Motivar outras mulheres a ocupar espaços que são seus por direito é uma das principais lutas da advogada Morgana Bordignon. Eleita em novembro deste ano a nova presidente da subseção de Passo Fundo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ela acredita que a sororidade é um dos caminhos fundamentais para a conquista de cenários mais igualitários. “Nós mulheres não precisamos nos empoderar, nós já nascemos empoderadas e com poder tal qual o homem. O que a gente tem que fazer é se colocar do lado do homem e utilizar todos os espaços que ele utiliza. O fato de eu estar nesse novo cargo precisa servir de exemplo para que as mulheres saiam da zona de conforto e ocupem todos os espaços”, opina.
Morgana é somente a terceira mulher, em 86 anos de existência da OAB em Passo Fundo, a ser eleita presidente. Nos conselhos seccionais da OAB espalhados pelo Brasil, por exemplo, todos os novos presidentes eleitos foram homens. O padrão explicita a desigualdade entre a figura masculina e feminina que permeia o mercado de trabalho - mesmo as mulheres já sendo a maioria em inúmeros setores. “Isso não aconteceu porque as mulheres não tinham capacidade. Elas não foram concorrer. Ainda é um espaço que o homem domina”, comenta, observando que as mulheres ainda são pouco incentivadas a buscarem cargos de liderança. “O que eu converso muito com as minhas colegas é que as mulheres não podem mais se esconder atrás de desculpas sobre ter filhos, ter compromissos, porque o homem também tem. Ele tem, mas deixa tudo para a mulher. Como é que ele tem tempo de ir para a jogatina, sair e a mulher não? A gente sabe que ela tem uma sobrecarga de trabalho, porque acumula funções dentro de casa, mas por que não começar a dividir de forma igualitária com os homens?”, questiona, mesmo ciente de que se tratam de costumes muito antigos e fortemente enraizados nas sociedades.
Para ela, estar à frente da subseção passo-fundense da OAB é a oportunidade de oferecer um novo olhar sobre as questões que envolvem a advocacia. “Normalmente, onde a mulher está à frente, há um diferencial no tratamento e na resolução dos problemas. Acredito que muito da minha eleição se deve às mulheres advogadas quererem outra mulher para representá-las, porque nós vemos e administramos o problema de outra forma”. No entanto, ela é firme em salientar que isso tudo não significa, de maneira alguma, que haverá uma distinção no tratamento entre advogados e advogadas dentro da entidade. “O trabalho continua o mesmo e sempre em nome da advocacia”, afirma.
Currículo extenso
Graduada em Direito pela Universidade de Passo Fundo em 1999, a trajetória profissional de Morgana teve início ainda antes da formatura, quando era estagiária de advocacia. Durante um ano, estagiou na área de Direito de Família e, depois, por mais um ano, na de Direito Trabalhista. Com diploma e carteira da OAB em mãos, em 2000 foi efetivada no local onde estagiava e por lá ficou até o ano de 2003, quando decidiu montar um escritório próprio junto com o irmão (Rafael Bordignon que, nas palavras da própria, é seu grande apoiador), o Bordignon Advogados, onde atuam juntos até hoje. “A área de Direito Trabalhista foi a que mais me fascinou e por isso decidi seguir nela desde que me formei. Tenho especialização em Direito do Trabalho e atuo sempre nesse ramo”.
Em 2007, foi convidada pela colega de profissão Cinara Tedesco para compor uma chapa e concorrer à diretoria da OAB. “A Dra. Cinara foi a primeira mulher a concorrer à presidência aqui em Passo Fundo. Na chapa dela, eu era secretária. Fiquei durante três anos. Depois, fui convidada para participar como tesoureira em outra diretoria; fiz isso por seis anos. Agora, na atual gestão, que vai até o fim do ano, sou vice-presidente e a partir do ano que vem assumo como presidente”, explica. Estar à frente de movimentos, no entanto, não é novidade para ela. De acordo com Morgana, o espírito de liderança a seguiu durante toda vida. “Eu sempre tive essa participação em movimentos. Desde muito cedo, participei do Curso de Liderança Juvenil da Igreja. Quando saí, fui para o Diretório Acadêmico da faculdade e cuidava da comissão da formatura”, menciona.
Inspiração
A escolha pela profissão, segundo Morgana, foi motivada pela admiração que sentia pela prima Fabiana Freitas, com quem tinha uma convivência muito próxima. “Ela foi advogada aqui em Passo Fundo. Quando eu estava no ensino médio, já via ela exercendo a profissão e achava que devia ser belíssima, mas nunca tinha participado de uma audiência. Eu via somente em filmes estrangeiros e a realidade dos filmes é muito diferente da realidade brasileira”, lembra. “Eu me espelhava nela, para mim era um exemplo de profissional. Sempre tive como objetivo ser independente, ter minha independência financeira e profissional, então a admirava muito pela figura de advogada e mulher”.
Hoje, o que ela mais gosta na profissão é a convivência diária com outras pessoas. “Eu não gostaria de trabalhar dentro de um ambiente no qual eu não interagisse com pessoas diferentes. É isso que me move. Outra coisa é que, como sagitariana, a gente gosta de muita liberdade. E aqui eu tenho liberdade de escolher o horário em que vou trabalhar. Hoje em dia, com processo eletrônico, tu pode peticionar até de madrugada se tu quiser”. Ela conta gostar também de trabalhar com o direto do outro e lutar por resoluções positivas. “O legal é que não se cria só uma relação de advogado e cliente. Tu pode ter uma ação e se, dali dez anos, encontrar o cliente, ele vai parar, te cumprimentar e ter aquele carinho”.
“Eu sempre comento: o trabalho de cliente com advogado é um conjunto. Se o cliente não traz os documentos, não tem como fazer as coisas; se o cliente não te conta a verdade, tu faz o processo do jeito que ele contou. É uma relação de muita confiança entre o cliente e o advogado. Se o cliente não ajuda, o processo não vai ter o resultado desejado. Mas o que mais me fascina é, ao final, saber que deu certo ou, quando não der certo, justificar o por quê e o cliente entender o motivo”, avalia.
Novas responsabilidades
Como parte da Comissão da Mulher Advogada em Passo Fundo, Morgana conta que discute o papel da mulher no mundo há muitos anos, trabalho que deve continuar forte dentro da OAB, especialmente no que tange a discussão sobre a violência. Entre outros objetivos junto com a diretoria para os próximos três anos, ela cita preservar a serenidade no andamento da Ordem; manter o foco na advocacia e nos problemas dos advogados com os poderes públicos; auxiliar na resolução de conflitos; evitar que prerrogativas sejam violadas; promover a união da classe; atender à solicitação de chamados da sociedade civil; e incentivar que mais advogados visitem a sede da OAB em Passo Fundo. “A nossa Subseção abrange Passo Fundo, Ernestina, Mato Castelhano, Pontão e Coxilha. Hoje, no município, estamos em praticamente 2.400 advogados”.
Apesar da animação e do evidente carinho em fazer parte da diretoria, ela admite que a responsabilidade ao assumir um cargo tão relevante é grande. “É uma responsabilidade maior, porque a sociedade inteira cobra mais as mulheres. Nós temos que estar o tempo todo provando que podemos fazer o mesmo trabalho que os homens, que a gente é tão competente quanto, mas eles esperam sempre um a mais. É aí que está o diferencial. Normalmente, onde a mulher está à frente, ela tem um diferencial, até mesmo por essa cobrança maior”.