Brechós para que te quero

Do seu guarda roupa para o meu. Unir sustentabilidade e moda pode ser uma forma de empreendedorismo em tempo de crise

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Os queridinhos da moda, hoje, são os brechós.  Lugares que vendem roupas, sapatos e acessórios a um preço mais baixo do que nas lojas tradicionais. Geralmente as roupas e os sapatos são usados e os acessórios também já possuem algumas histórias com seus antigos donos. Isso, no entanto, não impede que outras pessoas também possam ter as suas histórias com os mesmos produtos.

A origem dos brechós pode estar ligada aos mercados de pulgas na Europa onde podia-se fazer negócio sobre praticamente tudo. As feiras, como eram chamadas, aconteciam ao ar livre e não se havia muita preocupação sobre a higiene, por isso o nome “mercado de pulgas”.  Já no Brasil, os brechós vêm do século XIX, de um Rio de Janeiro que pode ser encontrado nas páginas de Machado de Assis, por exemplo. 

O autor no livro “Ideias do Canário”, de 1985, descreve o ‘Belchior’, um ambulante carioca que vendia artigos de segunda mão pelas ruas fluminense e que inspirou a criação do nome ‘brechó’, uma derivação de Belchior.

(...)

No princípio do mês passado, — disse ele, — indo por uma rua, sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de urna loja de belchior. Nem o estrépito do cavalo e do veículo, nem a minha entrada fez levantar o dono do negócio, que cochilava ao fundo, sentado numa cadeira de abrir. Era um frangalho de homem, barba cor de palha suja, a cabeça enfiada em um gorro esfarrapado, que provavelmente não achara comprador. Não se adivinhava nele nenhuma história, como podiam ter alguns dos objetos que vendia, nem se lhe sentia a tristeza austera e desenganada das vidas que foram vidas.

A loja era escura, atualhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante.

(Trecho de “Idéias do Canário”, Machado de Assis, 1895)

Uma ideia na cabeça e um Instagram na mão

A procura pelos brechós cresce a cada dia e provavelmente você deve ter cruzado pelas ruas de Passo Fundo com algum. E não é sem motivo: com o cenário de crise no Brasil, onde mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a necessidade de economizar dinheiro e aproveitar melhor os recursos é bem-vinda. 

Com este pensamento, quatro amigas resolveram montar um brechó online com algumas edições de bazar físico. A ideia partiu de Samantha, 21 anos e estudante de psicologia. A estudante convidou outras amigas e em janeiro deste ano, Arieli Corrêa, Renata Soares Kellerman, Carol Fávero e Samantha Stieven deram início ao brechó online com uma conta no aplicativo Instagram. Hoje, a conta na rede social tem mais de cinco mil seguidores e as meninas já vendem roupas para todo o Brasil. Samantha diz que a ideia para o “Das Quatro” surgiu para obter uma renda extra com as peças que não eram mais usadas e que acabavam sem utilidade no guarda roupa. “A proposta do brechó é a sustentabilidade e fazer as roupas girarem, a economia girar”, diz Renata, de 21 anos, estudante de História e professora de teatro.   

Em junho deste ano o Brechó das Quatro realizou a primeira edição do Bazar, que teve a participação de aproximadamente 200 pessoas. Os bazares são feitos na casa de Arieli, onde de acordo com as meninas, o espaço é grande e proporciona  uma interação entre as pessoas. Elas comentam que, por enquanto, os planos do Brechó das Quatro é manter-se online, sem uma loja física. “Compensa abrir em um dia só, só com o online temos uma flexibilidade de tempo maior”, ressalta Renata. As meninas acreditam que com edições eventuais de bazar, a demanda consegue ser suprida.  Quem participa do bazar, além de ter a possibilidade de comprar roupas com preço mais acessível, também pode comer comidas 'veganas' e comprar bebidas. As meninas argumentam que essa atitude ajuda a apoiar a cena independente de Passo Fundo.

Em época de crise, um brechó vai bem

“Eu não sou nada apegada”, conta Amanda Maier, 30 anos, proprietária do Brechó “Apega e Desapega”, de Passo Fundo. Há quase três anos Amanda resolveu investir no negócio de vender roupas. “Primeiro eu comecei com as minhas próprias peças, postava nos grupos de Desapego do Facebook e as meninas iam pedindo e eu ia lá e vendia”, diz.  Ela conta que após um tempo o apartamento dela ficou pequeno para tantos pedidos e surgiu a oportunidade de alugar um espaço.

Até 2014, o brechó  da Amanda permaneceu em uma sala pequena, mais afastada do centro e apenas em maio deste ano houve uma mudança para o atual local. “A partir do momento que a pessoa vem aqui ela está querendo economizar e comprar uma roupa boa, a roupa é barata mas ainda tem um valor”.  Ela ainda salienta que é possível gastar pouco e se vestir bem, e que isso é um dos diferenciais dos brechós: torna uma roupa exclusiva, com mais de uma opção de combinação. Amanda acredita que a grande procura pelos brechós se deve a crise econômica que o Brasil passa,  que fez com que as pessoas pesquisassem mais preços na hora de comprar algo.

Hoje, o Apega e Desapega é o negócio da família e Amanda tem pretensão de aumentar a loja. “Talvez ampliar as opções de roupas, incluir roupas de criança e pensar na possibilidade de fazer do Apega uma franquia”, finaliza Amanda.

“Eu tinha muita roupa em casa que não usava”

Entra ano e sai ano o guarda roupa das estudantes de Medicina da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS), Ana Júlia Delazeri, 22 anos e Marília Sonda, 21 anos, fica cheio novamente. “Um dia abri meu guarda roupa e disse 'o que eu não uso há uns três meses e que não é dessa estação, eu não vou mais usar!'” diz Ana Júlia, que a partir deste questionamento resolveu colocar em prática a ideia do brechó online.

De fato, o brechó está “online” desde a última sexta, 11, e já conta com mais de trezentos seguidores no Instagram. Segundo Ana Julia, 30% do estoque separado já foi comercializado.“Vimos que o mercado era forte em Passo Fundo e resolvemos montar”, conta.  Além das roupas, Ana e Marília vendem acessórios, sapatos e lingeries. “A nossa turma na faculdade comprou muito a ideia do brechó, as nossas vendas são na grande maioria lá na UFFS”, diz Ana Julia.  Para Marília, a ideia do I Want é promover o consumo consciente, fazer com que as roupas também possar ser recicladas e sejam usadas o maior tempo possível. 

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