O soldado do passo certo
Durante minha infância, didaticamente, minha mãe utilizava uma historinha para um paralelo com a minha conduta. Contava que duas amigas assistiam ao desfile militar quando uma perguntou qual era o filho da outra. A resposta da mãe foi enfática: “aquele do passo certo!” É uma narrativa verdadeira e sempre atual, pois o amor de uma mãe provoca uma cegueira, uma paixão que muitas vezes não permite o senso crítico ou outra leitura daquilo que está enxergando. Para ela, ao considerar errados todos os outros, o seu filho está sempre certo. A paixão política e o radicalismo também cegam. Não permitem senso crítico ou uma verdadeira interpretação, uma leitura do que estão vendo. Então, assim como para aquela mãe do soldado, todos os outros estão errados. O único certo é aquele a quem defendem com unhas e dentes.
Com essa interpretação, além de considerados como errados, todos os outros também passam a ser vistos e tratados como inimigos. Basta um lapso para que os amigos de ontem sejam as ameaças de hoje. Nessa interpretação pelo ângulo singular, a humanidade é associada aos eternos perigos calcificados em suas moldadas imaginações. E aí, diante de um obtuso olhar propiciado pela viseira semelhante à paixão daquela orgulhosa mãe, o balaio dos inimigos começa a transbordar. E o mundo, quando não está errado, também é uma ameaça. Um perigo pelo passado, um risco pelo presente e um temor pelo futuro. Todos os outros devem alinhar-se ao seu presumido prodígio. Ora, por que aquele que marcha como manda o pensamento unilateral materno iria trocar o passo? Então, que todos os outros mudem a passada. Todos estariam errados. E no mundo todo. Inclusive Sua Santidade, o Papa!
Boka
A volta dos restaurantes é um grande passo num adequado processo rumo à normalidade. Recebi do Edu as imagens do Boka na noite de segunda-feira. Diferente, é claro, mas seguindo as exigências decorrentes do momento. A responsabilidade é grande e os cuidados redobrados. Vivemos uma situação inusitada. Isso requer drásticas mudanças de comportamento que nos acompanharão por muito tempo. Aos poucos vamos aprender a conviver de uma maneira diferente. A pandemia, certamente, deixará muitas lições, mudará hábitos, conceitos e condutas. A primeira delas é lavar bem as mãos.
Lives
Lives e mais lives. Live e quarentena já são sinônimos. Não assisto nada, pois não sobra tempo. É o trabalho, acompanhar notícias e tarefas domésticas. E bota tarefas nisso. Mal terminou de limpar algo, já tem mais para lavar. Então, para mim live é uma abreviatura de limpa e lava. E a bagunça não acaba nunca.
Tolerância
Nem na velha (e respeitável) zona do meretrício ouvia palavreado tão vulgar. As prostitutas eram apenas profissionais. E bem educadas, mesmo de origem humilde, não representavam interesses obscuros e não faziam ameaças à coletividade. A zona do meretrício não existe mais. Agora até parece que o meretrício é palaciano. Chulo, obscuro, insano e ofensivo. Então, peço permissão para uma expressão sincera e adequada: as prostitutas não merecem essa comparação. No mínimo, merecem que lhes ofereçam uma bebida. Pode ser uma Cuba Libre! Bons tempos em que a zona era apenas uma tolerância e havia respeito recíproco. E os gestos eram perfeitamente condizentes com a função.
Sem extremos
Em plena pandemia, temos uma luta entre incrédulos e crentes. Os extremos resultam em entraves sanitários. Não quer ajudar, tudo bem. Mas, por favor, não atrapalhe. Lave as mãos, não repasse mentiras e não espirre ódio.
Trilha sonora
Para escutar aquilo que não ouço nas concessões por aqui concedidas, dou um pulo à Ucrânia através da Radio Relax. Lá encontrei a banda belga Vaya con Dios –I Don't Want To Know