Ao estilo “gato escaldado tem medo de água fria”, a palavra La Niña, apesar de presente nos veículos de comunicação desde os anos 1990, ainda é capaz de causar temor, apreensão e interpretações apressadas e equivocadas em muita gente. Esse ditado popular sintetiza bem a questão porque a ideia por trás do adágio é que, para alguém que viveu uma má experiência, é natural, ter medo ao se antever na mesmo posição.
E, admitindo-se que, quem aprende sentindo na pele sabe o que pode esperar se repetir a experiência da mesma forma, são válidos os questionamentos: no caso de La Niña, será que conhecemos mesmo esse fenômeno? A sociedade aprendeu de fato a conviver com ele? Sabemos usar a informação sobre La Niña de forma estratégica? Onde devemos buscar informações confiáveis? La Niña se presta a negacionismos de ocasião?
La Niña, historicamente, tem sido um fenômeno interpretado, quase sempre, por contraposição a El Niño. Não raro, são encontráveis expressões como o inverso do El Niño, o oposto do El Niño, o outro lado do El Niño, a versão fria do El Niño, o anti-El Niño, o não El Niño, a contrapartida fria do El Niño, a irmã do El Niño, o gêmeo menos conhecido do El Niño, o outro extremo do ciclo ENSO, A Menina, El Viejo, fase fria, episódio frio, estação com a superfície do mar fria, resfriamento anômalo, corrente anormal de águas frias, anormalidade fria e outras que, é muito provável, escaparam do meu alcance de leitura.
La Niña tem de ser interpretada à luz das anomalias negativas nas temperaturas das águas superficiais do Oceano Pacifico equatorial junto à costa Oeste da América do Sul e sua acoplagem com o ar circundante. Nesse caso, há modificação de centros de pressão e nos padrões de vento que dão causa a perturbações na circulação geral atmosfera. E, como consequência, anomalias climáticas extremas são verificadas em vários locais do mundo. Uma dessas regiões sensíveis, não casualmente, é o sudeste da América do Sul, onde se localiza o sul do Brasil. Mas, La Niña, apesar de sinais para diagnóstico e de impactos causados opostos, não é uma mera imagem espelhada de El Niño. Tem as suas características e idiossincrasias próprias. Embora, sabidamente, associarmos El Niño com a tendência de aumento de chuvas e La Niña com redução de chuvas no sul do Brasil.
O boletim ENSO Diagnostic Discussion, liberado pelo Climate Prediction Center/NCEP/NWS em conjunto com o International Research Institute for Climate and Society (IRI), no dia 12 de novembro de 2020, é taxativo: La Niña está ativa e é provável que assim continue, no nosso caso, durante verão que se aproxima (com 95% de chance no período janeiro a março) e se arraste até o outono (com 65% de chance de março a maio). Inclusive, há destaque, por alguns modelos de previsão, de um evento La Niña forte, com pico de atividade entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. Algo similar também apontou o Australian Goverment Bureau of Meteoroloy, no apanhado mensal divulgado no ultimo dia 10 de novembro, ao dar destaque à possibilidade da continuidade de La Nina durante os primeiros três meses de 2021.
E as previsões para o sul do Brasil? O Boletim Agroclimatológico do INMET (v.55, n.11, novembro de 2020) indica, para novembro de 2020 a janeiro de 2021, que as chuvas deverão ficar abaixo da média nos três estados do sul do Brasil, exceto no nordeste e oeste do Paraná e de Santa Catarina. E com déficit hídrico mais acentuado no solo, a partir de dezembro, do centro para o sul do Rio Grande do Sul. A nossa metade Sul.
Isso pode mudar? Pode. La Niña, historicamente, causa maior impacto nas chuvas no sul do Brasil durante a primavera, mas ir um pouco além também não se descarta.
O momento, apesar dos sinais da estiagem que se arrasta desde agosto, é de cautela e ficar na torcida para que, quando dezembro chegar, os habituais veranistas da orla gaúcha consigam entrar e sair mar sem tremer ou bater o queixo. Aí o Atlântico Sul, aquecido, pode passar a exercer uma influência maior no nosso regime de chuvas e atenuar o padrão La Niña de circulação geral da atmosfera.