Os ataques às torres gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos, completam 20 anos neste sábado (11). Considerado o maior ataque terrorista da história, o episódio de 11 de setembro de 2001 deixou quase três mil mortos depois de dois aviões comerciais terem sido sequestrados e arremessados contra as duas torres localizadas em Nova York. Um terceiro avião também foi usado, na mesma data, para atacar a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Os terroristas chegaram a controlar ainda um quarto avião, supostamente com destino à Casa Branca, residência oficial do presidente norte-americano, mas este sofreu uma queda na Pensilvânia, antes que o plano pudesse ser concretizado. A autoria dos ataques foi assumida pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda, à época comandada por Osama Bin Laden.
Em reação aos ataques praticados pela Al-Qaeda, no mesmo ano, os Estados Unidos enviaram tropas americanas para ocupar o Afeganistão, destituindo do poder o Talibã — grupo religioso fundamentalista que controlava o país desde 1996 —, sob a justificativa de que este estaria protegendo a organização responsável pelos atentados terroristas. A partir da ocupação em território afegão, os Estados Unidos começaram então a chamada “Guerra ao Terror”, em uma longa caçada ao comandante dos ataques. Mas foi somente em 2011, dez anos depois do início das operações, que os soldados americanos foram capazes de localizar e matar Osama Bin Laden.
Duas décadas depois, no mesmo ano em que os ataques às torres gêmeas completam 20 anos, as operações militares estadunidenses voltam a ocupar o centro das discussões em todo o mundo. Desta vez, com a notícia da retirada das últimas tropas estadunidenses que ainda atuavam no Afeganistão. A ação, acelerada no último mês, aconteceu em cumprimento ao acordo bilateral firmado entre o então presidente Donald Trump e o Talibã em 2020. O pacto foi firmado com a condição de que o grupo não voltaria a abrigar organizações terroristas como a Al-Qaeda.
Sem a ocupação americana, não demorou muito para que os talibãs retomassem o poder. Ainda em agosto, o presidente afegão Ashraf Ghani deixou o país sob a pressão do grupo e o controle do palácio presidencial foi assumido pelos rebeldes, mostrando que as operações estadunidenses não haviam sido suficientes para enfraquecê-los, mesmo depois de tanto tempo, e gerando pânico entre parte da população que ainda teme o fundamentalismo praticado pelo grupo. As cenas recentes de milhares de civis desesperados, tentando fugir do Afeganistão através do aeroporto da capital país, evidenciaram esse cenário e fizeram com que os olhos de todo o mundo se voltassem mais uma vez às ações do grupo que, em seus primeiros discursos desde a retomada do poder, tem buscado mostrar uma postura mais moderada, mas que ainda gera reações ceticistas àqueles que lembram da violência e extremismo com que os talibãs costumavam comandar o país no fim dos anos 90.
Para avaliar o motivo da retirada das tropas americanas, as consequências da retomada do poder pelo Talibã e a repercussão dessas ações em todo o mundo, a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, mestre em Direito e Relações Internacionais e doutora em Direito, Patricia Garazziotin Noschang, respondeu a uma série de questões relacionados ao atual cenário no Afeganistão.
- O que é o Talibã?
O Talibã foi criado em 1994, originário da Guerra civil que se instalou no país pós-Guerra Fria com o desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviética, uma vez que o Afeganistão estava sob domínio dos soviéticos. Talibã em pashto (idioma dos afegãos na região de Pashtun - leste e sul do Afeganistão) significa “estudante" e foi criado por um pequeno grupo que realizou seus estudos em escolas islâmicas tradicionais no Paquistão.
- Por que as tropas dos EUA ocuparam o Afeganistão em 2001?
Os Estados Unidos chegaram no Afeganistão em 2001, após o ataque de 11 de setembro, com uma intervenção militar, tendo como base o artigo 51 da Carta das Nações Unidas que possibilita o exercício da legítima defesa, reconhecido pelo Conselho de Segurança pela Resolução 1368 de 12 de setembro de 2001. Desde então, os Estados Unidos da América estiveram presentes no território afegão como interventores com o objetivo de caçar o mandante dos ataques, Osama Bin Laden, chefe da Al Qaeda. Em 2001, o presidente George W. Bush deu início a chamada “Guerra ao Terror” contra a Al Qaeda, entendendo que o governo do Talibã no Afeganistão estava protegendo os membros daquele grupo, e contra o Iraque de Saddam Hussein.
- O que a retirada das tropas dos Estados Unidos (EUA) do Afeganistão significa? É possível avaliar o real motivo dessa retirada?
São 20 anos de ocupação militar americana, em algum momento o país deveria voltar para as mãos do povo afegão. Penso que os Estados Unidos falharam no modus operandi durante esse período de ocupação, cometeram erros. A retirada hoje ou daqui dois ou 10 anos, possivelmente, teria a mesma consequência. Como dizem os historiadores, o Afeganistão se tornou um “cemitério de impérios”. O governo de John Biden resolveu assumir o plano de retirada assinado pelo ex-presidente Donald Trump em 2020, já era uma tragédia anunciada. O território do Afeganistão tem uma localização geopolítica interessante tanto para a Rússia quanto para a China que faz fronteira com o país.
- A retirada das tropas traz, de certa forma, uma insegurança mundial, como o retorno de grupos terroristas internacionais?
O objetivo do Talibã não é o terrorismo, mas governar o Afeganistão de acordo com as suas convicções religiosas, que se dá por uma interpretação rígida da lei islâmica.
- É possível fazer uma avaliação desses 20 anos que os EUA estiveram por lá?
A avaliação que se pode fazer é que o “investimento" não deu retorno e custou muito caro. Foi a guerra mais longa em que os Estados Unidos participou e custou oficialmente 1 trilhão de dólares. Olhando para trás pode-se entender que a decisão de invadir o Afeganistão tomada logo após o ataque de 11 de setembro foi equivocada, considerando que o objetivo principal a ser alcançado, que era encontrar Osama Bin Laden, levou 10 anos, e o enfraquecimento do Talibã não aconteceu, uma vez que o primeiro movimento de retirada das tropas americanas depois de 20 anos fez com que o grupo retomasse o comando do país.
- Quais são as perspectivas para o Afeganistão com a retomada de poder pelos talibãs?
O Talibã busca um reconhecimento internacional. De acordo com o Direito Internacional, os governos buscam reconhecimento para poder atuar nas relações internacionais. Nenhum governo, atualmente, consegue sobreviver sozinho. Um primeiro sinal já foi dado pela China, que mencionou sobre o apoio do grupo. Há sinais de que a Rússia também siga neste sentido.
- É possível dizer quem venceu a Guerra do Afeganistão: EUA ou os Talibãs? Quais as consequências dessa guerra?
Penso que não se pode falar em vencedores, mas sim em uma população que sofre com um conflito que dura 20 anos e que causou um deslocamento forçado, segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), da segunda maior população de refugiados, atrás somente dos Sírios. O Paquistão acolheu a segunda maior população de refugiados no final de 2016: 1,4 milhão de pessoas vindas principalmente do Afeganistão. Mas, estima-se que 3 milhões de afegãos deixaram o seu país desde a invasão da União Soviética em 1978. As consequências são uma crise humanitária e a restrição de direitos humanos, principalmente, no que se refere às mulheres e crianças.
- Por que há um interesse mundial pelo Afeganistão?
Em primeiro lugar, a localização geográfica estratégica para dominação dos Estados Unidos e da Rússia. O Afeganistão era vizinho da União Soviética e, por isso, também o interesse desta potência em dominá-lo durante a Guerra Fria. O Afeganistão faz fronteira com países geologicamente importantes como a China, Paquistão (que protegeu muitos membros do Talibã), Índia e Irã. Além da questão geopolítica, segundo relatório do Banco Mundial, o Afeganistão possui uma riqueza mineral com extensas reservas de cobre, lítio, cobalto, ferro, ouro, que permaneceram relativamente intocadas nas últimas décadas, período em que o país esteve mergulhado em diferentes conflitos armados. Assim, o Talibã tem nas mãos uma riqueza mineral estimada em algo entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões, conforme reportagem apurada pela BBC Brasil. A disputa num futuro próximo será pela autorização de exploração destas reservas, ou seja, a qual país o governo do Talibã se aliará para exploração destas riquezas minerais que, segundo especialistas, podem auxiliar na prevenção das mudanças climáticas rumo a uma economia verde.