OPINIÃO

O poema das mil e uma traduções

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Talvez, você, assim como eu, um dia tenha sido apresentado ao magistral poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, mas não tenha tido a curiosidade para saber quem fora o tradutor daqueles versos para o nosso idioma pátrio. Há versões do poema de Poe para o português assinadas por Machado de Assis (1883), Emílio de Menezes (1917), Fernando Pessoa (1924), Gondin da Fonseca (1928), Milton Amado (1943), Benedicto Lopes (1956), Alexei Bueno (1980) e Jorge Wanderley (1997); além de paródias e peças em cordel variadas. Nossos problemas para perceber as sutilezas das diferenças nessas traduções acabaram por obra e graça do poeta escritor e tradutor Ivo Barroso, que reuniu e comentou as versões portuguesas e francesas (Charles Baudelaire, Stéphane Mallarmé e Didier Lamaison) do poema magno de Poe no livro “O Corvo” e suas traduções (4ª edição aumentada, pela SESI-SP editora, 2018).

Edgar Allan Poe (1809-1849) teve a vida marcada pela miséria, a desgraça e o alcoolismo; como resumem as suas biografias. E, embora o próprio Poe, no ensaio “A filosofia da composição”, tente nos convencer que O Corvo foi um poema escrito racionalmente, fruto de uma fórmula que se começa a escrita do fim para o começo, Ivo Barroso considera isso pouco crível, pois, se tal fosse, por qual razão o próprio autor não a teria utilizado outras vezes. Afinal, como frisou Poe, “um poema só o é quando emociona”. E para emoção não existe fórmula pronta. Só o talento inato seria capaz de criar o refrão obsessivo que se traduz na expressão-chave “nothing more/nevermore” que no português viraria o sonoro “nada mais/nunca mais”. E, criar um corvo falante que quando interrogado reponde com o costumeiro “Nunca mais”.

Vamos começar pelo The Raven, original de 1845, apresentando apenas a primeira estrofe e suas traduções mais conhecidas, compiladas do livro de Ivo Barroso. Assim escreveu Edgar Allan Poe (eis uma boa oportunidade para testar o seu inglês do século XIX): Once upon a midnigt dreary, while I pondered, weak and weary,/ Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,/ While I nodded, nearly napping, suddenly, there came a tapping,/ As of some one gently rapping, rapping at my chamber door./ “Tis some visitor”, I muttered, “tapping at my chamber door - / Only this, and nothing more”. (...)

Machado de Assis, em 1883, contaminado pelos vezos parnasianos da época não conseguiu fazer o seu melhor e tropeçou na métrica do original: Em certo dia, à hora, à hora/ Da meia-noite que apavora,/ Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,/ Ao pé de muita lauda antiga,/ De uma velha doutrina, agora morta,/ Ia pensando, quando ouvi à porta/ Do meu quarto um soar devagarinho,/ E disse estas palavras tais:/ “E alguém que me bate à porta de mansinho;/ Há de ser isso e nada mais”. (...)

E Fernando Pessoa, quem, admite-se, pela genialidade e ser bilíngue, aglutinaria todas as credenciais para alcançar a tradução ideal, também não conseguiu, em 1924, ao exagerar no uso de gerúndios e pretéritos: Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,/ Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,/ E já quase adormecia, ouvi o que parecia/ O som de alguém que batia levemente a meus umbrais./ “Uma visita”, eu me disse, “esta batendo a meus umbrais./ É só isto, e nada mais”. (...)

Carlos Heitor Cony, em capitulo que assina no livro “O Corvo” e suas traduções, compartilha com Ivo Barroso a preferência pela tradução de Milton Amado, de 1943, que se destaca tanto do ponto de vista de técnica de tradução como de fidelidade interna ao poema. Pode ser encontrada em Poesia e prosa (Obras completas) de Edgar Allan Poe, editora Globo, de Porto Alegre, 1943. Espero que você tenha sido apresentado ao Corvo por intermédio dessa tradução: Foi uma vez: eu refletia, à meia-noite erma e sombria,/ a ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimos manuais,/ e, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído,/ tal qual se houvesse alguém batido à minha porta, devagar./ “E alguém – fiquei a murmurar – que bate à porta, devagar; / sim, é só isso e nada mais”. (...)

Não conhecia O Corvo? Ou quer saber mais sobre “O Corvo” e suas traduções? Então compre e leia o livro do Ivo Barroso.

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