Empresa é notificada pelo Ministério Público sobre rompimento da Barragem Capingui 2

CSN, que adquiriu a antiga CEEE, tem o prazo máximo de trinta dias para responder a notificação e apresentar uma solução aos moradores da região

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Alago tem esvaziado lentamente e não causou inundações na região. (Foto: Isabel Gewehr/ON)Alago tem esvaziado lentamente e não causou inundações na região. (Foto: Isabel Gewehr/ON)
Alago tem esvaziado lentamente e não causou inundações na região. (Foto: Isabel Gewehr/ON)
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Feita a partir de madeira e concreto armado, a estrutura que no passado potencializava a produção de energia elétrica na região de Passo Fundo, há cerca de 30 dias sente o lento esvaziamento do seu ecossistema. Após o rompimento da Barragem Capingui 2, localizada no rio Taquari-Antas e pertencente à Usina Hidrelétrica Capingui, moradores têm cobrado soluções da responsável pela barragem, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), e apresentaram no início deste mês uma denúncia ao Ministério Público.

Rompimento da barragem ocorreu no lado esquerdo inferior do barramento. (Foto: Isabel Gewehr/ON)

 

Expectativa de reconstrução

Apresentada há 10 dias, a denúncia feita ao Ministério Público tem como principal intuito ressaltar os prejuízos ambientais causados pelo rompimento da barragem Capingui 2. Com 3,5 m de altura, 45 m de largura e um alago de cerca 5km de extensão, a barragem criou um ecossistema aquático próprio ao longo dos seus 60 anos de história, o que agora é diretamente afetado com a redução do volume de água no local.

Conforme explicou o promotor de Justiça Paulo Cirne, o Ministério Público emitiu uma notificação à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresa que adquiriu a antiga CEEE, e o grupo ainda está dentro do prazo de resposta de 30 dias, que encerra no mês de janeiro. “O que o Ministério Público tem conhecimento, por enquanto, é de que a CSN, a CEEE e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) estão em tratativas para decidir os próximos passos naquela região. A nossa intenção é de que o barramento parcialmente destruído seja removido para que possa ser reconstruído. Essa é a expectativa que temos”, esclareceu o promotor.

Mesmo que a reconstrução da barragem seja o caminho mais provável, Paulo Cirne ressalta que atualizações para a proteção ambiental do local deverão ser feitas, por isso a FEPAM está diretamente envolvida no caso. “Os órgãos ainda não concluíram a análise de como será feita essa intervenção. A preocupação do Ministério Público são os valores envolvidos nessa obra, que poderá passar por licitação, se a CEEE resolver por isso”, destacou o promotor de Justiça. “Queremos essa resolução o mais breve possível, levando em conta o ponto de vista técnico de geração de energia, os controles dos níveis de água da barragem e a questão ambiental”, acrescentou Cirne.

 

Custos da reforma

Para o morador da região do alago e empresário Luis Paulo Pol, o custo da reforma pode variar entre R$ 50 mil e R$ 60 mil, caso o material utilizado for a madeira, trocando o barramento atual que está apodrecendo. “Aqui, poderíamos utilizar cerca de 100 dúzias de madeira. Pelos valores de madeira que temos aqui na região, seria R$ 500 a dúzia. Gastaria ainda com o ferro, mas eles [CEEE] têm a própria mão de obra, o que já ajuda”, explicou.

Barragem foi construída em uma estrutura mista, com pilares de concreto e barramento de madeira. (Foto: Isabel Gewehr/ON)


Posicionamento da CEEE

Identificado no início de novembro o vazamento na barragem Capingui 2, a CEEE informou ao Jornal O Nacional que, ao tomar conhecimento do acontecimento, solicitou à FEPAM a fiscalização do local. “Ao tomar conhecimento, a CEEE Geração acionou imediatamente à FEPAM, que fez uma fiscalização no local e não constatou qualquer impacto ambiental”, declararam em nota. Ainda, a CEEE afirma que a barragem não tem influência na geração de energia da usina e com o reservatório vazio, a estrutura não oferece risco para a população. “O destino que vai ser dado à barragem está sendo avaliado pela Companhia e todos os encaminhamentos serão dados junto ao órgão ambiental”, finalizaram.

Em 2004 a barragem Capingui 2 sofreu seu primeiro rompimento, também no barramento de madeira. Na época, a CEEE se recusou a fazer a reforma e o Ministério Público foi acionado, autuando a empresa e os obrigando a reconstruir o barramento da barragem. “Agora, quase 20 anos depois, ela estourou de novo e dessa vez a CEEE foi mais incisiva. No dia do jogo do Brasil contra a Suécia, os funcionários foram até a barragem para demolir. Acionamos a PATRAM e ela impediu eles de derrubar”, relata o engenheiro civil e morador da região, William Pol. “Mas eles não podem fazer nada sem terem um laudo da FEPAM que mostre a mitigação de impacto ambiental”, explica.

 

Preservação ambiental e histórica

Considerada uma região em que a qualidade da água é alta e não possui níveis preocupantes de contaminação, os alertas com relação aos recursos hídricos se somam aos do escoamento da fauna aquática formada no entorno da barragem. “Temos animais, peixes e todos os elementos que fazem parte de um ecossistema aquático. Agora, com mais calor, temos uma vazão menor ainda de água, o que preocupa se, por ventura, animais podem acabar morrendo”, pontua o ambientalista e representante do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas (GESP), Paulo Cornelio, que irá visitar a barragem amanhã (10) para a realização de um levantamento fotográfico e posterior relatório da situação. “Caso encontremos danos ambientais e algum elemento preocupante, iremos encaminhar ao Ministério Público”, alerta.

Com mais de 100 moradores na extensão do alago, Luis Paulo Pol conta que com a construção de casas e condomínios na região, eles conseguiram recuperar a orla do rio, que agora tem mais de 50 m. “Antigamente, quando não tinha casas, era um metro longe da água e logo em seguida tinha lavouras. Hoje, são 50 m e lá eles plantam árvores, fazem pomar. Cuidam da natureza”, explica o morador que há cerca de 20 anos tem um camping e recebe mais de 30 mil pessoas por ano no local. “Aqui se formou um habitat e era uma beleza, um cartão postal de toda região. Em um raio de 100 km, todo mundo vinha para cá”, relata ele.

Apesar do foco ser os aspectos ambientais envolvidos no rompimento da barragem, Paulo Cornelio ressalta que uma perspectiva mais ampla deve ser levada em conta, pensando na preservação histórica do local. Isso porque, por um longo período, a Usina Hidrelétrica do Capingui era a única a abastecer Passo Fundo e região, sendo a primeira barragem de geração de energia de Passo Fundo, construída em 1930 com recursos municipais.

 

Usina Hidrelétrica do Capingui

O complexo da Usina Hidrelétrica do Capingui era composto inicialmente pela sua casa de força, localizada no distrito Sede Independência, e uma barragem de meandra e de captação. No entanto, em meados da década de 50 uma demanda maior de energia ocasionada pelo “consumo de pico” trouxe a necessidade de aumentar a produção de energia entre o período das 18h às 22h.

Conforme explica o engenheiro civil William Pol, com a sazonalidade de consumo a barragem Capinguí 2 foi construída, mas diferente das outras, feitas a partir de concreto armado, essa seria mista, com os pilares de concreto e o barramento de madeira. “A madeira é uma estrutura muito utilizada e válida quando ela fica totalmente submersa. Mas a partir do momento que ela está suscetível a variação do nível da água, isso acelera o intemperismo da madeira e consequentemente o processo de putrefação, por isso que dá o apodrecimento desse barramento”, esclareceu.

Com uma comporta que era aberta às 18h e fechada às 22h, a água passava e a produção de energia aumentava para atender as necessidades da região. No entanto, pela própria evolução tecnológica e o início do uso das redes de tensão compartilhada, em que era possível mandar energia de uma ponta a outra do país, William Pol esclarece que esse tipo de manejo não era mais necessário. Em meados de 1994 a barragem foi então desativada, permanecendo intocada e como uma reserva técnica até os dias de hoje.

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