem toldando o céu da paz, em meio a chamas de ódio, por toda parte. As nações, as cidades, comunidades, famílias e indivíduos entre si carecem de compreensão e cooperação mútua. O tema sobre o aborto tem ocupado, ao nosso entender, de modo precipitado um debate histórico. As manifestações que apressam agendas políticas e fundamentos religiosos evidenciam os rumos das causas sociais, coletivas e íntimas sobre o aborto. O sentido profundo e legítimo, acima de crenças aparentes, exige cautelosa discussão, antes de modificação legal. Uma ação interposta no STF, ADPF – 422 (ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental), postula alteração dos artigos 124 e 126 do Código Penal. O pedido trata da descriminalização do aborto. Basicamente versa sobre a autorização para a prática abortiva, até a 12ª semana de gestação. Iniciada a tramitação no Supremo, levantaram-se diferentes frentes de entidades religiosas protestando contra tal mudança. Pela legislação atual o aborto é considerado crime. A modalidade excludente considera isento de crime quando o aborto é praticado por decorrência de estupro, em caso de constatação médica de perigo à vida da mulher gestante e, mais recentemente, no caso de anencefalia. Basicamente é o que se denomina aborto legal. A legislação que incrimina o aborto, com as exceções citadas, remonta do código de 1940 e vem analisada sob o texto da Constituição de 1988.
Causas encobertas
Antes de mais nada deixamos claro que a atual previsão legal não carece de alteração urgente, nem para agravar sua criminalização ou para ampliar sua descriminalização. Também por que a eventual alteração da norma, por si só, diz respeito à mulher, ao nascituro, mas também ao homem que, inexplicavelmente, tem ficado à margem dos questionamentos. Dizemos, então, que o aborto é por si aflitivo dilema, de difícil ou improvável solução tal qual se insere hoje nas condições sociais, legais, éticas e morais. Pretendemos alertar para o amplo contexto social que está encoberto. A concepção se materializa em ato partilhado entre homem e mulher de origem inviolável e elevado sentido da vida natural. Quando indesejada ocorre numa escala que varia desde a responsabilidade violada a circunstâncias plenamente sanáveis. Se considerarmos o expressivo espectro tenebroso e desnaturado, teremos grandes evidências incontornáveis. E se formos às causas, não raras, de alienação do consórcio conceptivo, deparamo-nos com o absurdo de um cotidiano, que ofende princípios da consciência humana. Além dos casos em que a mulher é vítima de estupro presumido, contra a personalidade ainda infante ou adolescente, ou em situação de vulnerabilidade, há diferentes situações de gravidez. As causas sociais, miséria, abandono familiar, alcoolismo, drogas, perversão familiar, enfim a ausência afetiva de convivência humanitária, são acúmulos das desordens que induzem maciçamente à gravidez temerária. Assim, as carências que lançam a mulher e o homem ao estado de degenerescência são causas preconizadas do aborto. E não se trata apenas de afetação de adolescentes pobres; a ausência grave de compaixão e zelo, a omissão educativa familiar oprimem o sexo feminino. A alienação masculina concorre também de modo grave para o desfecho do aborto. Em diversos países, a maioria de situação cultural, social, ou prosperidade mais avançada que o nosso, já se adota descriminalização do aborto praticado até a 12ª semana de gestação, como na Alemanha, Bélgica, Bulgária, Eslováquia, Espanha, Estônia, Grécia, Hungria, Itália, Letônia, Moçambique, Rússia, Suiça e Uruguai. Isso pode ser de menor importância.
Lei e fé
Considere-se, também que a legitimidade das religiões em pressionar pelo dogmático conceito contrário à prática abortiva não se perde perante legislação diversa. Os cânones religiosos, como adotados pela igreja Católica, pela convicção teológica na disciplina familiar, não perdem sua legítima vertente, conquanto seja sólida a formação de cada adepto. A lei civil não fragiliza a verdadeira fé. Ao mesmo tempo é indispensável a prática da caridade (compaixão), banindo estigmas opressores, virtude de todos os filhos de Deus, para combater a banalização do aborto.