Não é ironia, pois o momento não é apropriado, mas a mais famosa e mais eficiente escola de alfabetização de riscos no mundo, na atualidade, não faz parte de instituições como as universidades Harvard ou Chicago, nos EUA, ou Cambridge ou Oxford, na Inglaterra, e se chama Covid-19 (a doença causada pelo vírus SARS-coV2). Em cerca de 5 meses, desde que surgiu em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, poucas pessoas, no mundo, não importa o país e o idioma, podem dizer que não estão sabendo da Covid-19 e nem dos riscos associados. Seja pelos veículos tradicionais de comunicação de massa ou pelas redes sociais, somos, diuturnamente, bombardeados por informações, estatísticas da doença, imagens aterrorizantes e falas de especialistas; algumas relevantes e outras nem tanto.
As ruas e os espaços públicos vazios, em algumas das grandes cidades do mundo, as pessoas em quarentena dentro de casa, os estabelecimentos comerciais fechados ou funcionando com restrições, o distanciamento social imposto ou sugerido e as casas de espetáculos artísticos e os estádios de futebol fechados. Ao mesmo tempo, as emergências dos hospitais lotadas de pessoas, as cenas de cadáveres sendo amontoados em câmaras frigoríficas improvisadas, os enterros coletivos em covas abertas às pressas e o número de contaminados e de mortes pela doença crescendo a cada dia. Tudo isso, em meio à ameaça de uma crise na economia global sem precedentes, creio, são mais educativos do que a leitura de dezenas de manuais ou meramente cumprir o programa de disciplinas de um curso de gestão de risco.
Imagino que, passada essa fase de aprendizagem ou alfabetização de riscos, são poucos os que ainda ignoram que a Covid-19 é uma ameaça real. Além dos transtornos econômicos, com riscos reais ao abastecimento de bens de consumo, que alguns preferem realçar primeiro, a Covid-19 é uma ameaça séria porque tem causado a morte tanto de idosos com algum tipo de doença quanto de adultos saudáveis. A taxa de risco de fatalidade é muito superior a das influenzas sazonais que temos experimentado nos últimos anos. E a eficiência e velocidade de transmissão dessa doença têm superado as síndromes respiratórias conhecidas, fazendo com que, de fato, Covid-19 não possa ser considerada apenas como mais uma das tantas falsas ameaças globais ou uma mera “gripezinha”, que basta ignorar e, mais dias ou menos dias, estará resolvida.
Há uma dúvida atroz. Estaríamos vivenciando a pandemia do século ou apenas uma pandemia no século das pandemias que se prenuncia? Quem levantou esse questionamento foi Bill Gates nos instigante artigo que publicou no The New England Journal of Medicine, edição de 28 de fevereiro de 2020, sob o título “Responding to Covid-19 – A Once-in-a-Century Pandemic?”. Evidentemente, Bill Gates não se limitou a especulações, enquanto anunciava a doação de US$ 100 milhões, para ajudar países de baixa e média renda, também apresentou sugestões para o mundo lidar melhor com ameaças desse tipo, que podem se tornar mais recorrentes do que a maioria de nós supõe. Apenas para rememorar as ameaças mais recentes, podemos citar H1N1, em 2009, Ebola, em 2014, na África, e Zika, em 2016, na América do Sul.
Bill Gates não ignora que serão necessários esforços de governança global e vultosos recursos de investimentos, envolvendo parcerias entre entidades públicas e privadas, para que tenhamos um final feliz nessa pandemia da Covid-19 e de outras que futuramente advirão. Ele confia na ciência, realçando o sequenciamento do genoma do vírus que permitiu a identificação preliminar de potenciais candidatos a vacinas e o uso de técnicas de aprendizagem de máquina para a escolha de substâncias antivirais, que, após testes clínicos em animais modelos, se seguras, possam ser experimentadas em pessoas em ampla escala.
Uma verdade inconveniente é que essa pandemia da Covid-19 não foi a primeira e, muito provavelmente, nem será a última que a humanidade terá de enfrentar. Mas, com certeza, na próxima, a nossa geração, pelo menos, estará mais bem alfabetizada sobre os riscos e como lidar com uma pandemia.