Entre uma abertura e outra, eles circulam pelo espaço. Focam em detalhes e por vezes veem o todo. Arregalam-se quando estão impressionados e se serram quando sentem medo. As tais janelas da alma, são também espelho e reflexo do mundo. Os olhos, cautelosamente posicionados sob o centro da respiração e de expressão, chegam primeiro. Antes da boca se abrir, eles já tem certeza do que será falado. Eles definem ângulo, ponto de vista e expressões. Observam atentamente os movimentos e a falta deles. Estão sempre atrás de algo e desejam encontrar o que lhes surpreenda.
É através deles que o Projeto Revele-se surgiu. A estudante de Publicidade e Propaganda, Katherine de Bairros, já trabalhava com fotografia a cerca de 5 anos, quando percebeu que queria fazer mais. Ver o mundo com os mesmos olhos, mas de um ângulo diferente. Ela queria mostrar o que via para as pessoas. Queria que todos vissem o mundo como ela via, e como ele era belo.
”Minha ideia surgiu quando eu tive problemas de autoestima e aceitação, eu não acreditava que podia me olhar no espelho e me amar. Simplesmente não dava. Foi um trabalho duro, eu precisei educar os meus próprios sentimentos para entender que eu podia ser bonita, independente da minha forma física. Quando eu me nutri por dentro, e me tornei grata por quem eu era e sou, a minha vida mudou.”, explica ela.
No início de 2017, um de seus desejos de ano novo era realizar algo que fizesse a diferença. Sua ligação com o feminismo e com o emponderamento feminino já era sólida a alguns anos e o projeto foi a oportunidade que ela encontrou de unir a fotografia ao movimento. “Eu queria fazer algo que ajudasse as pessoas, mas eu queria fazer vindo de algo que eu faço”, comenta.
Em uma madrugada o projeto começou a tomar forma e foi logo colocado em prática. A repercussão nas redes sociais foi imediata, no mesmo dia Kathi, como é carinhosamente chamada pelos íntimos, se viu tomada por mensagens e desabafos. E partiu para a próxima etapa do projeto: escolher quem ela iria fotografar. “Eu respondi todo mundo, eu ainda respondo e respondo coisas diferentes para cada pessoas. Porque cada história é um contato diferente. Mas foi bem difícil escolher, porque todas as meninas que participaram, todas mereciam e eu queria fazer para todo mundo. Só que era inviável. As meninas que eu escolhi, são histórias que vão para todos os extremos. São coisas que cada uma tem uma importância para aquelas pessoas.”, relembra.
A sua percepção quanto aos problemas também mudou, cada olhar tinha que ser diferente e único. Cada uma das mulheres era atingida de maneira diferente pelas situações e nem por isso, os problemas se tornaram maiores ou menores do que o das outras. Todos os ensaios aconteciam depois de muita conversa e descobertas. “Quando eu escolhia uma das meninas, eu enviava um questionário com perguntas como a cor e música favorita, um dia legal e um não tão legal, para que eu pudesse conhecer elas melhor”, explica. E eram essas respostas que guiavam o olhar da fotógrafa, quando os olhos estavam na câmera.
Era através das lentes que ela podia mostrar para elas o que via. Depois que o ensaio acontecia e as fotos estavam prontas um novo questionário era enviado. Ela queria saber sobre o impacto das fotos, queria que todas elas compartilhassem seus sentimentos. Afinal, o objetivo do projeto era que elas se vissem como realmente são. “Receber as respostas delas foi uma grande surpresa. Eu não sabia que podia ter um impacto tão grande. Não parecia que era pra mim, que eu merecia todo esse carinho, porque eu estava fazendo o mínimo, o mínimo que eu podia fazer por alguém.”
O sentimento de gratidão das pessoas a fez entender que o olhar das pessoas, e até mesmo o dela, estava estagnado nas coisas ruins e quando coisas boas aconteciam, chegavam a passar despercebidas. Durante os ensaios ela conseguia ver essas coisas boas. A sintonia era natural, mas em alguns o bloqueio inicial estava presente e era como uma barreira que precisava ser derrubada, pela fotógrafa e pelas modelos. Alguns ensaios duravam 40 minutos, outros 3 horas, mas todos aconteceram no tempo de cada uma delas. “A ideia do projeto desde o início, foi que as pessoas se aceitassem do jeito que elas são, então não usamos Photoshop. Eu queria mostrar quem elas eram e ajudar elas a aprender a lidar com isso da melhor forma.”. Quando o projeto terminou o resultado foi unânime. “Elas viam as fotos e não conseguiam entender que aquilo era elas e que a gente não precisou de nada para deixa-las ‘bonitas’”, conta emocionada.
Via de mão dupla
Abrir mão do próprio tempo sem receber por isso, parece uma ideia distante para a maioria das pessoas. Para Katherine foi simples: “eu coloquei as pessoas como propósito. E com isso aprendi a dar valor para as coisas pequenas, aprendi que a gente reclama muito de barriga cheia, que tu não precisa de tempo para se conectar com alguém, que isso é muito banalizado, o projeto mudou muito a minha atitude com as pessoas que eu conheço.” Se colocar no lugar das outras mulheres foi o que a fez seguir adiante.
A fotografia, que antes era uma responsabilidade financeira, passou a se tornar uma responsabilidade com as pessoas. O contato direito com os problemas de outras mulheres e a maneira como elas lidavam com eles a impressionou. Mostrar a beleza interior no mundo exterior parecia tarefa difícil antes do projeto começar. Depois, foi como se as lentes já estivessem prontas para enxergar verdadeiramente, mas quem havia mudado a maneira como via, era a própria fotógrafa. E aquela velha máxima passou a fazer ainda mais sentido, tudo era questão de ponto de vista.
O projeto continua
Para o próximo semestre, Katherine garante “vai ter projeto”. O propósito ainda é o mesmo, revelar a beleza interior. Mas ela pretende atingir novos públicos. Homossexuais, mães durante o pós-parto, mulheres mais velhas, negros e idosas, são alguns dos temas que rondam a cabeça da fotógrafa. “Ele vai ser o mesmo, mas em um novo formato, trabalhando principalmente com mulheres, porque eu acho que são as pessoas mais atingidas, por padrão de beleza.”. Como o símbolo do projeto, a borboleta, a ideia é fazer com que aqueles que passam por suas lentes, tenham sua metamorfose e transformem as inseguranças em força.
Aprender a decifrar a própria alma
O contraste proporcionado entre a escuridão das incertezas e inseguranças de antes do projeto, deram lugar a claridade da lente, que as viu e fotografou. Ver não é simplesmente ver, é perceber e se deixar cativar. O olhar pode ser o mesmo, mas o sentimento ao ver as fotos que representam cada uma das mulheres que passaram pelo Revele-se, nunca produz as mesmas sensações.
“Se tem algo de que me orgulho sobre mim é que estou sempre em busca de melhorias. Não fico parada vendo as coisas acontecerem e modificarem minha vida. O que eu vivi até então prova isso.” Aline
“O que eu queria dizer sobre a minha história é que às vezes as pessoas te menosprezam, te julgam porque não te conhecem. Minha vida desde quando fui novinha, foi marcada pela cobrança sobre a beleza física e eu sofri muito com isso. Acho que a minha história e a de todas que participaram do projeto, vieram pra mostrar o quanto as pessoas não enxergam. Ou melhor, elas enxergam, mas não se veem de verdade, não olham pra dentro de si e nem pra dentro do outro. Eu passei por muita coisa nesses meus 20 anos de vida, mas eu nunca tinha me sentido assim, tão bem e tão livre. As fotos me mostraram o que todos diziam e o que eu não era capaz de enxergar. Acho que a beleza se trata disso, das pessoas que são capazes de ver, enxergar com verdade e com amor a si e ao seu semelhante. Acho que acima de tudo o revele-se é uma lição de amor.” Débora
“O que aconteceu comigo, certamente pode acontecer com qualquer pessoa. Mas as vezes é difícil passar por isso, porque você chega em um ponto que parece que nada vai mudar e nada vai melhorar. E isso é um trabalho interno, não externo. E é a partir dai que as coisas mudam. Quando eu vi as fotos, a cada uma que passava, eu percebi que mesmo tendo defeitos e coisas que eu gostaria de mudar, aquela sou eu e eu amo quem eu sou! Sou única e é isso o que importa!” Lu