Com apenas uma divisória, a entrada é bonita e representa o início da vida matrimonial. A segunda parte traz notícias, fotos e objetos alusivos a agressões. Logo em seguida, há folhetos informando sobre o trabalho das Promotoras Legais Populares (PLP). Dezenas de mulheres foram convidadas para entrar e conhecer o caminho da violência doméstica na tarde de ontem (8), na Praça Ernesto Tochetto.
Sem porta, a ideia é que a mulher chegue até o fim da casa e se liberte da situação de violência. “A gente não precisa viver na casa, a gente pode sair dela”, resumiu a promotora legal popular Elgiane Lago, ao apresentar o local. Elgiane, junto de outras voluntárias, organizaram uma roda de conversa para debater, no Dia da Mulher, os impactos das reforma da previdência e trabalhista.
Após apresentar a casa, as mulheres se revezaram nas falas. A advogada Eva Valéria Lorenzato, que também é voluntária do projeto PLP, salientou que as mulheres trabalham em média nove anos a mais do que os homens em função da dupla jornada de trabalho – que incluí cuidar dos filhos e da casa.
Eva Valéria contou que começou a trabalhar cedo, ainda na infância, como babá. Logo em seguida, questionou as convidadas sobre o tempo de contribuição previdenciária de cada uma. Em um dos relatos, a voluntária Valda Belitzki disse que nunca contribuiu. “Eu fui criada para ser dona de casa, mãe e esposa. Nunca pensamos na minha previdência porque meu marido sempre disse que me sustentaria. Mas eu ensinei minha filha diferente. Ensinei ela a ser independente e hoje, graças a Deus, ela é”, pontuou.
Com o contexto dessas histórias, a advogada enfatizou que as mulheres serão as mais afetadas caso a reforma da previdência entre em vigor. De acordo com Eva, as mulheres sempre acabam sendo as responsáveis pelo cuidado da família. “Quando alguém na família fica doente, quem larga o emprego para cuidar dessa pessoa? O homem ou a mulher? Sempre a mulher”, observou.
Dados divulgados na quarta-feira (7), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprovam a fala de Eva Valéria. As mulheres trabalham, em média, três horas por semana a mais do que os homens, combinando trabalhos remunerados, afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Mesmo assim, e ainda contando com um nível educacional mais alto, elas ganham, em média, 76,5% do rendimento dos homens. Os dados foram compilados no estudo Estatísticas de Gênero - Indicadores sociais das mulheres no Brasil.
Vários fatores contribuem para as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Por exemplo, em 2016, as mulheres dedicavam, em média, 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens (10,5 horas). Essa diferença chegava a 80% no Nordeste (19 contra 10,5). Isso explica, em parte, a proporção de mulheres ocupadas em trabalhos por tempo parcial, de até 30 horas semanais, ser o dobro da de homens (28,2% das mulheres ocupadas, contra 14,1% dos homens).
“Em função da carga de afazeres e cuidados, muitas mulheres se sentem compelidas a buscar ocupações que precisam de uma jornada de trabalho mais flexível”, analisou a coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, Barbara Cobo, complementando que “mesmo com trabalhos em tempo parcial, a mulher ainda trabalha mais. Combinando-se as horas de trabalhos remunerados com as de cuidados e afazeres, a mulher trabalha, em média, 54,4 horas semanais, contra 51,4 dos homens”.
Eva Valéria citou, durante a roda de conversa, a revenda de produtos cosméticos como uma alternativa de emprego encontrada pelas mulheres. “E nos casos de mulheres camponesas. Se tiver que optar entre pagar o INSS do marido ou da esposa, qual vai ser pago? O do marido sempre. Quem garante que daqui a 40 anos eles estarão casados ainda e serão uma família? Qual a garantia que a mulher tem?”, indagou, por fim, a advogada.
Pesquisa do IBGE
Mesmo trabalhando mais horas, a mulher segue ganhando menos. Apesar da diferença entre os rendimentos de homens e mulheres ter diminuído nos últimos anos, em 2016 elas ainda recebiam o equivalente a 76,5% dos rendimentos dos homens. Uma combinação de fatores pode explicar essa diferença. Por exemplo, apenas 37,8% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres; essa diferença aumentava com a faixa etária, indo de 43,4% de mulheres em cargos de chefia no grupo até 29 anos de idade até 31,3% no grupo de 60 anos ou mais.
Outros aspectos, como a segregação ocupacional e a discriminação salarial das mulheres no mercado de trabalho, podem contribuir para a diferença de rendimentos. “Observamos o que se chama de teto de vidro, ou glass ceiling”, explica Barbara Cobo: “A mulher tem a escolarização necessária ao exercício da função, consegue enxergar até onde poderia ir na carreira, mas se depara com uma ‘barreira invisível’ que a impede de alcançar seu potencial máximo”. Na categoria de ocupação com nível superior completo ou maior, a diferença era ainda mais evidente: as mulheres recebiam 63,4% do rendimento dos homens em 2016.
Em 2016, as mulheres de 15 a 17 anos de idade tinham frequência escolar líquida (proporção de pessoas que frequentam escola no nível de ensino adequado a sua faixa etária) de 73,5% para o ensino médio, contra 63,2% dos homens. Isso significa que 36,8% dos homens estavam em situação de atraso escolar. Na desagregação por cor ou raça, 30,7% das pretas ou pardas de 15 a 17 anos de idade apresentaram atraso escolar em relação ao ensino médio, face a 19,9% das mulheres brancas. Comparando-se gênero e cor ou raça, o atraso escolar das mulheres brancas estava mais distante do registrado entre os homens pretos ou pardos (42,7%).