Após 14 anos da promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 02/08/2010), que em seu artigo 54 estabelece prazos para a implementação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, 31,9% dos municípios brasileiros ainda utilizam os chamados lixões. A informação consta na Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2023 - Suplemento de Saneamento (Munic), divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que traça um panorama nacional sobre a adoção prática das legislações criadas para reduzir os impactos ambientais resultantes dessa atividade. Passo Fundo, garante a prefeitura, “cumpre rigorosamente a Política Nacional de resíduos sólidos”, além de contar com legislação complementar, coleta seletiva e ações de reciclagem.
Entre as grandes regiões, levando em consideração o período da coleta da pesquisa entre setembro de 2023 a março de 2024, os lixões ainda eram utilizados em 73,8% dos municípios na Região Norte, 51,6% no Nordeste, 52,9% no Centro-Oeste, 12,1% no Sudeste e 5,7% no Sul. De acordo com o levantamento do IBGE, em 28,6% dos municípios, a disposição final era feita em aterros sanitários, enquanto aterros controlados eram utilizados em 18,7%, métodos menos prejudiciais ao meio ambiente.
A norma federal impôs que os municípios com população superior a 100.000 habitantes ou que estão a menos de 20 km da fronteira com países limítrofes deveriam eliminar o uso de lixões até agosto de 2022. Com mais de 200 mil moradores, esse é o prazo considerado para Passo Fundo, localidade que gera cerca de 220 toneladas de lixo por dia.
Por aqui, o coordenador do Programa Cidade Limpa, Luiz Fabricio Scheis, informou que a Política Nacional de resíduos sólidos é cumprida “uma vez que, fiscalizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, realiza a coleta dos resíduos através de empresas terceirizadas que fazem a coleta do lixo doméstico e, pela Secretaria Municipal de Transporte e Serviços Gerais, coleta e faz a destinação dos resíduos volumosos”, disse, ao complementar que os materiais não recicláveis (descarte) são devidamente encaminhados para um aterro sanitário controlado.
Os problemas dos lixões
A legislação passou a proibir os lixões, sobretudo, pelo impacto ambiental gerado com a disposição dos resíduos sem controle e manejo adequados. Além dessa problemática, o professor dos cursos de engenharia da Atitus Educação, Rudimar Pedro – que é graduado em química, especialista em mobilidade de resíduos perigosos e tratamento de efluentes, valoração de resíduos e consultor da área ambiental - aponta que esse tipo de solução está associado, ainda, a questões sociais.
No aspecto ambiental, o especialista cita a contaminação do solo gerada a partir da decomposição dos resíduos orgânicos e o descarte de substâncias tóxicas, que liberam líquidos chamados de chorume. Com a infiltração desse contaminante no solo e no lençol freático, os rios, lagos e mananciais podem ser afetados, prejudicando a qualidade da água. Ainda, há a emissão de gases de efeito estufa. “A decomposição anaeróbica de resíduos orgânicos gera metano (CH₄), um gás com alto potencial de aquecimento global”, alerta.
Esses depósitos a céu aberto também atraem ratos, baratas, moscas e mosquitos, transmissores de doenças. Ainda, as comunidades próximas ficam vulneráveis a contaminantes químicos, como metais pesados, que causam danos ao sistema nervoso, rins e fígado. O professor também chama atenção à vulnerabilidade dos catadores e para as condições historicamente precárias de urbanização nessas regiões.
Por fim, diz ele, há o desperdício de recursos, devido à perda de materiais recicláveis. “A destinação incorreta impede a recuperação e reutilização de materiais, prejudicando a economia circular. Sem tratamento adequado, os resíduos [orgânicos] que poderiam ser compostados são perdidos, aumentando o volume do lixo”.
Aterros sanitários e os aterros controlados
Considerando esse cenário, as normais nacionais, complementadas por regulamentações municipais, passaram a abordar soluções menos ambientalmente prejudiciais de manejo dos resíduos gerados nas cidades. Apesar de não eliminarem completamente todos os problemas, segundo pondera o professor, os aterros sanitários e os aterros controlados representam melhorias significativas em relação aos lixões.
Conforme detalha, os aterros sanitários são sistemas projetados para minimizar os impactos ambientais e sociais associados à disposição de resíduos. Eles incluem camadas de impermeabilização para evitar a contaminação do solo e do lençol freático; sistemas de drenagem e tratamento de chorume; controle de emissões de gases; e a cobertura diária de resíduos para evitar a proliferação de vetores.
Nesse caso, no entanto, há condições consideradas limitantes, como os altos custos de implementação e operação; a vida útil limitada; a necessidade de manutenção a longo prazo, já que mesmo após o encerramento o local precisa de monitoramento por décadas para evitar problemas como vazamentos de chorume e gases; e a emissão de gases de efeito estufa, pois nem todo o metano é capturado.
Já os aterros controlados são uma forma intermediária entre lixões e aterros sanitários, com algumas melhorias básicas, como a cobertura do lixo com camadas de terra para minimizar a exposição e proliferação de vetores. Mas não contam com sistemas de impermeabilização eficientes e com um controle rigoroso de gases, além de apresentarem menor eficiência no tratamento de chorume.
“Os aterros sanitários e controlados são paliativos e não resolvem o problema fundamental da excessiva geração de resíduos. Para eliminar os problemas associados, é necessário adotar práticas de redução na fonte, reciclagem, compostagem de resíduos orgânicos e a implementação da economia circular. Esses sistemas, aliados à educação ambiental, reduzem a dependência de aterros e diminuem os impactos em longo prazo”, defende Rudimar Pedro.
Coleta seletiva estava presente em 60,5% dos municípios brasileiros
No Brasil, 3.364 (60,5%) dos municípios com algum serviço em manejo de resíduos sólidos tinham coleta seletiva, enquanto 56,7% implementaram instrumentos legais que tratam sobre coleta seletiva, indicando que há uma aproximação entre a legislação e a prática em pouco mais da metade dos municípios brasileiros. A coleta convencional é caracterizada por não existir a separação dos resíduos orgânicos e inorgânicos, diferente da coleta seletiva.
Regionalmente, houve uma grande variação. A Região Sul liderou em ambas as categorias, com 81,9% dos municípios possuindo coleta seletiva e 74,5% com legislação específica. Em contraste, a Região Norte apresentou os menores valores, com 33,5% e 42,2%, respectivamente, destacando a necessidade de expandir a cobertura do serviço, uma vez que os instrumentos legais estão mais presentes do que a implementação do serviço.
Por aqui, há um sistema gerido pela prefeitura, compreendendo um vínculo com cooperativas de recicladores. Conforme o coordenador do Programa Cidade Limpa, Luiz Fabricio Scheis, além da coleta seletiva realizada no Centro da cidade e principais vias através da empresa CODEPAS, o município “realiza a triagem e reciclagem de todos os resíduos coletados no município, tendo cerca de 6 a 8% de seus resíduos reciclados, acima da média nacional”. Os resíduos recicláveis coletados são destinados para as cooperativas de reciclagem cadastradas, que recebem, além deste material, “incentivos diversos” do poder público municipal, garantiu Scheis.
Além da disponibilidade de contêineres para a coleta seletiva, para ampliar a efetividade do serviço, o coordenador cita a promoção de atividades de educação ambiental envolvendo entidades, escolas e população em geral. “Essa atividade se dá em face do descaso da população na separação correta de resíduos e na utilização dos espaços destinados para a destinação do lixo reciclável. A implementação da coleta seletiva é necessária e o Poder Público sabe da sua responsabilidade, todavia, é necessário que se tenha a ajuda e colaboração de todos os cidadãos”, pondera.
Política municipal
Os dados do IBGE mostram que 3.182 municípios brasileiros (57,3%) informaram ter Política Municipal de Resíduos Sólidos ou estar com ela em elaboração em 2023. Passo Fundo está entras as cidades com a legislação implementada.
Segundo pontua Luiz Fabricio Scheis, o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, definido pela Lei nº 4969/2013 e construído em parceria com a sociedade civil organizada, traz a aplicação da política nacional para a realidade local. “Importante salientar que, diante do desenvolvimento do município, seu crescimento populacional e, consequentemente, o aumento no número de produção de resíduos, já está sendo realizada a atualização deste Plano Municipal”, adiantou.
A legislação traz as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.
A Politica Municipal de Resíduos é complementada por outras legislações municipais específicas, como a Lei n° 5102/2014, que dispõe sobre o aproveitamento, reciclagem e processamento de entulho proveniente da construção civil e a Lei n° 5124/2015, que dispõe sobre a aplicação de multa ao cidadão que for flagrado jogando resíduos nos logradouros públicos e fora do equipamento que se destinam.
Os prazos legais
O Art. 54 da Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece prazos para a implementação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, ou seja, fim dos lixões:
• Até 2/08/2021, para capitais e municípios em Regiões Metropolitanas ou Regiões Integradas de Desenvolvimento - RIDE;
• Até 2/08/2022, para municípios com população superior a 100.000 habitantes ou que estão a menos de 20 km da fronteira com países limítrofes;
• Até 2/08/2023, para municípios com população entre 50.000 e 100.000 habitantes; e
• Até 2/08/2024, para municípios com população inferior a 50.000 habitantes